A política vítima e agente de fake news
Enquanto políticos legislam sobre como regular as notícias falsas, nunca houve tantas frentes de investigação da responsabilidade de governantes na disseminação da desinformação
Políticos ao redor do mundo querem regular as fake news. Políticos ao redor do mundo espalham fake news. Ao mesmo tempo em que tenta legislar para frear a desinformação, a classe política também é uma das principais disseminadoras de conteúdo falso, o que foi exposto com ainda mais crueza por uma investigação interna do Facebook que veio a público em 8 de julho, como parte dos esforços mundiais da empresa para lidar com o problema reputacional e financeiro causado pelo descontrole da desinformação e dos discursos de ódio na rede.
A exemplo da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, a apuração do Facebook conseguiu identificar donos de contas falsas que operam nesse mundo, mostrando que são pessoas pagas com dinheiro público, lotadas em gabinetes de parlamentares e até do presidente da República. É mais uma frente de investigação da participação de políticos na disseminação de conteúdo falso com teor político, numa lista que inclui um inquérito no Supremo Tribunal Federal, outros no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a própria CPMI.
Parlamentares incumbidos de discutir e votar o projeto de lei que tenta regulamentar as fake news, aprovado no Senado e agora sob apreciação da Câmara, também são alvos dessas investigações, suspeitos de produzir e participar de sofisticados esquemas de distribuição de conteúdo falso com objetivos políticos diversos. E é este paradoxo que torna ainda mais crucial a pressão da sociedade sobre o Congresso neste momento.
Contas inautênticas são definidas pelo Facebook como aquelas que se valem de identidades falsas, aumentam artificialmente a popularidade do conteúdo ou se envolvem em comportamentos que tenham a intenção de induzir outras violações das regras da plataforma. O trabalho de investigação feito pelo Laboratório Digital Forense do Atlantic Council, que mantém uma parceria com o Facebook desde 2018 para a análise independente de remoções feitas pela rede social por comportamento inautêntico, confirmou a participação de agentes públicos e de funcionários ligados ao gabinete de seis deputados, entre federais e estaduais, todos ligados à família Bolsonaro —inclusive dois dos filhos do presidente. Um assessor lotado no gabinete presidencial também foi identificado como dono de uma dessas contas falsas.
“Essa rede consistia em vários clusters de atividade que se apoiavam em uma combinação de contas falsas e duplicadas para criar personas fictícias que se passavam por veículos de imprensa e repórteres. Essas contas postavam sobre notícias locais e eventos políticos, memes políticos, críticas à oposição, jornalistas e organizações jornalísticas, e mais recentemente postaram sobre a pandemia”, disse o Facebook em comunicado.
O Brasil não é único. A mesma investigação mostrou o envolvimento de políticos e agentes do Estado em operação de disseminação de contas inautênticas em outros países. A exemplo do Equador, onde uma empresa de relações públicas que operava do Canadá teve 77 páginas, 41 contas e 56 perfis no Instagram removidos por influenciar o debate político visando o lucro.
O estudo do MIT The Spread of True and False News Online (O espalhamento de notícias verdadeiras e falsas online, em tradução livre), que analisou mais de quatro milhões de tuítes entre os anos de 2006 e 2017, revelou que fake news sobre temas políticos espalham mais rápido e profundamente do que qualquer outro tema. Elas são seguidas por boatos envolvendo lendas urbanas, empresas, terrorismo, ciência, entretenimento e desastres naturais. As mentiras políticas alcançam 20.000 pessoas três vezes mais rápido do que mentiras das outras categorias alcançam 10.000 pessoas. Já as histórias verdadeiras levam seis vezes mais tempo para alcançar 1.500 pessoas do que as falsas.
Não só notícias falsas sobre política são as que mais se disseminam como também os políticos são eles mesmos agentes da desinformação. Pesquisa do Instituto Reuters que analisou os tipos, fontes e alegações de desinformação envolvendo a covid-19 apontou que 20% das fake news analisadas foram espalhadas por políticos proeminentes e celebridades. No entanto, elas responderam por 69% de todo o engajamento nas redes sociais, o que comprova a capacidade de difusão e a responsabilidade de políticos e indivíduos famosos no compartilhamento de informação.
No Relatório de Notícias Digitais 2020, também do Instituto Reuters, realizado em 40 países, o brasileiro demonstrou a maior preocupação em como identificar o que é real e o que é falso no consumo das informações. Oitenta e quatro porcento dos entrevistados têm esse receio, em comparação com a Holanda onde apenas 32% temem ser enganados. O brasileiro tende a consumir mais informação nas redes sociais do que nacionais de outros países, e essa maior preocupação pode estar ligada a isso. Entre as fontes de desinformação, a mais indicada foram os próprios políticos (40%) seguido por ativistas (14%), jornalistas (13%), cidadãos (13%) e governos estrangeiros (10%)
A investigação do Facebook corrobora essa percepção dos brasileiros e indica que as informações divulgadas pelos políticos, seus funcionários e aliados, frequentemente dissimulados, devem ser objeto de especial atenção das redes sociais, dos checadores e da leitura crítica dos próprios eleitores. Esperamos que a qualidade da informação compartilhada pelos candidatos seja também incorporada como critério de voto nas próximas eleições.
Alana Rizzo e Clara Becker são jornalistas e cofundadoras do Redes Cordiais, projeto de combate à desinformação e aos discursos de ódio em redes sociais
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