A trama do ex-vice-ministro chavista Javier Alvarado para desviar 15 milhões de dólares e comprar imóveis
Ex-funcionário do Governo de Hugo Chávez desviou 15 milhões de dólares da estatal PDVSA e adquiriu imóveis em Madri, Cartagena e Miami
Javier Alvarado, vice-ministro de Energia da Venezuela no Governo de Hugo Chávez (1999-2013), recorreu a uma rebuscada trama societária em paraísos fiscais para adquirir imóveis em Cartagena (Colômbia), Madri e Miami, além de desviar 15 milhões de dólares (81,6 milhões de reais, pelo câmbio atual) para Suíça, Luxemburgo e Dominica, segundo uma investigação do EL PAÍS.
Para fazer esses investimentos, Alvarado ―que até 2010 foi também diretor da estatal Corporação Elétrica Nacional (Corpoelec)― usou os recursos que supostamente saqueou da companhia estatal Petróleos da Venezuela S. A. (PDVSA), segundo a polícia do Principado de Andorra.
O ex-figurão chavista consta desde setembro de 2018 entre os 28 réus de um processo no qual a Justiça de Andorra investiga o suposto saque de dois bilhões de euros (13,2 bilhões de reais, pelo câmbio atual) da estatal petrolífera venezuelana. Alvarado é acusado de lavagem de dinheiro e de ligação com uma rede que cobrou comissões de empresas entre 2007 e 2012, em troca da concessão de contratos da empresa energética.
Alvarado usou a Lairholt Finance Limited, sua empresa em Belize (um paraíso fiscal na América Central), para comprar por 1,1 milhão de dólares (seis milhões de reais) um imóvel residencial na Espanha, em novembro de 2009. Também recorreu a esta companhia para adquirir, em abril de 2011, outro imóvel em Miami através do seu testa de ferro Michael Freeman, por 950.000 dólares (5,2 milhões de reais), segundo documentos internos da instituição financeira Banca Privada d’Andorra (BPA). As transferências revelam também que Alvarado utilizou sua companhia de Belize para comprar um apartamento em Madri por 700.000 dólares (3,8 milhões de reais) através de um banco do Panamá, em setembro de 2011.
A rota do dinheiro nos paraísos fiscais
Os movimentos financeiros desse ex-político que ganhou a confiança do falecido Chávez confirmam sua tendência a movimentar o dinheiro de um paraíso fiscal para outro. Em agosto de 2014, transferiu oito milhões de euros (52,8 milhões de reais) da BPA para uma conta em seu nome no Millenium Bank da Suíça. E outro milhão de euros que ele tinha no principado do Pirineus foi parar em um banco da ilha caribenha de Dominica, então um paraíso fiscal. Além disso, em março de 2015 o ex-vice-ministro investiu seis milhões de dólares (32,6 milhões de reais) em uma sociedade de investimento de capital variável (Sicav) de Luxemburgo. Empresas desse tipo são um instrumento ao qual grandes fortunas recorrem para pagar menos impostos.
Luxo em Miami e Nova York
Alvarado também aproveitou sua estrutura financeira para pagar reformas, dar entrada em imóveis e bancar custosos honorários de decoradores, segundo as faturas.
Assim, através da sua empresa Treviso International Foundation, depositou 1,5 milhão de dólares à companhia panamenha Codfish Investments S. A. em novembro de 2014.
O desembolso serviu para pagar o decorador “Mr. Neto” (150.000 dólares), formalizar o sinal para a compra de propriedades em Miami e Nova York (225.000) e remunerar o advogado Michael Freeman, suposto testa de ferro do ex-dirigente chavista (275.000), além de remodelar um imóvel residencial (250.000).
O mistério de um hotel em Cartagena
Uma das transações mais chamativas leva a um plano para adquirir o hotel Anandá, em Cartagena (litoral atlântico da Colômbia), um edifício de luxo de 23 suítes com paredes brancas que remonta ao Caribe do século XVI.
Em 2014, Alvarado investiu quatro milhões de dólares nesse negócio. O ex-vice-ministro adquiriu 70% das ações do estabelecimento e saldou uma dívida de dois milhões de dólares com um banco da empresa proprietária, segundo os documentos.
Para desembarcar no Anandá, o ex-funcionário adquiriu, através da firma luxemburguesa Sirena International S.A., 70% das ações da companhia Investimentos Calle del Cuartel, dona do hotel, conforme revela a ata da assembleia extraordinária desta última companhia datada de 7 de novembro de 2014.
A representante da Sirena na transação foi Ceciree Casanova, ex-diretora de recursos humanos da empresa Eletricidade de Caracas (EDC), uma empresa pública dirigida por Alvarado até 2010. Após a aquisição, ela se tornou a principal executiva da empresa dona do hotel, segundo a ata.
O EL PAÍS tentou sem sucesso ouvir a versão dos gestores do hotel Anandá.
Por intermédio do seu advogado, Antonio Catalá, Alvarado negou ter investimentos na Colômbia e alegou que a compra de um imóvel para transformá-lo em hotel naquele país emperrou em março de 2015 por causa da intervenção do BPA, onde o ex-funcionário fez cinco depósitos e movimentou contas de quatro empresas que receberam 46,5 milhões de euros do suposto saque da PDVSA, segundo os investigadores do pequeno principal europeu.
Alvarado se negou a fornecer a este jornal um documento que comprove ter desistido de adquirir o hotel Anandá; alega seu direito à proteção de dados.
A tese de que afinal não adquiriu o estabelecimento de Cartagena se choca com um relatório da Unidade de Inteligência Financeira de Andorra (Uifand), segundo o qual Alvarado transferiu em 24 de fevereiro de 2015 mais de quatro milhões de dólares da sua empresa panamenha Treviso Internacional Foundation para a Inversiones Calle del Cuartel, com sede em Barbados, a fim de comprar o hotel.
Alvarado nega assim que seus bilionários investimentos estejam ligados aos desvios na PDVSA, relacionando em vez disso a sua fortuna a “uma atividade profissional na área de energia e meio ambiente”.
Entretanto, o fluxo de recursos que Alvarado movimentou em Andorra foi alimentado por transferências de outros membros da rede que fa, segundo a polícia andorrana. Especificamente, Alvarado recebeu 25 milhões de dólares de outro ex-vice-ministro de Energia da Venezuela, Nervis Villalobos, e 8,8 milhões de Luis Mariano Rodríguez Cabello, gestor de negócios de Diego Salazar, primo de Rafael Ramírez, ex-ministro de Petróleo e ex-presidente da PDVSA.
Um banco que olhou para o outro lado
Os gestores da BPA acolheram a estrutura financeira de Alvarado, segundo documentos internos deste banco, apesar de o ex-funcionário chavista aparecer desde 2005 como suspeito de lavagem de dinheiro no World-Check, uma base de dados que os bancos utilizam para identificar pessoas politicamente expostas (PEP), que é como o jargão financeiro denomina indivíduos que, por terem ocupado um cargo público, precisam se submeter a um controle especial para prevenir a lavagem de capitais.
Junto com seu processo em Andorra, Alvarado aparece como suspeito em diversas ações judiciais. O ex-funcionário está sendo investigado na Espanha e nos EUA. Já foi detido em 2019 em Madri a pedido de um tribunal do Texas, que solicitava sua extradição pelos supostos crimes de lavagem de dinheiro e conspiração para esse fim, num caso de corrupção envolvendo o desvio de mais de 50 milhões de dólares da estatal elétrica venezuelana. A Audiência Nacional (principal instância judicial espanhola) afinal negou sua extradição para os Estados Unidos, por entender que o mesmo caso já estava sendo investigado na Espanha por causa de uma ação movida pela PDVSA.
Além disso, Alvarado figura desde 2017 como investigado na Audiência Nacional pelo suposto pagamento de comissões em uma ação que investiga os contratos da empresa Duro Felguera, das Astúrias (norte da Espanha).
PARAÍSOS FISCAIS PARA FUGIR DE CHÁVEZ
Suíça, Andorra, Dominica, Belize… O milionário fluxo de recursos que Javier Alvarado, ex-vice-ministro de Energia de Hugo Chávez (1999-2013), supostamente saqueou da Petróleos da Venezuela S.A. (PDVSA) viajou até 2015 por uma complexa estrutura de paraísos fiscais e jurisdições blindadas pelo sigilo bancário, segundo a polícia andorrana.
O advogado do ex-funcionário chavista, Antonio Catalá, justifica assim esta prática do seu cliente: “A utilização de paraísos fiscais no Caribe por parte de venezuelanos foi muito comum devido à lei de ilícitos cambais promulgada pelo Governo Chávez em 2006”. O advogado acrescenta que Alvarado “está creditando perante a Audiência Nacional que sua intervenção, longe de ser delitiva, consistiu em denunciar às máximas instâncias do Governo da Venezuela o cometimento de fatos ilícitos por parte de terceiros”.
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