Bilionário condenado por corrupção em Genebra: “A Vale agiu com profundo cinismo, vou desmascará-la”

Beny Steinmetz recorre da sentença que o condenou a cinco anos de prisão por subornos para a compra de mina na República da Guiné, vendida depois para a mineradora brasileira

O magnata israelense Beny Steinmetz, em 22 de janeiro, quando foi condenado em Genebra por corrupção.
O magnata israelense Beny Steinmetz, em 22 de janeiro, quando foi condenado em Genebra por corrupção.Shaun Curry (Europa Press)
Jamil Chade
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Condenado por corrupção no Tribunal de Genebra no último dia 22, o bilionário israelense Benjamin Steinmetz partiu para o ataque. Beny, como é conhecido, fechou um acordo de joint-venture com a mineradora Vale para explorar uma mina da República da Guiné. Por 51% dessa operação, a empresa brasileira pagou 2,5 bilhões de dólares uma década atrás. A nova aliança seria batizada de VBG. Um ano depois, uma auditoria realizada no país africano já sob um novo presidente, Alpha Condé, indicava que a concessão de seu antecessor ―o ditador Lansana Conté― ao bilionário, dono da Beny Steinmetz Group Resources (BSGR), havia ocorrido em troca de um pagamento de subornos.

Nos anos seguintes, o caso passou a ser investigado nos Estados Unidos, na Suíça e em Israel, enquanto a Vale abriu um processo no Tribunal de Arbitragem Internacional, em Londres, contra o ex-parceiro. O Tribunal apontou que o empresário omitiu informações da Vale ao ingressar na sociedade, entre elas o pagamento de propinas. O assunto cresceu, até chegar a Genebra, cujo desfecho não podia ser pior para Beny. Foi condenado na semana passada a cinco anos de prisão pela Corte local, por ter organizado a transferência de pelo menos 8,5 milhões de dólares de 2006 a 2012 para garantir o direito de explorar a mina de ferro. Um “pacto de corrupção” teria sido fechado com o ex-presidente Lansana Conté, e sua quarta esposa, Mamadie Touré.

O executivo insiste que é inocente e que vai recorrer da sentença na Suíça. Avisa também que não desistiu da batalha jurídica contra a Vale. “Vou desmascará-los”, afirmou em entrevista exclusiva ao EL PAÍS. A reportagem conversou com o empresário israelense durante seu julgamento em Genebra e, por e-mail, ele explicou seu posicionamento.

O bilionário acusa a mineradora brasileira de ter ocultado de seus acionistas informações sobre os riscos de exploração de uma das maiores minas de ferro do mundo e de destruir provas. Em 2019, Beny Steinmetz já havia sido condenado a pagar uma indenização de 2 bilhões de dólares à empresa brasileira, depois que um tribunal em Londres considerou que ele omitiu da mineradora o fato de que ele teria pago propinas para obter as concessões de exploração na República da Guiné. Sua empresa, a BSGR, pagou 160 milhões de dólares pela concessão da mina, fora os subornos identificados nas investigações internacionais.

O empresário Beny Steinmetz (ao centro) ao deixar o Tribunal que o condenou, em Genebra, em 22 de janeiro, acompanhado de seus advogados.
O empresário Beny Steinmetz (ao centro) ao deixar o Tribunal que o condenou, em Genebra, em 22 de janeiro, acompanhado de seus advogados. STEFAN WERMUTH (AFP)

Mas, o bilionário não se dá por vencido e faz novas acusações que fazem parte agora de uma notícia crime entregue ao Ministério Público Federal, no Rio de Janeiro, contra a mineradora brasileira. No documento, e-mails internos da Vale anteriores à negociação com a BSGR são usados pelo empresário israelense para justificar seu argumento. Num dos e-mails entre a mineradora e o empresário, de outubro de 2008, um representante da Vale na Guiné, Marco Monteiro, indica que “uma outra empresa chamada BSGR está também muito ofensiva, mas agindo de forma antiética e conversando diretamente com uma das mulheres do presidente na tentava de conseguir algo.” A interpretação da defesa de Beny é de que o e-mail evidenciava que a Vale já estava de olho na possibilidade de ampliar sua presença na África e que a mina na Guiné era uma das opções.

Em outro documento interno da Vale, um informe mostra que a empresa havia mapeado quem eram os principais atores influentes no Governo da Guiné e já havia citado a quarta esposa do ditador. No dia 1 de dezembro de 2008, uma apresentação em powerpoint se referia à influência da esposa do ditador. “(Ela) Colocou o irmão como diretor da BSGR e há suspeitas de ter recebido em torno de 2 milhões de dólares para interferir no processo de outorga dos 50% a ser tirado da Rio Tinto para entregar a BSGR”, diz. Beny Steinmertz teria contratado uma empresa de investigação de Israel para obter depoimentos de ex-executivos da Vale, segundo reportagem do jornal Valor.

Até aquele momento, a mina estava sob o controle da mineradora britânica Rio Tinto, concorrente direta da Vale no mercado mundial. Mas a empresa estrangeira, mesmo detendo a concessão do local desde o final dos anos noventa, não havia iniciado a exploração de alguns dos blocos. A retirada da concessão da Rio Tinto foi alvo de resistência por parte de ministros do Governo da Guiné, que acabaram sendo demitidos para permitir que a operação de transferência ocorresse.

O texto do e-mail interno da Vale ainda conclui: “poderia ser o primeiro passo de um esquema de pagamentos a ser definido no processo de dar à BSGR os direitos.” O mesmo powerpoint ainda cita a empresa de Beny Steinmetz como tendo um “histórico de casos de subornos e corrupção de alto nível no país (Guiné).”

Num outro documento de 6 de abril de 2009, que faz parte da queixa-crime, o empresário insiste que a Vale estava ciente dos riscos. Num trecho que se refere aos “riscos envolvidos” de uma joint-venture com Steinmetz, um deles seria “ter a marca Vale associada a BSGR, apresentada pela mídia como corrupta”. Mas, em seu exercício social de 2014, submetido à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2015, a Vale indicou que fechou o acordo com Steinmetz depois de “uma extensa due diligence realizada por consultores externos”. A empresa também indica que a concessão foi adquirida “de forma legal e sem quaisquer garantias ou pagamentos impróprios”.

Na argumentação de sua defesa, Beny envolve até mesmo George Soros. Segundo ele, teria sido uma intervenção do magnata na Guiné que fez implodir seus negócios na África, exigindo uma suposta extorsão para permitir que a parceria com a Vale fosse mantida. Nos tribunais em Genebra, os juízes consideram a alegação “fantasiosa”. Soros e suas fundações, na verdade, trabalharam no fortalecimento institucional da Guiné após a morte de Conté, em dezembro de 2008, cujo Governo ficou marcado pela corrupção.

Procurada pela reportagem, a Vale diz, em nota, que “após analisar em profundidade centenas de documentos apresentados pela Vale e pela BSGR, a Corte de Arbitragem Internacional de Londres reconheceu expressamente que a Vale empreendeu uma minuciosa e completa due diligence anticorrupção em face da BSGR e que confiou nas declarações pessoais de representantes desta empresa, dentre os quais Benjamin Steinmetz, de que os direitos minerários de Simandou teriam sido adquiridos legalmente, declarações essas posteriormente reconhecidas como falsas e enganosas.”

“Não por outra razão tanto a BSGR foi condenada pela corte arbitral a indenizar a Vale em US$ 2 bilhões, enquanto Benjamin Steinmetz foi condenado a 5 anos de prisão na última sexta-feira na Suíça por práticas de crimes de corrupção e falsificação relacionados a esses mesmos fatos”, afirmou a empresa, em nota. “A Vale confia que as autoridades brasileiras também não serão enganadas pelas contínuas tentativas de Steinmetz de inverter responsabilidades e desviar a atenção de seus atos corruptos. Inverter o papel da vítima e negar as evidências é a tática usual desses elementos para tentar fugir da Justiça quando seus malfeitos são descobertos, como é o caso em questão”, completa.

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Eis os principais trechos da entrevista com Beny Steinmetz:

Pergunta. Depois de o sr. receber a concessão da mina Simandou, como foram realizadas as negociações com a Vale?

Resposta. Em dezembro de 2008, a BSGR recebeu do Governo da República da Guiné a concessão de direitos de mineração para a extração de minério de ferro nas montanhas de Simandou. Em fevereiro de 2010, a Vale começou a procurar a BSGR, ainda que, durante a arbitragem, tenhamos descoberto que a Vale estava monitorando a BSGR desde 2006. No final de fevereiro de 2010, as negociações entre a BSGR e a Vale deram um passo à frente quando assinaram um acordo preliminar e a Vale iniciou um processo de due diligence que, nos termos do acordo, não deveria durar mais do que algumas semanas. Em 30 de abril de 2010, a Vale e a BSGR assinaram um acordo de joint venture, pelo qual a Vale adquiriu 51% dos ativos da BSGR Guernsey, acionista controladora da BSGR Guiné, que era a empresa local detentora da concessão sobre [a mina] Zogota e dos direitos de exploração dos blocos 1 e 2 de Simandou. O Conselho da BSGR queria vender as ações minoritárias de até 49%, enquanto a Vale expressou desejo de comprar 100% das ações. No final, depois de uma longa e dura negociação, as partes concordaram que a Vale ficaria com 51%.

P. Como surgiu o valor estipulado para o acordo de joint-venture? Ao final, a Vale pagou 2,5 bilhões de dólares para ficar com 51% das ações, o que significa que a operação está avaliada em 5 bilhões.

R. Os 5 bilhões de dólares referem-se ao valor do patrimônio líquido. Além deste valor, a Vale concordou em colocar 11 bilhões de dólares em empréstimo. Portanto, o valor do empreendimento era de 16 bilhões.

P. O sr. sabia que a mina tinha esta dimensão, quando pagou 160 milhões de dólares?

R. A BSGR nunca pagou nenhuma quantia para obter os direitos de mineração sobre Simandou. Na verdade, a BSGR investiu 160 milhões no decorrer de três anos, incluindo uma campanha maciça de perfuração, estudos ambientais e sociais, estudos logísticos rodoviários, ferroviários e portuários de alto mar, a fim de identificar e definir a viabilidade econômica e técnica dos projetos da BSGR em Simandou.

P. Quando o sr. descobriu que a mina teria esse valor?

R. A conclusão do estudo de viabilidade levou três anos após a emissão das licenças de exploração. Ele representou a primeira realização do gênero na história da Guiné. O tempo decorrido desde a descoberta de áreas até a conclusão do acordo de viabilidade com o mais alto padrão é provavelmente também um recorde mundial.

P. Sobre os riscos dos investimentos, quais foram eles?

R. Um país [a República de Guiné] complicado, logística complicada e obviamente a situação que estamos vendo hoje com tantas agendas conflituosas envolvendo poderosas empresas de mineração como a Vale e a Rio Tinto.

P. O sr. explicou esses riscos à Vale?

R. A Vale é uma das maiores empresas de mineração do planeta. Ela tem acesso a uma multidão de investigadores, auditores e advogados. A Vale faz negócios em todo o mundo. Eles não são crianças pequenas no jardim de infância. Provavelmente eles sabiam mais sobre os riscos do que a BSGR. Eles estavam preparados para assumir todos os riscos.

P. Durante o julgamento em Genebra, o senhor disse que a Vale mentiu no processo arbitral em Londres. Mentiu sobre o quê?

R. A Vale mentiu na arbitragem e aos árbitros. A Vale agiu com profundo cinismo; mentiu, escondeu e destruiu provas que mostram que os executivos e membros da diretoria da Vale consideraram o negócio arriscado do ponto de vista da Foreign Corrupt Practices Act [a lei americana que impede que indivíduo e empresas subornem funcionários públicos estrangeiros], que considerou - embora incorretamente - que os direitos mineiros sobre Simandou haviam sido obtidos através da corrupção. Os executivos da Vale agiram para ocultar as conclusões a este respeito de documentos corporativos, tais como atas de reuniões do Conselho de Administração. A Vale fez um acordo que considerou manchado pela corrupção e depois se tornou uma santa diante dos árbitros em Londres para me ordenar a pagar 2 bilhões de dólares, com o argumento de que eu havia escondido a verdade sobre como a BSGR obteve os direitos de exploração. Vou desmascará-los e também serei indenizado por todos os danos.

P. O sr. mencionou no tribunal que novas informações viriam em breve. O que elas vão mostrar?

R. Vídeos, documentos escritos e outros meios de prova que mostram que a Vale é uma empresa que admite e não vê nenhum problema em fazer negócios contaminados pela corrupção, embora, neste caso específico, eu possa afirmar que não houve. A Vale demitiu seu CEO envolvido no desastre da barragem de Brumadinho e trouxe de volta Eduardo Bartholomeo, que desempenhou um papel fundamental nas negociações da Vale com George Soros e Alpha Condé para a manutenção de Simandou. Fui eu que aconselhei fortemente [os demais membros do conselho da] BSGR contra a tentativa de extorsão de George Soros, recusando assim um pedido de pagamento ilegal e injustificado da Fundação Open Society, que não tinha mandato para agir em nome da Guiné. Como é bem conhecido hoje, a Rio Tinto, por outro lado, aceitou pagar 700 milhões de dólares através da interferência de Soros mas atualmente está sendo investigada por corrupção no Reino Unido, pela polícia australiana e pelo Departamento de Justiça nos EUA.

P. Sergio Moro, que produziu um memorando para o sr. sobre a questão da Vale, afirma em seu parecer que a empresa não tem o direito de solicitar o dinheiro. Como o sr. usará essa informação?

R. Demonstrarei que a Vale obteve a sentença arbitral contra a BSGR ao enganar deliberadamente o tribunal arbitral, distorcendo fatos, e omitindo ou manipulando informações e documentos relevantes. A verdade será restaurada e acredito que tanto eu quanto a BSGR receberemos uma compensação substancial por todos os danos que a Vale me causou tanto no ataque pessoal em Londres quanto à BSGR.

P. Mas o tribunal de Londres alegou que o sr. omitiu informações da Vale. Como você contraria esta conclusão e quais são os próximos passos?

R. É exatamente o oposto. A Vale mentiu para os árbitros. Na verdade, a Vale mentiu não só aos árbitros, e ao tribunal superior, mas também a todos os seus acionistas, porque se engajou, com flagrante hipocrisia, em um acordo que acreditava ser resultado de corrupção. E, em uma ilusão gananciosa, a Vale escondeu todas as evidências de tal entendimento. Elas foram desmascaradas. Há vídeos onde os executivos da Vale admitem isso. Há documentos nos quais os executivos da Vale dizem à empresa de auditoria e ao escritório de advocacia para esconder suas conclusões, para que a Vale pudesse enganar seus acionistas e continuar com o negócio. É inaceitável que a Vale o tenha feito e, ao mesmo tempo, diz que foi uma virgem deflagrada pela BSGR. Nem a BSGR nem eu, nunca escondemos nenhuma informação da Vale. Pelo contrário, eles tiveram acesso a todas as informações e tiveram nossa total cooperação para conduzir sua diligência.

P. O tribunal em Londres também mostra declarações da Mamadie Touré sobre o pagamento de subornos. Por que ela mentiria?

R. Provavelmente porque ela queria dinheiro da BSGR que ela não recebeu. Em segundo lugar, ela é uma testemunha paga e corrupta, como foi demonstrado no tribunal, que recebeu dinheiro para mentir contra mim na Guiné, nos EUA e na Suíça. Entretanto, ela não teve a coragem de mentir pessoalmente perante o tribunal suíço e simplesmente não compareceu à audiência.

P. Por que o presidente Alpha Condé abriu uma investigação sobre a concessão que o sr. recebeu?

R. Porque Condé foi enganado por George Soros, que queria forçar um pagamento de 500 milhões de dólares da VBG [joint-venture da Vale e da empresa de Steinmetz]. A Vale queria pagar, mas eu aconselhei a BSGR a não fazê-lo e a impedi. Abriu-se o inferno e todos os problemas começaram após a recusa em pagar aqueles 500 milhões de dólares, conforme o pedido de interferência da Soros. Extorsão flagrante. Você paga, você fica. Você não paga e nós destruímos seu negócio e o fazemos perder seu negócio. E foi exatamente isso que aconteceu. Ele pagou e dirigiu investigações contra a BSGR e contra mim, mas não contra a Vale. E promoveu e manipulou nas campanhas de expropriação e na abertura de investigações criminais.

P. Mais de dez anos depois, a mina ainda está intocada e as pessoas estão na miséria. O que este caso mostra sobre como fazer negócios no setor de mineração e no Governo africano?

R. Sinto pelo povo da Guiné, que são as verdadeiras vítimas das organizações corruptas e dos indivíduos que manipularam o Governo. Foi uma oportunidade fracassada de trazer a experiência e as capacidades da Vale para desenvolver um ativo de nível mundial. Mas, ao invés disso, por causa de alegações costuradas de suborno em pequena escala feitas por pessoas sem qualquer credibilidade, tudo foi parado. Eu também me lembro de vários telefonemas de Roger Agnelli [ex-presidente da Vale, faleceu em 2016] para mim na época, tentando persuadir e até mesmo pressionar a BSGR a concordar com a proposta de Soros e concordar em fazer com que a VBG pagasse os 500 milhões de dólares através de Open Society Foundation, argumentando que é a única maneira de resolver a situação de conflito e evitar problemas na Guiné. Agnelli até disse: “não se preocupe com o dinheiro, a Vale colocará os 500 milhões em nome de toda a participação de 49% da BSGR e o considerará como um empréstimo a ser pago somente com lucros futuros”. Portanto, sem desvantagens para a BSGR. Repito, a BSGR disse que não havia nenhuma razão legítima para pagar e que a empresa não seria intimidada pela Soros ou por alguém a fazer algo errado.

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