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A vida de ostentação da trama chavista: 39 milhões de reais em luxo

Contas em Andorra de ex-ministros e empresários venezuelanos revelam gastos extravagantes Relógios, vinhos e hotéis surgem em investigação sobre recebimento de comissoes

Partidários do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e trabalhadores de PDVSA em maio de 2011.
Partidários do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e trabalhadores de PDVSA em maio de 2011.LEO RAMIREZ/ AFP/ Getty Images
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O empresário venezuelano Diego Salazar tinha uma fraqueza: o vinho Pomerol Petrus de 1990. Seu preço: 5.560 euros (21.850 reais) a garrafa. Em dezembro de 2012 obteve 694 garrafas dele e outros sumos seletos, Dom Perignon incluído. A fatura da Lavinia, no bulevar Madelaine de Paris, somou 493.573 euros (1,94 milhão de reais).

O dispêndio é um exemplo da vida de ostentação levada durante uma década por Salazar, seu primo Luis Mariano Rodríguez e o ex-vice-ministro de Energia e Petróleo da Venezuela Nervis Villalobos. Os três fizeram parte da suposta rede de dirigentes e empresários próximos ao Governo do ex-presidente Hugo Chávez que ocultou 2 bilhões de euros (7,8 bilhões de reais) em Andorra. E juntos desembolsaram cerca de 10 milhões de euros (39 milhões de reais) em bens de luxo. Sua minuta incluiu generosos convites a terceiros, segundo as faturas às quais EL PAÍS teve acesso.

Facturas de Panamá Diego Salazar
Fatura de dois milhões de dólares da compra de 93 relógios de uma das empresas panamenhas de Diego Salazar.EL PAÍS

Em sua espiral de gastos, Salazar e Ramírez destinaram três milhões de euros a joalheria; dois milhões a obras de arte; um milhão a vinhos e 516.012 euros ao aluguel de helicópteros. Suas faturas incluíram também roupas sob medida (953.000 euros) e uma seção que pode ser chamada de caviar, presunto e outras iguarias (125.000 euros).

Os pagamentos foram canalizados por meio de um emaranhado de 37 contas correntes que a suposta trama manejou entre 2007 e 2012 na Banca Privada d’Andorra (BPA). A maioria desses depósitos tinha por trás empresas criadas no Panamá. A juíza de Andorra Canòlic Mingorance rastreia se a rede usou sua vertente mercantil para receber comissões ilegais de empresas estrangeiras que depois conseguiram contratos da companhia estatal Petróleos da Venezuela SA (PDVSA).

Fatura de 493.573 euros da loja de vinhos Lavinia de 694 garrafas pagas por uma das empresas de Diego Salazar, primo do ex-ministro de Energia de Venezuela Rafael Ramírez.
Fatura de 493.573 euros da loja de vinhos Lavinia de 694 garrafas pagas por uma das empresas de Diego Salazar, primo do ex-ministro de Energia de Venezuela Rafael Ramírez.EL PAÍS

O capítulo da joalheria — o mais ostentoso, com 3,4 milhões de euros — abrange a compra em 2011, por 1,7 milhão de euros, de 109 relógios de luxo, entre os quais figura uma centena de Rolex e Cartier. A aquisição foi conduzida por meio de uma empresa panamenha controlada por Salazar, que é primo de Rafael Ramírez, ex-presidente da PDVSA e até duas semanas atrás embaixador da Venezuela na Organização das Nações Unidas (ONU). O familiar do ex-ministro também gastou um milhão de euros em uma joalheria de Caracas em relógios e correntes de ouro e brilhantes.

As autoridades venezuelanas detiveram Salazar na semana passada na capital desse país por sua suposta participação na trama e o Ministério Público anunciou que abriu uma investigação contra Ramírez, um homem-forte de Chávez.

Outra empresa panamenha, a Josland Investments, pagou em 2011 uma fatura de 90.500 euros em relógios que incluíam dois Rolex de ouro amarelo. Por trás dessa aquisição aparece o nome de Nervis Villalobos, vice-ministro de energia da Venezuela entre 2004 e 2006, que foi preso em Madri em outubro por uma causa diferente da que é investigada em Andorra. Os dois advogados de Villalobos não quiseram responder às perguntas deste jornal.

Fatura de 40 potes de caviar beluga pelo valor de 60.999 euros paga pelo suposto membro da trama venezuelana Luis Mariano Rodríguez.
Fatura de 40 potes de caviar beluga pelo valor de 60.999 euros paga pelo suposto membro da trama venezuelana Luis Mariano Rodríguez.

A gastronomia gourmet era uma constante. Uma fatura de outubro de 2012 mostra que Salazar pagou 42.398 euros para adquirir 9,3 quilos de presunto ibérico Joselito e 40 terrinas de caviar beluga, entre outras iguarias. Seu primo Rodríguez desembolsou em uma loja de Paris outros 61.000 euros por 40 recipientes dessas ovas e outras 40 unidades da variedade ossetra.

Desfalque

A parte dos hotéis confirma que Salazar adorava o luxo. O empresário arcou com a conta do Ritz de Paris dos cidadãos Javier R. e Irma T. Para sua hospedagem nesse estabelecimento de aposentos palacianos, o primo do ex-ministro Ramírez desembolsou 575.000 euros por uma dezena de reservas durante dez anos. As faturas contemplam despesas de 34.216 euros pelo aluguel de limusines e de 6.223 por um dia de bebidas no bar do Ritz, o Hemingway.

O Four Seasons de Paris, um hotel com tapetes do século XVIII, foi outro dos estabelecimentos escolhidos por Salazar para acolher seus conhecidos. O primo do ex-ministro chavista pagou uma fatura de 150.000 euros por várias estadias em 2011 de dois cidadãos venezuelanos.

Fatura de 340.000 dólares por oito relógios de luxo pagos pelo ex-ministro de Venezuela Nervis Villalobos.
Fatura de 340.000 dólares por oito relógios de luxo pagos pelo ex-ministro de Venezuela Nervis Villalobos.EL PAÍS

O nome de Salazar também aparece vinculado ao pagamento de uma fatura de 412.302 euros de uma empresa de voos corporativos, que incluem deslocamentos a Santo Domingo (República Dominicana). Seu primo Luis Mariano Rodríguez autorizou em 2010 a BPA a efetuar uma transferência de 470.00 euros para custear roupas adquiridas na França.

E foi precisamente a BPA a entidade que usou a suposta trama chavista para lavar seu botim e pagar suas luxuosas compras. As autoridades de Andorra, onde até o ano passado vigorava o sigilo bancário, intervieram em março de 2015 nesse banco. Os Estados Unidos denunciaram que a instituição financeira foi usada por bandos de criminosos para lavagem de dinheiro. Seus ex-proprietários negam.

O Ministério Público da Venezuela eleva a mais de 3,5 bilhões de dólares o suposto desfalque na PDVSA e anunciou recentemente que em uma revista da casa de Salazar em Caracas foram encontrados documentos que implicam Rafael Ramírez, o homem de confiança de Chávez que dirigiu durante 12 anos a petroleira estatal.

O equivalente a 8 milhões de reais em arte venezuelana

O empresário Diego Salazar possui uma pinacoteca de arte venezuelana de valor equivalente a 7,9 milhões de reais, segundo uma avaliação de 2008 feita por uma galeria de Caracas à qual EL PAÍS teve acesso.

A joia de seu patrimônio é o óleo sobre tela de 1982 Los Morochos de Aguerrevere Herrera, de Arturo Michelena. A peça tem preço de mercado de cerca de 2,5 milhões de reais.

Sua coleção inclui as pinturas Muelle sobre Grúa, de Armando Reverón (cerca de 1,7 milhão de reais) e o óleo El 19 de abril, assinado por Michelena e avaliado em cerca de 1,4 milhão de reais.

Salazar tinha predileção pelo pintor Mateu Manaure. Possui pelo menos oito obras deste artista modernista, avaliadas em 534.000 reais.

A avaliação figura entre as investigações de uma juíza de Andorra sobre a suposta trama de lavagem vinculada ao desfalque na PDVSA.

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