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Os elos entre Maduro e a Odebrecht que aceleraram a fuga da Venezuela da procuradora rebelde

Horas antes de escapar por barco via Aruba e chegar à Colômbia, Luisa Ortega denunciou a corrupção entre o círculo de Maduro e a construtora brasileira

Luisa Ortega, em um ato público recente na Venezuela.
Luisa Ortega, em um ato público recente na Venezuela.FEDERICO PARRA (AFP)
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Os meses mais recentes da vida de Luisa Ortega foram como um filme, e cinematográfica foi também a fuga da Venezuela da procuradora rebelde, declarada inimiga pública número 1 do regime de Nicolás Maduro.

Na manhã de sexta-feira, na mesma hora em que na cidade mexicana de Puebla se iniciava uma reunião de promotores de todo o continente na qual estava prevista a participação de Ortega, ela cruzava em alta velocidade o mar do Caribe para vencer os quase 30 quilômetros entre a península venezuelana de Paraguaná e a ilha de Aruba, três horas com o mar em boas condições.

Quando chegou a hora de sua intervenção, a promotoria mexicana reproduziu um áudio, gravado em lugar não revelado, em que Ortega denunciava os elos de corrupção entre o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e seu círculo, e a construtora brasileira Odebrecht.

Quando o áudio foi mostrado, Ortega, procuradora geral da Venezuela até algumas semanas atrás, já estava a salvo em Aruba, onde se preparava para embarcar num voo que a deixou no aeroporto El Dorado, em Bogotá, às 15h30 (horário local), segundo as autoridades migratórias.

A procuradora, que desafiou o regime ao se opor à Assembleia Constituinte de Maduro, aterrissou na Colômbia acompanhada por seu marido, o deputado da situação Germán Ferrer, e por outras pessoas que trabalhavam com ela: Gioconda del Carmen González e o promotor anticorrupção Arturo Vilar.

Ortega: “Estão muito angustiados porque sabem que temos os detalhes de todas as operações e quantias”

A situação de Ortega e de seu marido na Venezuela se tornou insustentável quando ela foi destituída de seu cargo por se opor à Constituinte. Além de invadir seus escritórios e sua casa, a nova Assembleia também cancelou a imunidade parlamentar de seu marido e pôs em marcha uma máquina de repressão ao pedir que ele fosse processado por, supostamente, fazer parte de uma rede de extorsão que exigia dinheiro de criminosos para evitar que prosperassem acusações contra eles.

Com a chegada à Colômbia de ambos ficam no ar duas perguntas. Fugiram, ou o regime abriu o caminho para ela e seu marido? Quem organizou o voo fretado, em avião pilotado por dois homens de nacionalidade colombiana, para que chegasse a Bogotá? Teoricamente, Ortega estava sob vigilância desde que o Governo de Nicolás Maduro a proibira de deixar a Venezuela.

Na hora da difusão de seu programa de televisão da tarde, já se sabia da fuga de Ortega. Mas Maduro, que até atacou o maestro Gustavo Dudamel por criticá-lo, não fez menção a ela.

Fora a cinematográfica escapada, o áudio de cinco minutos enviado por Ortega a seus colegas de todo o continente incluía uma grave denúncia, feita pela mulher que foi a mais poderosa no Ministério Público da Venezuela.

Segundo Ortega revelou a seus colegas na gravação, a razão de fundo para a “perseguição sistemática” do Governo Maduro a ela e a sua equipe de confiança estaria nos subornos da Odebrecht a funcionários do Governo venezuelano.

RONALDO SCHEMIDT (AFP)

"E isso os deixa muito preocupados e angustiados porque sabem que temos os dados e os detalhes de todas as operações e quantias”, afirmou na gravação divulgada durante a Cúpula de Promotores da América Latina.

“Temos os detalhes de toda a cooperação, quantias e personagens que enriqueceram, e essa investigação envolve o senhor Nicolás Maduro e seu círculo”, destacou a mulher mais perseguida pelo chavismo.

A presença da Odebrecht na Venezuela não é tema de pouca importância. Durante a era de Hugo Chávez a Odebrecht se tornou a construtora favorita do regime. Nos últimos 20 anos ganhou contratos importantes, coincidindo com o idílio político entre o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o comandante bolivariano.

Segundo as investigações em marcha no Brasil, a Venezuela é o segundo país em que a empresa distribuiu mais dinheiro em propinas, cerca de 98 milhões de dólares (310 milhões de reais), entre 2006 e 2015, a “funcionários e intermediários do Governo” para “conseguir e manter contratos de obras públicas”.

Atualmente a empresa de Marcelo Odebrecht toca 11 importantes projetos em território venezuelano, entre os quais a linha 5 do metrô de Caracas, a modernização do Aeroporto de Maiquetía, em Caracas, a construção de uma usina hidrelétrica, o teleférico La Dolorita e uma ponte sobre o lago Maracaibo, todos eles com a obra pela metade.

As investigações em curso no Brasil, com efeitos em países como o Brasil e o Peru, onde foram presos os ex-presidentes Ollanta Humala e Alejandro Toledo, e no México -onde o ex-diretor da petroleira Pemex Emilio Lozoya teve que comparecer diante da Procuradoria - encontraram um muro de silêncio e obstrução do chavismo, que, longe de colaborar, persegue os procuradores que investigam a participação nas propinas.

Segundo o áudio dirigido por Ortega, 64 procuradores venezuelanos especializados em corrupção estão proibidos de deixar o país devido ao caso Odebrecht. Como consequência, a ex-procuradora alertou seus colegas que “qualquer informação que enviarem ao Ministério Público (da Venezuela) servirá para exatamente o contrário (...) atentar contra a fonte”, ressaltou na gravação.

A ex-procuradora foi destituída em 5 de agosto de seu posto pela Nova Assembleia Nacional Constituinte, depois de ter sido aprovado pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) o mérito. O parlamentar Pedro Carreño pediu que houvesse investigação de Ortega Díaz por “atentar, ferir e ameaçar a ética pública e a moral administrativa”, segundo declarou.

O atual procurador geral da Venezuela, Tarek William Saab, um dos homens mais próximos a Maduro, pôs Ortega na mira ao acusá-la de ser a “autora intelectual” das mortes e ferimentos das últimas semanas. “Poderão inventar crimes, mas me defenderei até o último alento da democracia”, disse a seus colegas latino-americanos ao explicar as razões por trás da perseguição.

A chegada de Ortega à Colômbia coincide com um papel cada vez mais ativo dos países de América Latina contra a guinada totalitária de Maduro. Nos últimos meses o governo colombiano de Juan Manuel Santos passou de um dos principais esteios de Maduro por sua contribuição para o processo de paz com os guerrilheiros das Farc a exigir o retorno da democracia. “Maduro talvez pensasse que, por nos ter ajudado no processo de paz, taparíamos os olhos” escreveu recentemente em artigo publicado no EL PAÍS intitulado Lloramos por ti, Venezuela (Choramos por você, Venezuela).

Paralelamente, o México, país que lidera a oposição diplomática aos planos de Maduro de dissolver a Assembleia oposicionista, age em Cuba, principal aliada de Maduro.

O ministro das relações exteriores do México, Luis Videgaray, viajou na sexta-feira a Havana, onde se reuniu com seu par Bruno Rodríguez para pressionar o regime da ilha a mudar de atitude em relação a seu parceiro bolivariano.

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