_
_
_
_
_

Chavismo consuma instalação de sua Constituinte

Ex-chanceler Delcy Rodríguez foi escolhida para presidir o órgão legislativo convocado por Maduro

Os membros da Assembleia Constituinte posam em frente ao Parlamento.
Os membros da Assembleia Constituinte posam em frente ao Parlamento.AP

Com a transferência de dois enormes retratos —um com a imagem oficial do Libertador Simón Bolívar e outro com a do “comandante eterno”, Hugo Chávez—, o chavismo quis simbolizar a ânsia de restauração e revanche que inspira a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, convocada pelo presidente Nicolás Maduro e instalada na tarde desta sexta-feira em Caracas.

Mais informações
Maduro manobra
Oposicionista Antonio Ledezma é devolvido à prisão domiciliar na Venezuela
Presidência brasileira do Mercosul defende a suspensão definitiva da Venezuela
Forças de segurança chavistas começam a tomar o controle do Parlamento

“Voltou, voltou”, cantavam em coro os mais de 500 deputados chavistas enquanto cruzavam a entrada principal do Palácio Federal Legislativo. Tinham caminhado desde a vizinha Praça Bolívar, levando consigo as duas imagens, com a devoção dedicada a relíquias religiosas. Ambas dominavam as plenárias da Assembleia Nacional, que a Revolução controlou de modo absoluto por uma década, mas foram removidas de lá quando, em janeiro de 2016, começou uma nova legislatura, de maioria oposicionista.

Sem encontrar resistência, os membros da Constituinte, leais ao Governo, trouxeram os quadros ao Salão Elíptico da sede cerimonial do Parlamento, em pleno centro histórico da capital venezuelana. Já tinham tirado desse espaço os deputados da Assembleia Nacional, ausentes. Além disso, chegam com a missão explícita de dissolver esse Poder, despojar seus adversários de seu foro de imunidade e pôr alguns deles na prisão. Para cumpri-la, alguns dos membros da Constituinte mal contam com 1.000 votos para seu mandato, como foi revelado em reunião realizada com representantes do chamado setor empresarial.

A ex-chanceler Delcy Rodríguez foi escolhida para presidir a Constituinte, sendo acompanhada na liderança pelos ex-presidentes da República nas gestões de Hugo Chávez, Aristóbulo Istúriz e Isaías Rodríguez. A ex-ministra das Relaciones Exteriores, irmão do influente prefeito do Município Libertador de Caracas, Jorge Rodríguez, aliado próximo do presidente Maduro, surgiu como fórmula de consenso para um cargo ao qual aspiravam a esposa de Maduro, Cilia Flores, e o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello.

Delcy Rodríguez prestou juramento diante de seus colegas. Na cerimônia nem todos os 545 assentos do corpo deliberativo estavam ocupados, No dia anterior, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e os governistas combinaram repetir as eleições em dois municípios dos Andes, o que afeta sete cadeiras.

“Vocês juram nos defender das agressões imperialistas, da direita traidora?”, Rodríguez perguntou, retoricamente, aos deputados. Um pouco mais tarde, em seu discurso inicial, a presidenta da Constituinte pediu a seus colegas que agradecessem ao convocador “Nicolás Maduro, que hoje se fez gigante”. Maduro não compareceu ao evento, em gesto para encenar a soberania e independência da nova Assembleia frente aos Poderes constituídos.

“Vimos aqui hoje não para destruir nossa Constituição, e sim para eliminar todos os obstáculos que nos têm impedido de materializar alguns de seus avanços”, afirmou Rodríguez. Com isso não somente ratifica o propósito de destruir a resistência que move esse processo, mas também, acima de tudo, responde às críticas de setores dissidentes do chavismo que se distanciaram publicamente da Constituinte, declarando que se pretende aniquilar a Constituição “original” de Chávez —a vigente, que data de 1999— para perpetuar no poder Maduro e os seus.

Rodríguez alertou também a oposição que “esta Constituinte chegou para fazer justiça”, destacando que seus líderes sofrerão as consequências “caso não se decidam a fazer ação política”. Disse que a partir deste sábado começarão a tomar medidas: “Não se surpreendam, porque já chegou o Poder Constituinte”. A primeira sessão regular estava programada para começar às 10 da manhã [hora local, 11h em Brasília] deste sábado, 5 de agosto.

De madrugada, agentes da Guarda Nacional forçaram a entrada no Salão Elíptico, para ocupá-lo antecipadamente e evitar que os deputados oposicionistas da Assembleia Nacional (AN) impedissem a cerimônia. O lugar, protocolar, abriga a ata original da Independência, assinada em 1811. Mas a incursão foi desnecessária. O diretor de Protocolo da AN havia dito um dia antes que colaboraria com a instalação da Constituinte, e os parlamentares afiliados à aliança oposicionista, Mesa de Unidade Democrática (MUD), preferiram se integrar à marcha de protesto convocada cedo com a intenção de chegar à sede da Assembleia Nacional, partindo de vários pontos do Leste de Caracas.

No momento em que este texto foi redigido, a marcha começava. As forças de segurança da Venezuela começaram a dispersar com gás lacrimogêneo os manifestantes que se dirigiam ao Palácio Federal Legislativo em Caracas.

Com a instalação da Constituinte, o chavismo desconsiderou a resistência de boa parte da comunidade internacional e um pedido de última hora vindo do Vaticano, no qual se solicitava suspender a entrada em vigor de um mecanismo que complicará ainda mais a crise política da Venezuela.

O Supremo oposicionista escolhe o exílio

A Embaixada do Chile na Venezuela informou nesta sexta-feira que recebeu em sua sede, em Caracas, um sexto magistrado, integrante do Tribunal Supremo de Justiça “paralelo”, que a Assembleia Nacional, de maioria oposicionista, criou há duas semanas. Trata-se do advogado Luis Marcano Salazar, que, como outros cinco colegas, refugiou-se na legação diplomática chilena, em busca de asilo político.

O chanceler Heraldo Muñoz confirmou, de Santiago do Chile, a informação. “O Governo do Chile agirá nesta matéria conforme os princípios jurídicos e humanitários que inspiram sua política exterior”, limitou-se a dizer o ministro.

Ao mesmo tempo, o Governo do Panamá anunciou que havia concedido asilo político aos magistrados Gustavo Sosa Aguirre e Manuel Espinoza Melet. Em comunicado, a chancelaria panamenha reconheceu que ambos os juristas pediram proteção ao entrar “há vários dias” na residência e missão diplomática desse país em Caracas.

O Parlamento, de maioria oposicionista, nomeou em 21 de julho 33 magistrados em substituição aos juízes designados –de forma legal, segundo o novo Legislativo- pela Assembleia Nacional Chavista em dezembro de 2015.

A nomeação não foi reconhecida pelo Governo de Nicolás Maduro nem pelo Supremo oficial, leal à situação, que prometeu punir os recém-nomeados.

Um juiz, Ángel Zerpa Aponte, já está na prisão. Além dos outros seis refugiados na embaixada do Chile, o juiz da Corte Penal Alejandro Rebolledo foi para o exílio nos Estados Unidos.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_