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Isolamento global da Venezuela aumenta depois da Constituinte

Potências da América Latina resistem à medida de Maduro, que os Estados Unidos incluíram na lista dos sancionados

Javier Lafuente
Maduro e sua mulher, Cilia Flores, após as eleições.
Maduro e sua mulher, Cilia Flores, após as eleições.Nathalie Sayago (EFE)

A pressão internacional sobre a Venezuela é uma montanha-russa. Constantes subidas e descidas, reviravoltas e uma permanente sensação de que tudo é possível antes de voltar ao mesmo ponto, embora com outra sacudida no meio. Agora, depois das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, se encaminha para um novo pico. O híbrido de países que se esconde por trás da comunidade internacional, que vai da maior potência mundial à União Europeia, passando pelos mais poderosos da América Latina, intensificou o isolamento da Venezuela e estuda as consequências da aplicação de sanções que vão além dos comunicados condenando o chavismo. Os Estados Unidos incluíram Maduro na lista dos sancionados pelo Departamento do Tesouro. Enquanto o tempo passa, a única coisa que não tem freio é o número de mortos e a insustentável crise humanitária que existe no país.

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As críticas às eleições de domingo não demoraram. Muitos países já haviam condenado a realização das eleições. Alguns até anunciaram com antecedência que não reconheceriam os resultados. Outros o fizeram depois. Até o meio-dia de segunda-feira pelo menos 27 países tinham se manifestado a respeito da jornada eleitoral em que o chavismo anunciou uma vitória retumbante, com mais de oito milhões de votos. Tão exagerada que os ataques não se limitaram à mera consumação da Constituinte, mas colocaram em questão o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e a possibilidade de que Maduro tenha alcançado uma vitória semelhante à de Hugo Chávez em 2012.

Desses 27 países, 19 –entre eles 11 dos 16 principais parceiros comerciais– condenaram os resultados, afirmando que não os reconheceriam ou pediram para reconsiderar a Assembleia Constituinte. Apenas cinco –Bolívia, Nicarágua, Cuba, Equador e El Salvador– a aprovaram. A República Dominicana foi, mais uma vez, ambígua e o Uruguai insistiu na necessidade de iniciar um diálogo sem condenar a eleição.

O Governo de Michel Temer no Brasil, debilitado em seu papel diplomático devido a sua própria crise interna, manteve sua linha dura contra Maduro, ainda que não tenha dito textualmente que não reconheceria os resultados. Em um comunicado divulgado na noite de domingo, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a jornada eleitoral "confirma a ruptura da ordem constitucional na Venezuela". "Diante da gravidade do momento histórico por que passa a Venezuela, o Brasil insta as autoridades venezuelanas a suspenderem a instalação da assembleia constituinte e a abrirem um canal efetivo de entendimento e diálogo com a sociedade venezuelana", segue o texto.

Entre os principais aliados da Venezuela fora da América Latina –China e Rússia–, apenas o Governo de Putin se manifestou na manhã de segunda-feira sobre o que tinha acontecido no dia anterior, com uma mensagem dirigida aos outros países: "Esperamos que, na situação na Venezuela, atores externos não intervenham".

As principais potências da América Latina deixaram claro nos últimos meses que não querem permitir a consolidação de um regime autoritário na região na segunda década do século XXI. Durante meses, México, Colômbia e Argentina, entre outros, encabeçaram a liderança da região em diferentes cenários. As dúvidas agora pairam sobre as implicações que podem ter sanções maiores do que as meras condenações e sobre o que incidirão. "Até agora os esforços diplomáticos não foram muito frutíferos, mas semanas de alta intensidade se anunciam", acredita Mariano de Alba, advogado venezuelano especialista em direito internacional e relações internacionais.

A reunião de chanceleres latino-americanos que o Peru convocou para a próxima semana à margem da Organização dos Estados Americanos (OEA), à qual ao menos 11 países confirmaram participação, pretende alcançar uma posição unânime para tomar medidas fortes para além de outra declaração de repúdio. Até lá, o chavismo já terá instalado a Assembleia Nacional Constituinte, de modo que o cenário será ainda mais imprevisível.

Os países da região críticos com a deriva de Nicolás Maduro insistiram que continuarão a reconhecer a dissolvida Assembleia Nacional, eleita em 2015 com 14 milhões de votos, e a procuradora geral que, como tudo parece indicar, será demitida. Além disso, estudam a possibilidade de adotar outras medidas como a retirada de seus embaixadores, a expulsão dos funcionários chavistas de seus países ou o rompimento de relações diplomáticas com o Governo de Maduro ou o que surgir a partir da instalação da Constituinte.

O passo seguinte, o mais controverso, seria aplicar sanções econômicas ou comerciais e seguir o caminho dos Estados Unidos, que ameaçou adotá-las, começando pelo setor petrolífero. Os analistas acreditam que isso ocorrerá nos próximos dias. Por enquanto, nesta segunda-feira, o Departamento do Tesouro incluiu Nicolás Maduro na lista de sancionados.

O fundo de investimento Torino Capital, cujo economista-chefe é o venezuelano Francisco Rodríguez, um dos mais reconhecidos do país –e também um dos mais otimistas– afirmou em seu último relatório que as sanções contra as exportações de petróleo teriam um impacto sobre o PIB venezuelano. "Em um cenário conservador, estimamos que poderia cair 11 pontos e que as sanções afetariam 57% do total das exportações", diz o relatório do Torino, cujas estimativas indicam que no domingo votaram 3,6 milhões de pessoas, um milhão a menos do que os cálculos da oposição e a anos-luz dos 8,1 milhões do CNE.

As consequências dessas sanções podem ser, não obstante, devastadoras para uma sociedade que agoniza. "A Venezuela está numa situação tão delicada que da crise humanitária se pode passar à tragédia humanitária se as sanções forem muito severas", diz Rodríguez. "Existe o risco de que sejam contraproducentes, porque o Governo poderia utilizá-las para aprofundar na caracterização da oposição como um grupo que tenta prejudicar o país". Uma pesquisa recente do Torino Capital com o instituto Datanalisis apontou que 63,3% dos venezuelanos se opunham às sanções norte-americanas.

A comunidade internacional enfrenta um cenário praticamente inédito. Mariano Alba vê dois precedentes semelhantes de processos não reconhecidos, a anexação da Crimeia à Rússia e, no caso da América Latina, o golpe de Estado em Honduras. Assim, os Estados Unidos e a União Europeia afirmaram que não reconheceriam as eleições previstas depois da derrubada de Manuel Zelaya. A pressão serviu para que se conseguisse um acordo entre o presidente deposto e Roberto Micheletti, que assumiu depois do golpe, para a realização de eleições. Embora o pacto tenha sido rejeitado mais tarde por Zelaya, a comunidade internacional considerou válidas as eleições que deram a presidência a Porfirio Lobo. Conseguir um cenário assim, que permita iniciar um diálogo crível na Venezuela, é o objetivo final da comunidade internacional, que dá constantes voltas nessa montanha-russa de caos, sangue e fome, enquanto Maduro se mostra impassível.

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