_
_
_
_
_

Rafael Ramírez: “Maduro está destroçando o país. Acabou o tempo dele”

Ex-presidente da PDVSA ataca o ‘desvio’ do regime: "Perderam o fervor popular, ninguém os apoia. Ele se proclamou filho de Chávez e fez tudo ao contrário"

Rafael Ramírez, em Nova York em novembro de 2017, quando era embaixador da Venezuela na ONU.
Rafael Ramírez, em Nova York em novembro de 2017, quando era embaixador da Venezuela na ONU.JEWEL SAMAD (Getty Images)
Mais informações
Venezuela, o dilema de um país com dois presidentes numa nação desgovernada
Militares venezuelanos bloqueiam ponte que Colômbia quer usar para ajuda humanitária
Assembleia venezuelana rejeita todo o diálogo com Governo de Maduro que “prolongue o sofrimento”

Foi o czar do petróleo venezuelano por mais de uma década. O ex-presidente da estatal PDVSA e ministro do Petróleo, Rafael Ramírez (Pampán, 55 anos) defende sem nuances o legado de Hugo Chávez. Seu sucessor, Nicolás Maduro, nomeou-o vice-presidente econômico, mas o ex-dirigente rompeu definitivamente com seu Governo em 2017. Agora está em um lugar na Europa que, por segurança, prefere não revelar. Em entrevista a EL PAÍS, pelo Skype, ele ataca “o desvio do regime” e rejeita acusações de corrupção feitas contra ele tanto pelo partido no poder como pela oposição.

Pergunta. O que se passa na Venezuela? E por quê?

Resposta. O país está à beira de um abismo, fundamentalmente porque a situação de Maduro é insustentável. Ele fez com que se reunissem todos os elementos da tempestade perfeita. Violou a Constituição, abusou de seu poder, tornou-se um Governo autoritário, fechou todas as válvulas do jogo democrático, agiu com muita violência e também tem sido incapaz de administrar o Governo, em particular a economia. Cumpriu seu propósito de destruir a PDVSA e não percebeu que a PDVSA derruba governos, que é o eixo fundamental de nossa economia: 96% de nossa renda vem do petróleo. Acho que estamos diante de uma situação séria, um país com dois presidentes autoproclamados e ambos violando a Constituição.

P. O senhor o viu agir de perto. O que Maduro tentará fazer para se manter?

R. Eles perderam o fervor popular, ninguém os apoia. As pessoas vão forçadas para as manifestações. Especialmente entre os funcionários do setor público, há algumas listas de perseguição. São feitos chamados, enviados emails. É evidente que o setor majoritário, pelo menos na rua, está, eu não diria que a favor de Guaidó, embora, é claro, ele canalizou tudo isso, mas, principalmente, a favor da saída de Maduro, de que ele deixe o país. Tudo o que lhe resta é continuar recorrendo à repressão e se escondendo atrás das calças das forças armadas.

P. Existe a possibilidade de que a cúpula militar o abandone?

R. Eu conheço a maioria dos oficiais que estão à frente, não tanto na cúpula, mas nos comandos militares, que são realmente os que têm o controle das tropas. Eles estão impregnados de uma doutrina muito constitucionalista. Depois do golpe de Estado de 2002, Chávez conseguiu desterrar o golpismo das forças armadas, mas nossos rapazes sabem que a Constituição não pode ser violada e acho que em algum momento, enquanto o jogo político continuar trancado, eles vão perceber que têm de dar um passo à frente e restaurar o fio constitucional, como fizeram em 2002. Não têm motivo para se imolarem defendendo Maduro porque ele não só está agindo fora da Constituição, mas cometeu graves violações dos direitos humanos.

P. O senhor conheceu ambos, Chávez e Maduro. A que atribui esse desvio?

R. Maduro se autoproclamou como filho de Chávez e começou a fazer exatamente o oposto. Sustento que uma coisa é o ‘madurismo’ e outra, o chavismo. Mas é preciso ver os fatos. Destruiu nossa indústria de petróleo, é culpa dele, sua responsabilidade, e destruiu em menos de quatro anos. Destruiu nossa economia. Além disso, Maduro, especialmente depois do seu anúncio de 16 de agosto, tentou implantar à força um pacotão econômico que seria a inveja de qualquer programa neoliberal no mundo. Não há paixão, as pessoas sabem que Maduro não representa Chávez. O que aconteceu é que ele investiu muito dinheiro para estabelecer mecanismos de controle social, o que Chávez nunca teria feito, como a questão da caixa CLAP [Comitês Locais de Abastecimento e Produção], o tema do chamado cartão da pátria, os bônus. Criou uma estrutura que nada tem a ver com o chavismo.

P. O senhor foi acusado de corrupção na PDVSA.

R. É evidente que é uma perseguição. Lá coincide o madurismo com a extrema direita e, me atacando, atacam a gestão do petróleo com o presidente Chávez. Comecei a receber acusações de Maduro no mesmo momento em que rompi politicamente com seu Governo. Por outro lado, a PDVSA é gigantesca, mais de 324 empresas e subsidiárias com uma organização muito complexa, e ninguém pode assumir que eu seja responsável pelo que qualquer presidente dessas subsidiárias ou qualquer gerente faz. Esse é um princípio de governança corporativa. Nossa empresa é a empresa mais auditada da Venezuela. Essas pessoas não encontram nada que me incrimine. Neste momento, há mais de 100 gerentes sequestrados, não têm direito a julgamento, não tiveram sequer uma audiência. Pessoas que estão presas há mais de cinco anos sem uma audiência. Deixaram Nelson Martínez morrer.

P. Então o senhor admite que o espólio da petroleira começou durante sua gestão, embora não estivesse ciente?

R. É uma questão que não é exclusiva da PDVSA, e não é exclusiva do período chavista. Vejamos, o que aconteceu com o controle do câmbio? O grande desfalque do país tem sido no sistema de câmbio, no sistema de importações, nos Ministérios das Obras Públicas e Infraestrutura.

P. A gasolina pode se esgotar depois das últimas sanções dos EUA?

R. As sanções norte-americanas realmente não deveriam ter um impacto muito alto sobre a PDVSA se esta estivesse bem administrada. Agora está produzindo menos de um milhão de barris. Desse milhão, 200.000 são para o mercado interno e 800.000 para exportação. Desse modo, com os empréstimos e dívidas com a China e Rússia, basicamente, 350.000 barris vão para o mercado norte-americano. Isso pode ser colocado tanto no mercado de petróleo pesado na Índia, na China, em qualquer lugar. Não deveria ser um problema. O que é realmente um problema é que, enquanto se faz um discurso anti-imperialista, 80% dos combustíveis e da nafta são importados dos EUA. Isso, sim, vai ser um problema. Nosso país tem cerca de 10, 12 dias de reservas, mas enquanto as refinarias estiverem operando. O problema é que estão com capacidade máxima de 30%.

Ramírez faz um parêntese depois de criticar qualquer plano de privatização da empresa. "Quero aproveitar para agradecer ao povo espanhol pela forma como acolheram milhares de venezuelanos", diz. "Conheço de maneira direta a atitude do povo espanhol que, ao contrário do comportamento de outros países da região, acolheu os venezuelanos com carinho. Meu agradecimento ao povo espanhol e às suas instituições."

P. Haverá uma transição?

R. Primeiro Maduro tem que sair. Não só porque tem um plano próprio, mas também porque age ilegalmente. Ele também se autoproclamou presidente com base em eleições preparadas por ele para que ele ganhasse. É uma eleição arranjada por Maduro. Ele tem que sair porque está destroçando o país e continuará destroçando o país, e seu tempo acabou. Maduro vem enganando o país há cinco anos. Não tem ideia de como sair deste abismo. A oposição da extrema direita tampouco. Sozinhos não poderão reerguer o país. Neste momento, o dano é tão profundo que precisaremos de um acordo de unidade nacional baseado em cerca de dez pontos sobre os quais concordemos para que possamos coletivamente reerguer o país e depois ir às eleições. O país não está pronto para eleições amanhã. Há quatro milhões de venezuelanos fora do país, não há institucionalidade, não há CNE [Conselho Nacional Eleitoral], não há poder. Maduro não vai deixar o poder, tampouco Guaidó, porque o grupo que representa Guaidó jogou antecipadamente com seus próprios partidários da oposição.

P. O senhor defende Chávez mas, segundo seu relato, ele errou em pelo menos uma coisa, que foi nomear Maduro como sucessor.

R. Sem dúvida.

P. O que aconteceu?

R. Eu estava lá. Fui testemunha da enorme pressão exercida pelos cubanos para deixar Maduro no poder.

P. É possível que um setor pragmático vire as costas para ele?

R. Não acredito que façam alguma coisa. Estão determinados a impor seu modelo, que não sei como chamá-lo, porque não é de esquerda, não é socialista e tampouco é capitalismo avançado.

P. Gostaria de voltar à linha de frente da política?

R. Claro. É o que quero. Se Maduro me deixasse caminhar pelas ruas do meu país, pelos setores petrolíferos, falar com as pessoas, retomaria o controle que ele agora tem do chavismo. Não é capaz de ir a um debate comigo.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_