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Ex-ministros de Chávez planejaram comprar policiais e juízes na Europa

Objetivo era frear investigação sobre desvios na PDVSA: “Na Venezuela a gente pode dar grana a um juiz”

Os supostos saqueadores da estatal Petróleos da Venezuela SA (PDVSA) planejaram subornar policiais e juízes na Europa para bloquear uma investigação sobre lavagem de dinheiro. A rede integrada pelos ex-vice-ministros venezuelanos Nervis Villlobos e Javier Alvarado, que ocuparam seus cargos durante o mandato do ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013), esforçou-se para atrapalhar as investigações que a juíza andorrana Canòlic Mingorance realiza desde 2012. O grupo acabou descartando os subornos ao observar que na Venezuela “a gente pode dar grana a um juiz”, mas que na Europa isso não acontece.

Fachada da sede em Caracas de PDVSA em fevereiro de 2012 com uma imagem do ex-presidente do Governo de Venezuela Hugo Chávez
Fachada da sede em Caracas de PDVSA em fevereiro de 2012 com uma imagem do ex-presidente do Governo de Venezuela Hugo ChávezREUTERS / JORGE SILVA

O EL PAÍS teve acesso às conversas entre os integrantes do esquema e Pablo Laplana, ex-diretor do Departamento Internacional da Banca Privada d’Andorra (BPA). O grupo depositou dois bilhões de euros (7,74 bilhões de reais) nessa instituição financeira, uma quantia supostamente procedente do pagamento de comissões por empresas que trabalharam para a PDVSA.

As escutas telefônicas revelam que Diego Salazar, primo do ex-presidente da petroleira estatal Rafael Ramírez, cogitou subornar investigadores europeus.

O homem de confiança de Salazar, Luis Mariano Rodríguez, confessou os planos da rede para obter favores de Laplana no BPA. E citou como exemplo as propinas pagas pelo próprio Salazar a policiais na Venezuela. A conversa ocorreu em 5 de dezembro de 2012.

“O que o Diego [Salazar] fez? Chamou uns policiais e lhes deu 80.000 euros.”

“Quando nós cobramos uma fatura grande em bolívares num banco daqui e a polícia veio atrás de nós, o que o Diego (Salazar) fez? Chamou uns amigos policiais e lhes naquela ocasião 80.000 dólares [263.500 reais, pelo câmbio atual]. Sim, mandou os 80.000 dólares. Veio a polícia e encerrou o caso”, diz Rodríguez.

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Em seguida, ele ironiza a ineficiência do Ministério Público venezuelano. “Esta promotoria não é uma promotoria da Alemanha… hahaha.” E acrescenta: “Isto é, como dizemos aqui… um cogeculo [uma bagunça]”.

Em outro momento da conversa, Rodríguez admite que Salazar cogitou subornar agentes europeus quando descobriu que estava sendo investigado em Andorra na chamada Operação Petróleo. O executivo do banco o aconselhou a não fazer isso.

“Esta promotoria não é uma promotoria da Alemanha, hahaha. Isto é uma bagunça”, afirmou um membro da quadrilha

– O Diego quer fazer isso do mesmo jeito que na Venezuela, e um troço desses não se faz... – diz Rodríguez.

– Não, não, não – concorda Pablo Laplana.

– A Europa tem um procedimento. Lá você pode arrumar algum juiz, poderá lhe dar uma grana, poderá subornar alguém, pode fazer o que você quiser, mas é muito… Pouquíssimas vezes acontece, isso não é fácil – prossegue Rodríguez.

– Não, não é fácil – admite Laplana.

Nas gravações, a rede se refere a Salazar como O senhor dos relógios, em alusão ao interesse do primo do ex-ministro por esses acessórios. Em 2011, Salazar gastou dois milhões de dólares (6,6 milhões de reais, pelo câmbio atual) na compra de 93 relógios Rolex e Cartier de ouro.

Fatura de dois milhões de dólares pela compra de 93 relógios de uma das firmas panamenhas de Diego Salazar
Fatura de dois milhões de dólares pela compra de 93 relógios de uma das firmas panamenhas de Diego SalazarEL PAÍS

Os diálogos revelam que Rodríguez manobrou para abrir contas na Suíça depois que a juíza de Andorra ordenou o bloqueio dos seus depósitos. A quadrilha pretendia usar alguma instituição helvética para receber dinheiro de “uns chineses”. As investigações apontam que a maior parte das empresas que pagaram comissões em troca de contratos da PDVSA era da China.

O então executivo do BPA propôs a Rodríguez que abrisse uma conta no Panamá para receber esses valores. “Já conhecemos a operação dos chineses, e em termos de compliance [prevenção da lavagem de capitais] ela já está aprovada pelo banco. Digo isso pela agilidade, pois os suíços são muito suíços, ficam meticulosos, então você me diz isso e vejo a possibilidade de abrir a conta no Panamá”, afirma Laplana.

Os investigadores acreditam que esse executivo do BPA foi o mentor do “planejamento fiscal” de Salazar e Rodríguez, uma complexa estrutura societária no Panamá. O EL PAÍS não conseguiu localizar Laplana para ouvir sua versão.

A Polícia de Andorra conclui em um relatório que o dinheiro que a quadrilha movimentou, cerca de dois bilhões de euros, supostamente provinha de pagamentos feitos por empresas chinesas que executaram obras públicas na Venezuela.

As autoridades de Andorra, um pequeno principado independente encravado entre a Espanha e a França, onde até o ano passado vigorava o sigilo bancário absoluto, intervieram no BPA em março de 2015 por causa de um suposto caso de lavagem de capitais.

A poderosa empresa do ‘Eletricista’

“Sejamos claros... A minha firma ajudou muita gente que está aqui a ganhar o dinheiro que está ganhando, e por meio desta minha firma estou aqui recebendo certas coisas, estou recebendo parte do que tenho aqui, ok?” Essa frase é parte de uma conversa telefônica, grampeada pela Polícia de Andorra em 24 de fevereiro de 2013, entre Pablo Laplana, então um alto executivo da instituição financeira Banca Privada d’Andorra (BPA), e Luis Alejandro, que segundo a investigação seria funcionário de Diego Salazar e do seu homem de confiança, Luis Mariano Rodríguez.

Alejandro a atribui ao Eletricista, a quem foi buscar no aeroporto do Panamá para participar de uma reunião com seus advogados e falar dos problemas judiciais deles em Andorra.

O Eletricista é Javier Alvarado, ex-ministro de Energia no Governo de Hugo Chávez, um dos investigados na trama de Andorra. Laplana, na conversa grampeada, informa a Luis Alejandro que "não foram recebidos pagamentos das empresas onde o Eletricista teve poder decisório e, portanto, nunca poderão acusá-lo de ter influenciado em nenhuma decisão". E este responde que "nunca foram recebidos pagamentos… Mas, porra, o que o Eletricista nos disse ele não pode dizer diante da juíza".

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