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Europa retoma a vida pública com as fronteiras fechadas e sem certezas sobre o verão

“Recebo dúzias de cartas desesperadas”, diz a comissária de Interior da União Europeia sobre as restrições à mobilidade

Álvaro Sánchez
Dois visitantes aproveitam um dia ensolarado na praia de Zandvoort (Países Baixos), no sábado passado.
Dois visitantes aproveitam um dia ensolarado na praia de Zandvoort (Países Baixos), no sábado passado.KOEN VAN WEEL (EFE)

O povoado de Baarle-Hertog-Nassau, na fronteira entre a Bélgica e a Holanda, poderia servir como símbolo da maneira como a Europa encara o fim do confinamento após o pico da atual pandemia. Na parte holandesa do município, os comércios estão abertos; apenas alguns metros adiante, no outro lado da linha cinza que demarca no chão o limite entre os dois países, não há nem rastro de clientes, porque as leis belgas até agora não permitiam. Numa maior escala, os movimentos rumo à chamada nova normalidade mostram um continente dividido em mil pedaços. A Alemanha se abre por Länder, a França por départements e a Espanha, salvo casos pontuais, província por província. A desconfiança perante a possível chegada da temida segunda onda de contágios da covid-19 é o melhor antídoto contra a precipitação: sossega o ímpeto dos líderes europeus e os empurra para uma política de mudança de ritmo que vem carregada de mensagens implorando à sociedade para que aja de forma responsável.

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A fragmentada volta à vida pública vem acompanhada de um dilema: por onde começar? Os 27 países da União Europeia têm à sua frente um tabuleiro cheio de botões. Cada um é uma parcela de liberdade restringida. Quase todos prepararam planos para o comércio, a hotelaria, as escolas, o esporte e as reuniões privadas. Mas o momento de apertar os interruptores e retomar essas atividades está muito longe de ser uniforme. A Dinamarca foi a primeira a reiniciar as aulas. A Áustria esteve entre as pioneiras em tirar a tranca dos comércios. A Alemanha se dispõe a retomar o futebol profissional. E, a partir desta segunda-feira, meia Espanha poderá se sentar nas mesas ao ar livre em bares e restaurantes, ou se reunir com até 10 pessoas. Enquanto isso, na Bélgica, onde sair para caminhar ou correr foi permitido durante todo o confinamento, não está prevista a cerveja ao sol antes de junho. E acaba de ser autorizada a companhia de até quatro amigos ou familiares com os quais não se conviva, com a condição de que sejam sempre os mesmos.

O poder da UE como grande instituição supranacional revelou suas limitações frente aos Estados. Bruxelas desenhou um itinerário com três requisitos para iniciar a reabertura: uma grande redução de contágios, recursos sanitários suficientes e capacidade de vigiar a epidemia com exames e aplicativos para celular, mas, sem estipular limites, deixou a mudança de fase nas mãos dos Executivos nacionais. Agora, observa com resignação a descontrolada barafunda de medidas dos sócios europeus. E, quase sem autoridade para intervir, ficou relegada a ser a voz da consciência, uma espécie de estraga-prazeres contra a tentação da euforia. “A situação continua sendo frágil”, alertou a Comissão Europeia (Poder Executivo da UE) nesta sexta-feira.

Na capital comunitária, admite-se sem disfarces que falta coordenação. E preocupa especialmente a situação das fronteiras internas, agora fechadas e com a polícia disposta a multar qualquer um que as cruze por motivos não essenciais. A comissária (ministra europeia) do Interior, Ylva Johansson, foi eloquente ao descrever ao Parlamento Europeu o drama que a interrupção da mobilidade significa para muitos europeus. “Chegam-me dúzias de cartas de gente desesperada. Dizem-me: ‘Estou na Áustria, na Grécia ou na Polônia; como volto para a Bulgária, a Alemanha ou a Eslovênia? Somos aposentados e estamos nos mudando para a Espanha ou a França: como chegamos em casa? Vivo na Bélgica, mas meu noivo está na França. Não podemos nos ver. Meu marido não pode presenciar o nascimento do nosso filho.”

A comissária sueca compara as barreiras com a Cortina de Ferro que separou familiares e amigos durante os anos sombrios da Guerra Fria. A intenção de Bruxelas é que sejam suspensas o quanto antes, principalmente levando-se em conta que 17 milhões de europeus vivem ou trabalham em um Estado membro diferente daquele onde nasceram, mas isso não está nas suas mãos. Como quase tudo que é importante nesta pandemia, a decisão cabe aos Estados. E os atritos entre capitais por conta das restrições já estão acontecendo. Luxemburgo se queixou inflamadamente da decisão alemã de prolongar os controles. O Grão-Ducado é um dos países que mais trabalhadores estrangeiros recebem diariamente, 200.000, o que equivale, em termos populacionais, a que mais de 15 milhões de trabalhadores entrassem e saíssem da Espanha a cada dia. “Corre-se o risco de prejudicar a coexistência”, advertiu o ministro de Relações Exteriores desse pequeno país, Jean Asselborn. Como protesto, várias localidades fronteiriças hastearam a bandeira europeia a meio mastro.

O enigma do verão

Com a Europa embarcada numa espécie de viagem ao passado, recuando à época em que o Tratado de Schengen não existia e os postos alfandegários se proliferavam como cogumelos, Bruxelas teme que a chegada do verão, em junho, resulte em passaportes de primeira e de segunda categoria. “Não se podem abrir as fronteiras aos cidadãos de um país da UE e fechá-las a outros”, avisa a comissária. Várias capitais desafiam essa filosofia do “todos ou ninguém”. A Áustria procura vias para poder receber visitantes, mas prioriza a seu principal mercado, os vizinhos alemães. E a Croácia propôs um corredor turístico que permita a circulação de viajantes tchecos.

Os deslocamentos da alta temporada ameaçam ser fonte de um recrudescimento da epidemia se os recém-chegados provierem de zonas especialmente atingidas. A França quis solucionar isso impondo um isolamento de duas semanas a todos os que entrem no país, mas recuou, e por enquanto os cidadãos da UE e do Reino Unido estão isentos da quarentena. O Reino Unido, apesar da férrea oposição do setor turístico, prepara-se para trilhar esse caminho, inclusive para quem chegar do continente por via aérea, embora possa aplicar exceções a visitantes da França ou Irlanda. Bruxelas não tem autoridade para impor uma quarentena similar em nível europeu, e caberá a cada Estado tomar a decisão sobre essa exigência, que seria o golpe de misericórdia para a indústria aérea e hoteleira. Resta ver se o Executivo comunitário mencionará esse instrumento nas orientações sobre a suspensão dos controles que apresentará nesta semana. “Será uma tarefa muito difícil. As medidas foram introduzidas de forma descoordenada. Revogar as restrições nacionais levará algum tempo”, admite Johansson.

Os governantes esbarram repetidamente na mesma pergunta: haverá viagens no verão? O escritor uruguaio Eduardo Galeano se dizia desconfiado dos otimistas em tempo integral. O seu otimismo dependia da hora do dia. Algo semelhante deve acontecer com os europeus, que tomam o café da manhã com quedas nas cifras de mortos e fazem o lanche digerindo as ambíguas respostas da classe política sobre as férias no exterior ou em seu lugar de origem. “Não tenho certeza de poderemos esperar movimentos maciços de população entre Estados em julho e agosto”, afirmou o ministro francês da Saúde, Olivier Véran. “Ficaremos entre europeus”, delimitou o presidente Emmanuel Macron, no que pode ser a antessala de um futuro “entre franceses” que ninguém descarta. As autoridades do país recomendaram adiar as reservas enquanto o panorama não ficar claro. Esse mesmo conselho deixou a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, exposta a uma onda de críticas da indústria turística.

Mais complicada ainda parece ser a situação dos viajantes de fora da UE, para quem as portas da Europa continuarão fechadas. Bruxelas pediu aos sócios que adiem por mais um mês a sua chegada, proibida desde meados de março. Como não se cogita reabrir as fronteiras externas enquanto os controles internos não desaparecerem, é provável que novas prorrogações sejam aprovadas.

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