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Uma foto tirada na Espanha para ilustrar um falso assassinato de nove crianças no México

Um boato sobre a descoberta dos cadáveres de menores usa a imagem de uma 'perfomance' de 2016

Patricia R. Blanco
Foto da ‘performance’ organizada por Sara Cantos e José Sánchez Hachero e usada agora para difundir o boato.
Foto da ‘performance’ organizada por Sara Cantos e José Sánchez Hachero e usada agora para difundir o boato.

“Os corpos apresentam fortes sinais de golpes nos rostos e em suas extremidades, indícios de que elas foram inicialmente maltratadas até a morte e depois lançadas ao mar”. Assim começa a falsa notícia da descoberta de nove cadáveres de crianças em uma praia de Acapulco (México). O boato, difundido desde o começo de junho por vários sites mexicanos e compartilhado por leitores assustados no Facebook, vem acompanhado de uma fotografia que supostamente mostra os corpos de alguns dos menores. Mas a imagem é totalmente fora de contexto: ela foi feita um ano atrás em Cádiz (Espanha) para registrar uma performance que denunciava a morte de milhares de refugiados em sua tentativa de atravessar o mar Mediterrâneo para chegar à Europa.

A notícia, que já foi desmentida e apagada de alguns veículos de comunicação que a haviam publicado, foi elaborada de modo a passar como verdadeira, tanto pelos detalhes que traz sobre o suposto assassinato quanto pelas referências que faz a instituições oficiais. Ela menciona, por exemplo, o “Serviço Médico Legal”, que, segundo o texto, se encarregou dos corpos. Além disso, descreve o estado em que os cadáveres foram encontrados, especificando que se trata de cinco meninos e quatro meninas e afirmando que a principal hipótese das investigações é de que os menores foram sequestrados e suas famílias não pagaram o resgate exigido pelos sequestradores.

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Para se conferir mais realismo ao boato, o texto vem acompanhado da suposta imagem do crime. Mas a própria fotografia contém a primeira indicação que leva à conclusão de que se trata de notícia falsa. O texto afirma claramente que “foi expressamente proibido o acesso ao palco dos acontecimentos”. Mas, então, como foi possível ter uma foto dos corpos? A imagem não traz nenhuma legenda; não se explica como ela foi feita, se foi divulgada pelas autoridades ou vazada por alguma pessoa próxima da investigação.

A verdade é que essa fotografia foi tirada em 6 de junho de 2016 na praia de Santa María del Mar de Cádiz (Espanha) durante uma performance que tinha como objetivo ilustrar a tragédia dos refugiados que perdem a vida no mar Mediterrâneo ao tentar atravessá-lo para chegar à Europa. Naquela ocasião, os jornalistas Sara Cantos e José Sánchez Hachero, com a ajuda de 50 figurantes, procuraram reconstituir a morte de 117 imigrantes que tinham acabado de morrer em um naufrágio e cujos corpos haviam aparecido no litoral da Líbia.

Além da imagem, o boato pôde ser desmascarado também por um outro elemento: o bastante conhecido recurso de amedrontamento usado pelos boatos. O texto não só descreve com crueldade os detalhes das supostas atrocidades de que as crianças teriam sido vítimas, como também, numa tentativa de se tornar viral, conclui com um apelo para que a notícia seja compartilhada amplamente de modo a evitar que o mesmo ocorra com outras crianças: “Se você se sente sinceramente indignado, compartilhe essa notícia”.

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