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O vírus liberta 376 mafiosos na Itália

Ministro da Justiça tentou corrigir a situação com um novo decreto, mas dezenas de chefões históricos já estão na rua por motivos de saúde

Detentos na penitenciária San Vittore, em Milão, durante um protesto em 9 de março
Detentos na penitenciária San Vittore, em Milão, durante um protesto em 9 de marçoAnadolu Agency (EL PAÍS)
Daniel Verdú
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A pandemia do novo coronavírus só traz boas notícias para a máfia na Itália. Primeiro semeou o terreno ideal para seu crescimento nos bairros desfavorecidos de Nápoles, Palermo e Reggio Calabria. E agora permitiu a libertação de 376 chefões devido à sua idade avançada e a doenças pré-existentes que punham em risco sua vida. Todos eles já estão em prisão domiciliar. Mas a essa lista de nomes, publicada pelo La Repubblica nesta semana, poderiam se somar também outros 6.000 presos com menos de 18 meses de pena por cumprir e muitos outros chefes que já solicitaram o benefício. O movimento provocou a demissão do chefe do Departamento de Administração Penitenciária (DAP) e desatou uma tempestade política que ameaça derrubar o ministro da Justiça, Alfonso Bonafede.

As ruas da Itália viram desfilar em uma semana toda uma galeria de grandes estrelas do crime organizado. Pasquale Zagaria, irmão do supercapo da Camorra, Michelle Zagaria, e membro do clã dos Casalese, já está em liberdade. Estava condenado ao regime de isolamento descrito no artigo 41-bis, o mais duro da Itália, por ser o tesoureiro de um dos maiores grupos criminais da história do país (responsável condenação pela perseguição ao jornalista Roberto Saviano, autor de Gomorra). Francesco Bonura, lugar-tenente do chefe da Cosa Nostra Bernardo Provenzano, voltou a Palermo. Também Franco Catalado, condenado a prisão perpétua por ter, a mando do capo Totò Riina, dissolvido em ácido o filho de 13 anos de um arrependido. Vincenzo Iannazzo, do primeiro escalão da ’Ndrangheta, a poderosa máfia calabresa, passa os últimos dias junto à família no coração de Lamezia. São quatro exemplos.

O ministro Bonafede, figura-chave do partido governista Movimento 5 Estrelas (M5S) e padrinho de Giuseppe Conte como candidato a primeiro-ministro, dois anos atrás, pretendia aliviar a pressão nas penitenciárias, onde nos últimos meses vários motins terminaram com dezenas de fugas e a morte de 13 detentos. Mas não anteviu o incêndio que isso causaria. A oposição, liderada pelo ex-ministro do Interior Matteo Salvini, lançou-se em peso pedindo sua cabeça. Mas não são os únicos incomodados.

Informações quanto a incômodo das medidas chega das altas instâncias da Promotoria antimáfia, começando por seu principal responsável, Federico Cafiero De Raho, e se fazem ouvir em personagens como Roberto Saviano, que lembrou que a saúde e a dignidade de qualquer preso devem ser respeitadas. Os críticos da medida afirmam que as garantias são para todos, e um sistema de prisões democrático se baseia nisso. Mas de modo nenhum deve ser adotada a prisão domiciliar, especialmente para o grupo mafioso. Saviano, como muitas outras vozes, pediu que cumpram sua sentença em centros sanitários de máxima segurança e não em suas casas.

O risco de fuga de muitos desses chefes é altíssimo, dizem ao EL PAÍS fontes da Promotoria de Palermo. “Ainda têm um elevado controle do território, e para eles é fácil encontrar ajuda para se esconder”, afirmam. É chover no molhado. A soltura desses 376 presos se soma também à libertação de todos os chefes condenados nos anos 80 e o retorno de algumas famílias que haviam emigrado aos EUA quando explodiu a grande guerra entre clãs na Sicília. Além dos que já estão nas ruas, agora poderão sair figuras históricas como o corleonês Leoluca Bagarella (um dos responsáveis, entre outros crimes, pelo assassinato do magistrado Giovanni Falcone), Nitto Santapaola, autor do assassinato do general Carlo Alberto dalla Chiesa, e o fundador da Nova Camorra Organizada, o legendário Raffaele Cutolo. Todos têm mais de 70 anos, sofrem de alguma doença e estão dentro da lista elaborada pela autoridade judicial.

O ministro da Justiça foi obrigado a retificar e anunciar um decreto lei que permitirá aos juízes revisar as condições que permitiram as solturas. O texto do decreto tenta evitar a polêmica e se baseia no “novo quadro sanitário” para voltar atrás. A crise sanitária, diz o ministro, diminuiu nas últimas semanas. “Os mafiosos são como a pasta de dentes, uma vez fora do tubo é complicado fazê-los voltar”, afirma o magistrado.

Bonafede precisou ir ao Parlamento na quarta-feira para dar explicações. E para responder às gravíssimas acusações feitas pelo promotor Nino Di Matteo, o magistrado que há décadas investiga as conexões entra a máfia e o Estado nos anos noventa. O promotor agora acusa o ministro da Justiça de impedir sua promoção a chefe do Departamento de Administração Penitenciária (justamente o cargo que deveria ser o responsável pela saúde dos presos) condicionado pelas exigências dos chefes mafiosos. Bonafede respondeu que se tratava de uma “hipótese infame, infundada e absurda” e voltou a fazê-lo no Parlamento. Mas o incêndio é enorme e Conte agora deverá decidir entre manter e aliviar a pressão, e derrubar o homem que o introduziu na política.

Itália autoriza missas a partir de 18 de maio

Fiéis separados por mais de um metro e padres com máscara durante a comunhão. Em 18 de maio os italianos poderão voltar à missa sob rígidas medidas de segurança sanitária que já foram elaboradas. Termina assim uma dura negociação entre a Conferência Episcopal Italiana e o Governo. Uma queda de braço que esteve prestes a ir pelos ares na semana passada quando os bispos atacaram duramente o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, por tê-los deixado de fora do plano de desescalada. A tensão chegou a tal ponto que o papa Francisco precisou intervir para pedir obediência aos prelados.

O Governo proibiu a ida às missas no começo de março. Mas a maioria das igrejas continuou aberta durante a crise para a oração individual. O protocolo assinado pelo primeiro-ministro e o cardeal Gualtiero Bassetti, presidente da Conferência Episcopal Italiana, acaba com a incerteza e as queixas dos fiéis. Cada padre e paróquia determinará a quantidade máxima de pessoas que podem entrar em uma igreja. A ideia é respeitar o metro de distância e transferir a pressão dos domingos a missas suplementares, no próprio domingo e durante a semana. Os fiéis deverão usar máscaras no interior da igreja, mas os padres poderão passar a maior parte da missa sem ela. Usarão luvas e voltarão a cobrir o rosto quando distribuírem a comunhão.

Os coros continuarão proibidos por enquanto, as fontes de água benta não voltarão a se encher e os fiéis não poderão se cumprimentar ao final da missa. A coleta permanecerá. Mas os fiéis deverão depositá-la em uma espécie de urna.

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