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Itália
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Criado sob discurso da democracia direta na Itália, Movimento 5 Estrelas vira refém da velha política

M5S está prestes a executar pirueta política histórica ao romper com Salvini, seu sócio no Governo, e firmar acordo com o PD, rival ao qual já acusou de roubar crianças de famílias pobres

Luigi Dei Maio, nesta quarta-feira em Roma.
Luigi Dei Maio, nesta quarta-feira em Roma.ALBERTO PIZZOLI (AFP)
Daniel Verdú

“Morreremos democratas-cristãos”, repetia-se durante um tempo na Itália, até que uma histórica capa do jornal Il Manifesto ousou dizer o contrário depois das eleições 1983 (que a Democracia Cristã também venceu, mas por um fio). Passaram-se os anos e as repúblicas, mas a genética democrata-cristã, já despojada de seu diabólico refinamento, se impõe de uma forma ou de outra na política italiana desde 1946.

O Movimento 5 Estrelas (M5S) —partido que se autodefine como um não-partido, criado em 2009 pelo político comediante Beppe Grillo com a ideia de estabelecer uma democracia direta com o uso da internet—deveria romper com a velha lógica do poder. O movimento, porém, traiu sua essência nesta semana para conservar os 33% dos votos obtidos nas últimas eleições.

O M5S está prestes a executar uma pirueta política histórica que o levará a romper com a Liga de Matteo Salvini, político de extrema direita, até agora seu sócio no Governo, e firmar um novo acordo com o Partido Democrático (PD), um rival político de centro-esquerda ao qual já acusou inclusive de roubar crianças de famílias pobres para dá-las aos ricos. Apesar da proximidade em questões sociais e de certa migração de votos entre os dois partidos, convém recordar que, durante o Governo de Matteo Renzi (PD), os seguidores de Grillo foram o maior flagelo do primeiro-ministro, chegando a provocar sua queda com uma tremenda campanha na rua contra o referendo constitucional em dezembro de 2016.

O problema para o M5S adquire agora também uma dimensão interna. Sua militância heterodoxa  —segundo alguns estudos, cerca de 60% dos filiados se inclinam à direita, e 40% à esquerda— estão tendo dificuldades para digerir o fato de que os líderes do partido, começando por Grillo, apostam numa histórica guinada de 180 graus com o único objetivo de evitar eleições nas quais seriam varridos por Salvini, que caiu fortemente nas pesquisas após provocar a ruptura da coalizão, mas mesmo assim mantém uma ampla vantagem sobre o resto dos partidos. Uma atitude própria da velha política contra a qual durante anos vociferaram na rua com seu emblemático "vaffanculo" (ou "vão tomar no cu", em português).

Enquanto isso, Luigi Di Maio, talvez o mais democrata-cristão dos grillinos, continuou fazendo o jogo político "dei due forni” (dos dois fornos), expressão cunhada pelo sete vezes primeiro-ministro Giulio Andreotti para definir o clássico jogo duplo do seu partido que permitiu, até o último minuto, manter um canal aberto com a Liga, caso todo o resto desse errado. Porque, ao chegar no fim do caminho, convém não se enganar: morrer ou viver como democratas-cristãos?

O partido, devido a este mal-estar crescente nas bases, submeterá a decisão final a uma votação numa plataforma tecnológica que batizaram como Rousseau, um instrumento crucial para articular seu falido discurso sobre a democracia direta e a participação cidadã. O problema, como sempre, é o total nível de opacidade do artefato —criado e administrado de forma privada por um dos fundadores—, além disso, o número de pessoas autorizadas a participar da votação é extremamente limitado em comparação aos seus eleitores: na última convocatória, 50.000 inscritos participaram.

Além das dúvidas que motiva, a votação, a ser realizada depois que o presidente da República tiver encarregado o futuro primeiro-ministro de formar um Governo, é vista como uma enorme descortesia institucional ao chefe do Estado. Nas formas, isso sim, os grillinos ainda continuam muito longe da lendária finezza dos democratas-cristãos.

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