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Futebol Feminista, a história da modalidade que se tornou uma causa política

Livro conta a jornada de luta das atletas brasileiras e como romperam normas que as discriminavam. “Se não tivéssemos mulheres dispostas a lutar por igualdade o futebol feminino jamais evoluiria”

Rose do Rio futebol feminino
Ruth Escobar e Rose do Rio dão pontapé inicial de jogo no Morumbi, em 1982.Arquivo Pessoal

“A mulher em campo é um ato político.”

É assim que Lu Castro, uma das maiores pesquisadoras sobre futebol feminino no Brasil, define a ocupação de espaços nas quatro linhas pelas mulheres. Em parceria com o gestor esportivo Darcio Ricca, lançou Futebol Feminista - Ensaios, um livro em processo de finalização e financiamento coletivo que destrincha como a evolução da modalidade no país foi essencialmente política e, sobretudo, impulsionada pelas reivindicações do feminismo. “É fundamental compreender do que se trata a luta feminista, e como ela beneficiou todas as mulheres, ainda mais em um meio machista como o futebol”, explica a jornalista.

Uma das motivações para a abordagem no livro veio de duas constatações dos autores. A primeira, sobre a falta de publicações e estudos contando a história do futebol feminino e suas protagonistas. Já a outra tem a ver com a relutância de parte das atletas em associar a modalidade ao movimento feminista. “Existe um estigma em torno da palavra feminismo”, diz Lu Castro. “Ainda há muitas mulheres que fazem o jogo do patriarcado e abraçam essa ideia de que feministas só querem guerra, só pensam em radicalizar. A mulher, quando ocupa um espaço tão masculino como o futebol, às vezes nem se dá conta de que isso já significa um posicionamento político. Algumas atletas, em nome da manutenção de suas conquistas no esporte ou do emprego, que ajuda a sustentar a família, acham mais cômodo se calar ou reproduzir discursos machistas para não perder o espaço.”

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Para a autora, é impossível fazer uma reconstituição cronológica da modalidade sem atrelá-la ao feminismo, justamente pelas batalhas que precisaram ser travadas fora do campo. De 1941 ao fim de 1979, as mulheres foram impedidas por lei de jogar futebol, após um decreto do Governo de Getúlio Vargas que considerava o esporte impróprio para elas devido a suas “condições de natureza”. A regulamentação só sairia três anos depois do fim da proibição, resultado da articulação política encabeçada por uma jogadora. Em 1982, ainda sob a ditadura militar, a paranaense Rose do Rio ajudou a organizar uma partida feminina no estádio do Morumbi, que contou com a presença de quase 70.000 torcedores, em meio ao Festival Nacional das Mulheres nas Artes promovido pela atriz e produtora cultural, Ruth Escobar.

A Justiça e a Federação Paulista de Futebol tentaram barrar o jogo, mas, com o apoio de jogadores do Corinthians como Sócrates e uma sacada perspicaz, atribuindo à peleja das mulheres um status de preliminar com caráter beneficente, as organizadoras conseguiram driblar o veto e dar o pontapé inicial para que o futebol feminino fosse finalmente regulamentado. Na partida, além de Rose do Rio, Ruth Escobar não só entrou em campo, como chocou as autoridades da época ao trocar camisas com outra jogadora ao fim do amistoso. Por meio de uma ação no STF, impetrada pela advogada e ex-deputada federal Zulaiê Cobra, as atletas alcançaram a liberação oficial da prática em abril de 1983.

Episódios como esse são retratados no livro, segundo Lu Castro, em formato de narrativa literária, que simula um jogo com a escalação de um time de feministas, composto por nomes como Simone de Beauvoir, Lélia Gonzalez, Marielle Franco, Joana D’Arc, Nise da Silveira e Patrícia Galvão, a Pagu. Também há contribuições de outras referências nas pesquisas sobre futebol feminino, a exemplo da professora Silvana Goellner e da historiadora Aira Bonfim, ajudando a explicar os avanços da modalidade até as recentes contratações pela seleção brasileira das coordenadoras Aline Pellegrino e Duda Luizelli, primeiras mulheres em cargos de chefia na CBF.

Futebol feminino proibido
Mulheres entram em campo no festival de futebol no Morumbi.Reprodução

“Pesquisando sobre o contexto histórico, é comum a gente se deparar com a expressão de que ‘liberaram as mulheres para jogar’. Na verdade, isso não foi uma concessão, mas fruto de muita luta e resistência de atletas, retratadas como más influências pela imprensa esportiva daquele tempo e que, mesmo assim, se recusaram a abandonar os campos”, afirma a jornalista. A autora ressalta que outros avanços conquistados este ano, como a equiparação de diárias e premiações pagas às seleções masculina e feminina, representam conquistas indissociáveis do movimento feminista. “Se não tivéssemos mulheres que metessem o pé na porta, dispostas a lutar por igualdade de direitos, o futebol feminino jamais evoluiria.”

Com ilustrações de Rafaela Maya, o livro ainda traça paralelos entre o impedimento à presença da mulher nos gramados e a saga por reconhecimento de direitos fora deles. De acordo com Lu Castro, que começou a cobrir a modalidade em 2006 e assumiu a missão de desconstruir o preconceito que ainda ronda as atletas, o principal objetivo do projeto é gerar reflexão, a partir da visibilidade às protagonistas históricas desse jogo, sobre como futebol e feminismo sempre tabelaram no campo político. “Se a leitura for capaz de despertar o interesse das pessoas pela compreensão do que é a luta feminista e de como o futebol feminino conseguiu bastante coisa pelo esforço de mulheres feministas, já vou ficar muito feliz.”

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