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Seleção começa a reparar descaso histórico com futebol feminino

CBF iguala percentual de premiação e, finalmente, contrata mulheres para chefiar a modalidade feminina após sofrer pressão por respaldar apenas homens em cargos de comando

Seleção feminina equiparação salarial
Duda e Aline são apresentadas pela CBF.Divulgação

Depois de uma Copa do Mundo que expôs não só a popularização do futebol feminino, como também as queixas das atletas por valorização e igualdade, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) decidiu, enfim, atender a um antigo pleito das jogadoras. Nesta quarta-feira, o presidente da entidade, Rogério Caboclo, anunciou de forma oficial a equiparação financeira entre homens e mulheres convocados para a seleção. Além disso, a confederação apresentou duas executivas para liderar a modalidade, a fim de sobrepor um contestado ciclo de gestão masculina.

As jogadoras ganham a mesma coisa que os jogadores durante as convocações. Aquilo que eles recebem por convocação diária, as mulheres também recebem”, disse Caboclo, explicando a nova política que vigora desde março. “Não haverá mais diferença de gênero em relação à remuneração entre homens e mulheres.” Embora o valor das diárias e de premiação em competições como a Olimpíada tenha sido equiparado ao da seleção masculina, as jogadoras ainda seguirão em desvantagem nas gratificações por desempenho em Copas do Mundo, que mantêm a proporção do montante destinado pela FIFA.

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Para as seleções femininas participantes do Mundial, a entidade máxima do futebol dobrou a premiação total na última edição da Copa, de 15 para 30 milhões de dólares. Porém, somente a seleção masculina vencedora do torneio embolsa 38 dos 400 milhões de dólares repartidos entre os homens. “O futebol continua ainda mais longe da meta da igualdade para todos os jogadores de Copa do Mundo, independentemente do gênero”, criticou a Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (FIFPro) na época do anúncio do aumento da premiação para as mulheres. A medida da CBF, portanto, garante a mesma porcentagem do prêmio financeiro às jogadoras, não a igualdade de valores.

Ainda assim, a decisão foi celebrada por atletas e personalidades do futebol feminino. “É um momento histórico. Demorou, mas aconteceu da melhor forma possível”, diz a ex-jogadora Alline Calandrini, recordando que, na ocasião em que defendeu a seleção brasileira pela primeira vez, em 2006, a diária paga pela CBF era de apenas 25 reais. O último valor antes da equiparação abrangia uma quantia 10 vezes maior. Entretanto, representava metade do que é embolsado pelos jogadores da seleção masculina em partidas no Brasil. A defasagem de remuneração motivou deserções como a da atacante Cristiane, que, em 2017, chegou a anunciar que não defenderia mais a seleção feminina e cobrou equidade da CBF. Ela mudou de ideia, disputou a Copa no ano passado e, aos 35 anos, segue com o grupo.

Tanto quanto a equiparação, atletas também comemoram as contratações de Duda Luizelli, para a coordenação das seleções femininas, e de Aline Pellegrino, que, no cargo de coordenadora de competições femininas, se torna a única mulher a integrar a diretoria da CBF. “Espero que eu seja um elo entre clubes, atletas, federações e a confederação, porque a gente está dentro da hierarquia desse processo. Venho com o objetivo na mediação entre eles, pelo desenvolvimento do futebol feminino no Brasil”, afirmou Pellegrino, que até então comandava departamento semelhante na Federação Paulista de Futebol (FPF), durante sua apresentação. “Duas mulheres no comando do futebol feminino brasileiro. Duas pessoas que sabem muito bem como fazer. Estamos sonhando com um futuro que dessa vez, sim, conseguimos enxergar”, elogiou Calandrini.

A reivindicação por mais espaço para as mulheres no comando do futebol feminino é antiga, mas se intensificou nos últimos anos, inclusive na gestão de Caboclo. Ao assumiu oficialmente a presidência da CBF, em abril de 2019, o cartola foi o responsável por bancar a permanência do técnico Oswaldo Alvarez, o Vadão, e a do médico Marco Aurélio Cunha no cargo de coordenador de seleções, apesar dos maus resultados apresentados em campo. A presença de Cunha no alto escalão da modalidade era a mais questionada, já que, antes de assumir o posto, o dirigente jamais havia se envolvido com a gestão de equipes femininas.

Sua maior ambição sempre foi se tornar presidente do São Paulo, clube do qual é conselheiro e nome influente nos bastidores. Em 2016, Cunha se licenciou do cargo na CBF por quatro meses para virar diretor temporário de seu time do coração. Na volta, causou discórdia ao bater de frente com Emily Lima, primeira mulher a treinar a seleção feminina, que ele não hesitou em demitir após 10 meses na função. A contratação da sueca Pia Sundhage para o lugar de Vadão, um ano atrás, tornou a permanência do dirigente ainda mais constrangedora, já que Cunha manifestava a predileção por um treinador brasileiro no comando da equipe.

No início de junho, a CBF informou a saída do dirigente, que teria sido sacramentada “em comum acordo”. Apesar das pressões por mais atenção e suporte às seleções femininas, inclusive por parte de Marta, maior craque da modalidade, a confederação demorou três meses para anunciar a sucessora no cargo. Por todo o descaso histórico com as mulheres, o circuito do futebol feminino, embora festeje a virada de postura iniciada por Caboclo, agora se concentra em reivindicar autonomia e respaldo da CBF para que as novas executivas continuem pavimentando o caminho, ainda distante, rumo à igualdade de gênero no esporte.

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