Censura a Carol Solberg reflete esporte reacionário e refém do poder
Advertida por manifestação política contra Bolsonaro, jogadora de vôlei foi alvo de denúncia e notas de repúdio, ao contrário de atletas que apoiam o presidente
Não há comemoração possível diante do resultado do julgamento de Carol Solberg. Na terça-feira, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do Vôlei advertiu a atleta por ter gritado “Fora Bolsonaro” ao vivo, na televisão, depois de conquistar uma medalha. Evidentemente que a advertência soa menos rigorosa que uma suspensão de seis jogos e 100.000 reais de multa, como previa a denúncia caso ela pegasse pena máxima. De qualquer forma, a reprimenda nada mais é do que censura, além de um recado claro a outros esportistas que venham a se manifestar politicamente em seus espaços de trabalho.
Entre os argumentos dos auditores do STJD que condenaram a jogadora de vôlei de praia, o principal foi um suposto prejuízo à Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) e ao Banco do Brasil, patrocinador da modalidade. O aspecto econômico é justamente o que motiva confederações internacionais de vários esportes a adotar em seus regulamentos cláusulas que proíbem manifestações políticas e religiosas por parte dos atletas durante competições. Uma maneira de garantir às empresas que patrocinam eventos esportivos a entrega de um produto asséptico, livre de qualquer controvérsia capaz de dividir ou causar desconforto ao público.
Carol Solberg não é diretamente patrocinada pelo Banco do Brasil nem recebe Bolsa Atleta, programa de incentivo a esportistas de alto rendimento do Governo Federal. Como explicou no julgamento, seu protesto foi contra o presidente da República, não contra a confederação ou o banco. “Não consegui não pensar em tudo o que está acontecendo no Brasil, todas as queimadas, a Amazônia, o Pantanal, as mortes por covid-19... Me veio um grito totalmente espontâneo de tristeza e indignação”, argumentou a jogadora. Ainda assim, parte do tribunal entendeu que a manifestação seria prejudicial ao esporte, e isso tem a ver com dois aspectos: a dependência de cartolas do aparato governamental e a perseguição ideológica imposta pelo bolsonarismo.
Mantenedor do vôlei brasileiro há mais de duas décadas, o Banco do Brasil tem seu departamento de marketing atualmente comandado por Antonio Hamilton Rossell Mourão, filho do vice-presidente Hamilton Mourão. A decisão de renovar o patrocínio à modalidade, que vence no ano que vem, passa pelo setor. Em abril do ano passado, dirigentes da CBV foram recebidos por Mourão pai, que ganhou camisas da seleção de presente. Dependentes de verba pública de patrocínio, os cartolas sabem que precisam cortejar a bola da vez no poder para manter o suporte financeiro, ainda mais sob um Governo que não se constrange em interferir nas instituições de acordo com as preferências do presidente.
Em maio, o Ministério Público de Contas mandou investigar a suspeita de interferência no Banco do Brasil pelo secretário de Comunicação do Planalto, Fabio Wajngarten, e o vereador Carlos Bolsonaro, que atacaram a decisão da entidade de retirar anúncios de um site ultradireitista após exposição pelo movimento Sleeping Giants. Pressionado, o marketing do banco voltou atrás e suspendeu o veto a propagandas na página denunciada pelo perfil por disseminação de notícias falsas. O medo de que uma nova intervenção afete a CBV, devido à manifestação de Solberg, ficou expresso no voto do relator do STJD, Robson Vieira. Ele justificou que o grito da atleta contra Bolsonaro “pode se refletir numa próxima renovação de patrocínio”.
A censura à atleta, porém, mostra que nem todos estão sujeitos às mesmas regras. Em 2018, os jogadores Wallace e Maurício Souza, da seleção masculina de vôlei, posaram para foto dentro da quadra durante o Mundial reproduzindo o número 17 com as mãos, em alusão ao apoio de ambos à eleição de Bolsonaro. Um ano atrás, o volante Felipe Melo, do Palmeiras, dedicou gol ao presidente em entrevista na saída do campo. Nenhum deles foi constrangido com notas de repúdio, denunciado, tampouco punido, como deveria ser em qualquer modalidade que preza pela liberdade de expressão.
Com Carol Solberg, filha da ex-jogadora Isabel Salgado, signatária de um manifesto crítico ao Governo Bolsonaro, o desfecho foi diferente. Punida simplesmente por emitir posicionamento político. Coincidência ou não, ela é a única mulher entre atletas que se manifestaram recentemente, repudiada por cartolas e correligionários acomodados pelas estruturas reacionárias que atrasam o desenvolvimento do esporte.