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CPI prepara escrutínio sobre acusações de propina na compra da vacina em dia de silêncio de Wizard

Apontado como membro do “gabinete paralelo” de Bolsonaro na pandemia, empresário fez uma breve apresentação mas se valeu de seu direito de ficar calado durante as perguntas

O empresário Carlos Wizard, em depoimento nesta quarta-feira à CPI da Pandemia, no Senado.
O empresário Carlos Wizard, em depoimento nesta quarta-feira à CPI da Pandemia, no Senado.ADRIANO MACHADO (Reuters)

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A CPI da Pandemia começou quente nesta quarta-feira com a convocação de 21 pessoas, incluindo o líder do Governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), um dos citados no escândalo de propina da compra da vacina Covaxin, que será ouvido na sexta-feira, 9. Os senadores votaram pelo regime de urgência a convocação de pessoas arroladas na nova crise do Governo federal aberta nesta terça, como Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da Davati Medical Supply, que afirmou ao jornal Folha de São Paulo que o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou propina de um dólar por dose durante a negociação de 400 milhões doses da vacina AstraZeneca ―embora a farmacêutica negue ter relação com essa empresa. Também o deputado Luis Miranda (DEM-DF) deve ser convocado outra vez para falar da reportagem da revista Crusoé que menciona o fato dele mesmo ter recebido oferta de propina para não atrapalhar negociação com a vacina da Covaxin.

O dia era de depoimento do empresário e missionário mórmon Carlos Wizard Martins, apontado como integrante do Gabinete paralelo que teria dado suporte ao presidente Bolsonaro em suas teses anti-ciência e fortaleciam sua defesa do tratamento com cloroquina. Wizard, porém, optou por permanecer em silêncio durante a sessão de perguntas de senadores em seu depoimento na CPI, mas passou seu recado missionário desde o primeiro momento que apareceu no Senado. Antes de destacar em sua introdução que suas relações com o Governo Bolsonaro tiveram origem na missão religiosa autoimposta de sua família, Wizard chegou à sala da comissão empunhando um papel com os dizeres “Isaias 41:10”, em menção bíblica: “Por isso não tema, pois estou com você; não tenha medo, pois sou o seu Deus. Eu o fortalecerei e o ajudarei; eu o segurarei com a minha mão direita vitoriosa”.

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Ao lado do advogado Alberto Toron, o empresário, que era esperado há semanas pela Comissão, iniciou seu depoimento justificando que se ausentou do país porque seu pai, que mora nos Estados Unidos há 30 anos, está doente. Além disso, uma de suas filhas, que também vive nos EUA, está prestes a dar à luz. Citando passagens bíblicas, Wizard afirmou que conheceu o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em 2018, durante o trabalho humanitário de sua família na Operação Acolhida, em Roraima. Pazuello chefiava a missão brasileira de acolhimento de migrantes venezuelanos na fronteira. Segundo o empresário, quando assumiu o Ministério da Saúde o general o convidou a colaborar, o que ele aceitou, mas apenas como “voluntário, empreendedor social, sem nenhum vínculo com o Governo e de forma pro bono”.

Wizard se defendeu das acusações de que participaria de um núcleo paralelo de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro na crise da covid-19. “Minha disposição de servir o país combatendo a pandemia e salvar vidas faz com que eu seja acusado de participar de um suposto gabinete paralelo. Jamais tomei conhecimento ou fui convidado de participar de um gabinete paralelo”, afirmou, ressaltando que apenas participou de reuniões públicas com Bolsonaro. Após a breve explanação inicial, o empresário informou que não responderia perguntas dos senadores, amparado na decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que lhe concedeu o direito de ficar calado e não produzir provas contra si. Ainda assim, os senadores insistiram em apresentar vídeos com declarações do empresário e questioná-lo. Até a publicação desta matéria, Wizard apenas respondeu: “Me reservo o direito de permanecer em silêncio”.

Os senadores, por sua vez, mantiveram suas perguntas expondo o tamanho da crise e provocando o empresário para que ele falasse. “Estamos diante de uma denúncia nacional, de uma propina de aproximadamente 2 bilhões de reais. Vamos investigar este rombo bilionário, essa tentativa de se desviar recurso de uma vacina que era para salvar vidas. Até aqui, 516.000 pessoas morreram”, afirmou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). “Não era negacionismo, nem uma questão ideológica, era corrupção mesmo”, completou. o relator Renan Calheiros (MDB-AL) também deixou claro que a corrupção deve ser o fio condutor da CPI. “Chegamos definitivamente a casos escabrosos de corrupção. Até então estávamos investigando o negacionismo. Agora nos deparamos com o câncer da corrupção.” A senadora Gama apelou ainda para o lado religioso de Wizard diante do seu silêncio irredutível. “Jesus esteve ao lado dos pobres e excluídos”, disse ela. Não teve sucesso, ao menos nas primeiras horas da CPI.

Nesta quinta-feira, a temperatura pode subir quando a Comissão recebe Francisco Maximiano, da empresa Precisa Medicamentos, responsável por intermediar a compra da vacina Covaxin entre a Índia e o Brasil. Na próxima terça-feira, escuta novamente o deputado Luís Miranda, nome chave que apontou as suspeitas de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin.

Acossado pela CPI da Pandemia em meio a denúncias de corrupção contra seu Governo, o presidente Jair Bolsonaro reagiu mais uma vez contra os senadores nesta quarta-feira. “Não conseguem nos atingir. Não vai ser com mentiras ou com CPI integrada por sete bandidos que vão nos tirar daqui”, discursou Bolsonaro em cerimônia de inauguração de um radar para vigilância do espaço aéreo brasileiro, em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Durante seu discurso, o presidente confirmou a quinta motociata que promoverá neste ano. A próxima manifestação em seu apoio ocorrerá entre os dias 16 e 17, em Manaus. É mais uma tentativa de simular popularidade num momento em que opositores se unem a antigos aliados nas ruas. No próximo sábado, 3, estão previstas manifestações contra o presidente nas grandes capitais em todo o país. É o primeiro ato convocado após as denúncias de corrupção na compra da Covaxin.

Crise amazonense deixa sequelas na comissão

O depoimento do deputado estadual do Amazonas Fausto Júnior (MBD), tomado pela CPI na terça-feira, deixou sequelas na comissão. Relator da CPI da Saúde no Amazonas, o deputado, que foi convocado pelo governista Marcos Rogério (DEM-RO), pouco acrescentou às investigações do Senado e, além disso, elevou os ânimos entre os parlamentares do Amazonas, Omar Aziz (PSD), presidente da CPI, e Eduardo Braga (MDB), ambos ex-governadores do Estado. Fausto Júnior levou para a CPI da Pandemia querelas políticas estaduais que enervaram e opuseram Aziz e Braga. Na tentativa de se defender das insinuações de corrupção feitas por Fausto Júnior, Aziz propôs nesta quarta-feira quebras de sigilo no âmbito estadual, que Braga bloqueou sob a alegação de que isso não caberia a uma investigação federal. Após minutos de desentendimento que paralisou os trabalhos, os dois ficaram de resolver a questão fora do horário da comissão.

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