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Estátua de Borba Gato, símbolo da escravidão em São Paulo, é incendiada por ativistas

Grupo chamado de Revolução Periférica assumiu a autoria do ato e uma pessoa foi presa. Monumento de 1963 é alvo de críticas por homenagear figura ligada à exploração e dizimação de índios e negros

Borba Gato
Chamas atingem a estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo.Thais Haliski
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Monumento às Bandeiras, em São Paulo, pichado em 2016
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People look on as an image of Harriet Tubman is projected on the statue of Confederate General Robert E. Lee in Richmond, Virginia, U.S. June 20, 2020. REUTERS/Jay Paul
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A estátua em homenagem ao bandeirante Manuel de Borba Gato (1649-1718), um dos monumentos mais tradicionais e controversos da cidade de São Paulo, foi incendiada na tarde deste sábado, 24. Um grupo denominado Revolução Periférica assumiu a autoria do ato e publicou nas redes sociais imagens do ataque. Diversos jovens mascarados de preto jogando pneus e em seguido líquido inflamável e colocando fogo. As labaredas subiram rapidamente, assim como a fumaça preta no bairro de Santo Amaro, zona sul da cidade.

Inaugurada em 1963, a estátua é alvo de críticas pelo papel de Borba Gato no avanço colonizador ao interior do país na época da mineração, tomando terras e escravizando indígenas e negros. A estátua tem 13 metros de altura e levou seis anos para ficar pronta. A obra do escultor Julio Guerra (1912- 2001) já havia sido pichada em 2016, junto com o Monumento às Bandeiras, outro símbolo da exploração colonial brasileira na cidade. Diversos grupos pedem a derrubada da estátua, em um movimento que ganhou força no ano passado após decapitações e demolições de símbolos escravagistas nos Estados Unidos impulsionadas pela onda de protestos antirracistas gerada pela morte de George Floyd.

“Borba Gato, bandeirante, foi um escravocrata responsável pela morte de povos indígenas durante a interiorização do território brasileiro. Hoje, a estátua Borba Gato, situada no bairro de nome homônimo, no distrito de Santo Amaro, presta homenagem à sua biografia genocida”, descreve uma das petições on-line direcionadas à Secretaria Municipal de Cultura cobrando a retirada da estátua. “Nós, Guarani das aldeias de São Paulo, nos sentimos humilhados todas as vezes que passamos ao lado dessa estátua. Borba Gato foi um assassino de povos indígenas e não pode ser considerado um herói”, argumenta outro abaixo-assinado.

Nas redes sociais, o grupo Revolução Periférica também aparece colando cartazes em pontos da cidade com a pergunta: “Você sabe quem foi Borba Gato?”

A Polícia Civil informou que prendeu na madrugada desde domingo um dos suspeitos, ao identificar o motorista do caminhão que conduziu parte do grupo até local e transportou os pneus. Segundo a Secretaria da Segurança Pública do Estado, a placa do veículo foi adulterada, e as investigações prosseguem para identificar e localizar os demais envolvidos.

Como contou a reportagem do EL PAÍS em 2017, a figura dos bandeirantes como símbolo paulista ganhou força na época da Revolução de 1932, quando os governantes precisava de argumentos para unir a população em torno de um sentimento comum. Assim, o bandeirante começou a ser retratado como um herói, em detrimento da história dos mais de 300.000 índios capturados e escravizados pelas bandeiras.

“A simbologia dessas homenagens tem valor e mesmo que ela não seja tão representativa como foi no passado, ainda fortalece a lembrança. Não faz sentido ter esses símbolos. Eles deveriam ser derrubados”, afirmou à época o professor Jurandir Augusto Martim, índio guarani.

Em uma publicação nas redes sociais em junho de 2020, o jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor dos dois volumes de Escravidão (Globo Livros), declarou ser contra a demolição das estátuas e outros monumentos que representam figuras hoje criticadas e revistas por pesquisadores. “Estátuas, prédios, palácios e outros monumentos são parte do patrimônio histórico. Devem ser preservados como objetos de estudo e reflexão”, escreveu.

Segundo o Corpo de Bombeiros, o fogo foi localizado e controlado rapidamente, sem causar outros danos na região. O ato ocorre num dia de protestos contra o Governo de Jair Bolsonaro. Segundo a Secretaria da Segurança, a Polícia Civil e a Polícia Militar buscam “imagens e informações que possam ajudar na identificação e localização dos autores do ato de vandalismo”.

Reportagem atualizada às 15h40 de domingo, 25 de julho, para informar sobre a prisão de um dos suspeitos.

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