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Quebra de sigilo do ‘gabinete da sombra’ deve detalhar como Bolsonaro respaldou suas teses negacionistas na pandemia

CPI quer descobrir como operava e qual a influência deles nas decisões do presidente. Senadores suspeitam que grupo ainda municie a tropa de choque que defende o Governo na investigação do Congresso

Jair Bolsonaro ao lado de Osmar Terra em encontro com médicos defensores da cloroquina, em setembro de 2020
Jair Bolsonaro ao lado de Osmar Terra em encontro com médicos defensores da cloroquina, em setembro de 2020Marcos Correa/PR
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CPI aprova quebra de sigilos de e-mails e ligações de Pazuello, Ernesto Araújo e de ‘gabinete da Saúde paralelo’
Brazil's Health Minister Marcelo Queiroga speaks during a meeting of the Parliamentary Inquiry Committee (CPI) to investigate government actions and management during the coronavirus disease (COVID-19) pandemic, at the Federal Senate in Brasilia, Brazil June 8, 2021. REUTERS/Adriano Machado
Obstinado em permanecer ministro, Queiroga expõe na CPI as barreiras impostas por Bolsonaro no combate à pandemia

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Um gabinete paralelo, ou gabinete das sombras de Jair Bolsonaro começa a ser desvelado dia a dia. Médicos, empresários, políticos e militares que municiaram de fato o presidente durante a crise do coronavírus com informações que foram contra a corrente científica para enfrentar a covid-19. Agora, eles estão na mira dos senadores da CPI da Pandemia, que busca responsabilizar o presidente pela gestão desastrosa na saúde, com quase 500.000 óbitos desde março do ano passado. Este grupo embasava as decisões de Bolsonaro de criticar o distanciamento social e, principalmente, na defesa da cloroquina e de outros medicamentos sabidamente ineficazes contra a covid-19.

Na última quinta-feira, os parlamentares deram um passo importante ao aprovar a quebra de sigilo telefônico e telemático (de e-mails e outras informações de contas na internet) de ao menos quatro supostos membros deste gabinete paralelo: os médicos Luciano Dias Azevedo e Paolo Zanotto, além do empresário Carlos Wizard e do assessor especial da Presidência Filipe Martins. A discussão sobre a existência do gabinete paralelo veio à tona no primeiro depoimento da CPI, quando o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse que o presidente era aconselhado por outras pessoas que não da sua pasta. Indagado pelo EL PAÍS, Mandetta não chegou a identificar quem eram essas pessoas.

Um dos alvos da CPI, Luciano Azevedo, é tenente-médico da reserva da Marinha. Anestesista, ele é apontado como o autor da minuta do decreto presidencial que mudaria a bula da cloroquina para que ela pudesse passar a ser usada no tratamento do coronavírus, ainda que não existam estudos confiáveis que apontem sua eficácia. A proposta foi levada a Bolsonaro em 20 de abril do ano passado. Mas, quando o Palácio do Planalto consultou o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, a sugestão foi rejeitada. O dirigente da Anvisa explicou que só quem pode modificar a bula de um medicamento é a agência reguladora do país de origem, desde que solicitado pelo detentor do registro da droga.

Há mais de uma versão sobre a maneira como esses dados chegaram ao presidente. Torres afirmou em depoimento na CPI que a sugestão fora feita por Nise Yamaguchi, uma das médicas também apontada como membro do gabinete das sombras. Yamaguchi, por sua vez, apresentou também na CPI uma troca de mensagens que teve com Azevedo, na qual ela relata ser contra o decreto porque ele iria expor negativamente o presidente Bolsonaro. A quebra de seus sigilos deverá dar um norte sobre como ocorria essa comunicação e qual foi, de fato, a sua participação nesse aconselhamento por fora do Ministério da Saúde.

Os supostos membros do gabinete paralelo tinham duas maneiras de chegar ao presidente, segundo apura a CPI. Uma seria por meio do então assessor presidencial Arthur Weintraub. A outra, por intermédio do deputado federal e ex-ministro Osmar Terra (MDB-RS). Ambos foram convocados pela CPI e devem depor em julho. Em postagens nas redes sociais no ano passado, que depois apagou, Weintraub admitia que intercedeu a favor da cloroquina junto a Bolsonaro.

Reprodução de postagem do ex-assessor presidencial Arthur Weintraub na sua conta no Twitter.
Reprodução de postagem do ex-assessor presidencial Arthur Weintraub na sua conta no Twitter.

Em entrevista no último dia 7 ao jornal Gazeta do Povo, ele negou coordenar ou fazer parte de qualquer gabinete paralelo, disse que só assessorava o presidente com informações científicas sobre o que estava acontecendo no mundo, que não tinha equipe e só intermediava o contato do presidente com alguns especialistas. “Os médicos me procuravam”, disse.

Em evento em agosto do ano passado no Palácio do Planalto, Weintraub discursou como um dos responsáveis por aproximar o presidente do grupo autodenominado “Médicos Pela Vida”, que propaga a cloroquina como remédio para tratar a covid-19.

Outro alvo da quebra de sigilo, o médico virologista Paolo Zanotto, professor na Universidade de São Paulo, foi quem cunhou o termo gabinete das sombras. Em reunião ocorrida em ambiente fechado no Palácio do Planalto e revelada pelo portal Metrópoles ele sugeriu ao presidente a criação do shadow cabinet. Na ocasião, estavam presentes Osmar Terra e Nise Yamaguchi. Zanotto. Ele é citado por vários dos defensores de Bolsonaro como um dos consultores do Planalto sobre o tema, sempre por intermédio de Weintraub, que é irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Em aparições nas redes sociais Weintraub já elogiou tanto Zanotto quanto Azevedo. Sobre o militar, Weintraub afirmou que havia mais de 300 médicos defendendo o uso da hidroxicloroquina no Brasil.

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Já Carlos Wizard, um bilionário empresário do ramo de educação, tem depoimento agendado para o próximo dia 17, mas a CPI ainda não conseguiu notificá-lo. Levantar o rastro de seus contatos é uma maneira de entender como ele influenciou o presidente nas decisões. Por um mês, Wizard atuou com consultor informal de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. E à TV Brasil, ele chegou a admitir que fazia parte de um “conselho científico independente” juntamente com quatro médicos: Yamaguchi, Anthony Wong (morto em janeiro), Dante Serra e Roberto Zeballos, ambos do tradicional hospital Sírio Libanês. Este último é um dos potenciais alvos da CPI.

Wizard chegou a ser convidado para assumir uma secretaria no Ministério da Saúde, mas acabou declinando do convite após a repercussão negativa de uma de suas metas no futuro cargo: de que iria recontar o número de mortos por covid-19 por entender que os números eram “fantasiosos ou manipulados”. Naquela período, em junho do ano passado, o Brasil havia registrado pouco mais de 35.000 óbitos.

Filipe Martins entrou no radar da CPI durante depoimento do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten. Ele citou que Martins participou de uma reunião em que era debatida a compra de vacinas. Nem Wajngarten nem Martins eram da área da saúde, portanto, nada tinham a ver com a compra do imunizante. O Senado tem resistências com ele, por ter feito gestos racistas em uma audiência no Legislativo. O assessor foi denunciado criminalmente por esse ato.

Dois senadores da CPI relataram ao EL PAÍS que acreditam que a quebra do sigilo dos dados desses membros do gabinete paralelo demonstrará que eles ainda estão em contato com outros parlamentares da base governista. E, por essa razão, havia tanta relutância entre os bolsonaristas para obter essas informações. Ao analisarem esses dados, os parlamentares querem ganhar tempo e evitar dar ainda mais palco para defensores da cloroquina, como acabaram fazendo com a médica Nise Yamaguchi no início de junho.

O médico Luciano Dias Azevedo em agosto do ano passado, no Palácio do Planalto.
O médico Luciano Dias Azevedo em agosto do ano passado, no Palácio do Planalto.Marcos Corrêa/PR

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