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Petrobras vive uma semana de pesadelo pela ingerência de Bolsonaro

Petroleira sofre um duro castigo na Bolsa pela decisão de colocar um militar no comando da estatal, que fecha 2020 com lucro de 7 bilhões de reais

Jair Bolsonaro
O presidente Bolsonaro faz uma saudação militar após sancionar a lei de autonomia do Banco Central.Joédson Alves (EFE)
Naiara Galarraga Gortázar

A Petrobras viveu uma semana muito turbulenta. A tempestade começou na quinta-feira (18) durante a live semanal que o presidente, Jair Bolsonaro, faz pelo Facebook. E acabou nesta quinta com o presidente da petroleira estatal detalhando aos investidores os lucros de 2020 vestido com uma camisa com o lema Mind the Gap (cuidado com o vão), interpretado como uma mensagem ao mandatário para que não mexa nos preços dos combustíveis. Detalhes pitorescos à parte, o embate é sério. E caro. O golpe de Bolsonaro para retirar o atual presidente e colocar um general da reserva no comando de uma das maiores empresas latino-americanas fez com que as ações da Petrobras desabassem. Desde sexta-feira 19 até que os mercados fechassem na segunda, a empresa perdeu na Bolsa 100 bilhões de reais. Os mercados castigaram outras estatais e o dólar disparou.

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An electronic board shows the index chart at the Sao Paulo Stock Exchange (B3) in Sao Paulo, Brazil, on February 22, 2021. - Shares in Brazilian state oil company Petrobras plunged more than 19 percent on February 22 after President Jair Bolsonaro changed the company's chief executive, fueling fears he will try to block further energy price hikes as he eyes re-election. (Photo by Nelson ALMEIDA / AFP)
Ingerência na Petrobras sela fim do casamento de conveniência entre Bolsonaro e o mercado financeiro
FILE PHOTO: A man walks in front of the headquarters of Petroleo Brasileiro S.A. (Petrobas) in Rio de Janeiro, Brazil March 9, 2020. REUTERS/Sergio Moraes/File Photo
Brasil se prepara para turbulência puxada por Petrobras enquanto mercados globais acumulam alta
Joaquim Silva e Luna
Bolsonaro indica general para Petrobras e põe mercado em alerta por temor de intervenção

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Após a queda na Bolsa as ações recuperaram fôlego, mas a Petrobras, controlada pelo Governo do Brasil com 50,26%, ficou ferida. Com mais de 46.000 funcionários, extrai 2,7 milhões de barris de petróleo por dia. Fundada nos anos cinquenta por Getúlio Vargas, se abriu ao capital privado nos noventa. Seu meio milhão de acionistas vivenciou uma semana muito agitada desde que Bolsonaro revelou seu afã interventor. A tendência já era ruim. As ações da petroleira perderam 25% em 2021.

O detonador do conflito é o destacado aumento do preço da gasolina e do diesel, 30% neste ano, impulsionado pelos aumentos internacionais. O assunto é politicamente muito sensível neste país imenso com um presidente que pretende a reeleição e caminhoneiros que ameaçam paralisar o país. De início, Bolsonaro anunciou que elimina temporariamente os impostos do diesel.

O assunto também coloca à prova o discurso de liberalização econômica com que o ultradireitista venceu as eleições em 2018. O presidente em final de mandato, Roberto Castello Branco, de 76 anos, formado na escola de Chicago, encarna a alma privatizadora; o aspirante a substituí-lo, o militar de carreira Joaquim Silva e Luna, 71 anos, a estatista.

A jornalista Malu Gaspar descreveu assim em uma análise no jornal O Globo o eterno dilema: “Quem sabe o Brasil sai da autocombustão e decide de uma vez por todas se quer uma Petrobras com ações na Bolsa, que assuma compromissos com os investidores, para financiar suas atividades, ou se quer uma Petrobras com função social, executora de políticas públicas e que depende do contribuinte brasileiro”. Bolsonaro respondeu com clareza na quinta-feira. “Uma estatal, seja qual for, precisa ter uma função social”. Para acalmar todos os mercados retomou os planos privatizadores. Aprovou um decreto para privatizar a estatal de energia Eletrobras, sancionou a lei que dá autonomia ao Banco Central e entregou ao Congresso o plano para vender os Correios. Com Silva e Luna, um terço das estatais brasileiras estará sob a direção de homens das Forças Armadas, da ativa e reformados.

O presidente cessante da Petrobras, Roberto Castello Branco, vestindo um camiseta com o slogan "cuidado com o vão", interpretado como uma mensagem a Bolsonaro.
O presidente cessante da Petrobras, Roberto Castello Branco, vestindo um camiseta com o slogan "cuidado com o vão", interpretado como uma mensagem a Bolsonaro.SERGIO MORAES (Reuters)

A petroleira fechou o 2020 pandêmico com um lucro de 7 bilhões de reais. Castello Branco aproveitou a apresentação dos resultados anuais na quinta-feira passada, dia 24, para reivindicar seu legado, que inclui os lucros de 2019, os maiores da história graças à venda de ativos. Frisou que reduziu a dívida “em quase 196 bilhões de reais em dois anos” e defendeu sua política de preços: “Os preços abaixo do mercado internacional geram consequências negativas”. Também mencionou as descomunais perdas da última intervenção governamental para controlar os preços dos combustíveis. Foram 217 bilhões de reais na época de Dilma Rousseff. Foi uma surpresa sua aparição usando, em vez do terno, uma camisa com a frase Mind the Gap. A frase, lema do metrô de Londres, protagonizou uma campanha da petroleira em 2019 sobre suas intenções de fechar a lacuna de eficácia que a separa das principais empresas internacionais. Castello Branco falou por videoconferência de sua casa, transformada em escritório há um ano. O fato de se manter recluso é outro dos motivos pelos quais Bolsonaro, que ainda reúne multidões e, apesar dos 250.000 mortos acumulados, despreza a máscara, o considera inadequado ao cargo.

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O atual diretor é um aliado próximo do ministro da Economia, o ultraliberal Paulo Guedes, que permanece com Bolsonaro apesar da pandemia e os interesses eleitoreiros do mandatário terem freado seus ambiciosos planos de reformas econômicas. O ministro que chegou com a missão de enxugar o Estado manteve um notável silêncio durante a tempestade da Petrobras. Quando por fim falou foi para insistir na necessidade de “desbloquear a agenda econômica” sem mencionar a estatal. As reformas fiscal e administrativa estão em trâmite no Congresso.

Os onze membros do conselho de administração se submeteram à ordem presidencial e tudo parece encaminhado para que o general da reserva assuma o comando em meados de março, quando acabarem os dois anos de mandato do presidente atual.

Thiago de Aragão, da consultoria de riscos Arko, disse em um tuíte que “o que causou preocupação (aos investidores) não foi a nomeação (do militar) e sim a forma e o contexto em que Castello Branco foi destituído”.

Esta crise é um novo revés ocorrido somente um ano após a Petrobras voltar a ter lucro depois da descomunal crise causada pelas sistemáticas propinas que durante anos acompanharam seus contratos, reveladas pela operação Lava Jato.

Na quinta-feira 17, o mandatário demonstrou no Facebook sua irritação com os constantes aumentos dos combustíveis. Além de criticar o principal executivo da estatal por não impedir os aumentos, afirmou: “Nos próximos dias alguma coisa vai acontecer na Petrobras”. A advertência se materializou 24 horas depois, com os mercados já castigando a empresa, no formato de comunicado ministerial tuitado pelo presidente da República. O general da reserva que presidia a hidrelétrica de Itaipu, na fronteira com o Paraguai e a Argentina, abandonou o cargo para substituir o defenestrado Castello Branco.

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