Ações da Petrobras desabam após ingerência de Bolsonaro
Mandatário brasileiro decidiu na semana passada trocar o presidente da estatal após seguidas altas no preço do diesel para agradar a categoria dos caminhoneiros, uma de suas principais bases
A Bolsa de São Paulo começa nesta segunda-feira um pregão nervoso, após a intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras. Os papeis da empresa caíram mais de 15% na abertura dos mercados na expectativa da reunião do conselho de administração desta terça-feira, que deve confirmar ou não a troca na direção determinada pelo presidente. O mandatário brasileiro indicou para o cargo o general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa e atual diretor-geral da hidrelétrica Itaipu Binacional, em substituição a um dos chicago boys de Paulo Guedes, o economista Roberto Castello Branco ―ex-diretor do Banco Central e da mineradora Vale. A interferência ocorreu depois da ameaça de greve de caminhoneiros, grupo base do bolsonarismo, por conta do aumento no preço do diesel. O Ibovespa, principal índice do mercado nacional, teve queda de 4%, para 112.819 pontos, na abertura às 10h28. O dólar abre em alta e dispara 2,50%, a 5,51 reais para venda, às 10h40.
Não está claro se haverá um divórcio entre o mercado financeiro, também uma importante base de apoio do presidente, e esse modelo de liberalismo onde as Forças Armadas assumem um papel de regulador para acalmar os ânimos de Bolsonaro. Mas, neste primeiro momento, os estragos serão sentidos pelos investidores. Vários bancos de investimentos mudaram para venda a recomendação dos papeis da petroleira, com medo da instabilidade causada pela ação do Governo na Petrobras. “Não há mais como defender; Rebaixamos para VENDA”, afirmou a XP Investimentos em relatório divulgado para seus investidores.
A decisão da troca do comando da estatal petrolífera aconteceu na sexta-feira passada, um dia após o presidente, irritado com os novo aumento dos combustíveis, vinculado à variação dos preços internacionais, criticar a Petrobras em uma transmissão ao vivo nas redes sociais e informar que, a partir de 1º de março, o imposto federal sobre o diesel será zerado por dois meses. O temor de uma interferência na política na estatal já havia repercutido no mercado financeiro e fez as ações da Petrobras despencarem quase 8% no último pregão.
A decisão de Bolsonaro tem como objetivo acalmar a categoria dos caminhoneiros, que, desde o início do ano ameaça convocar uma greve geral por causa do aumento no preço do diesel. “Parecia exorcismo quando eu falei que não ia prorrogar por mais dois anos o mandato do cara [Castello Branco] lá. Compromisso zero com o Brasil. Nunca ajudaram em nada. Não é aumentando preço de acordo com o petróleo lá fora e o dólar aqui dentro. É mais do que isso. A preocupação é ganhar dinheiro em cima do povo. Não justifica 32% de reajuste no diesel no corrente ano. Ninguém esperava essa covardia desse reajuste agora. Ninguém quer interferir, assim como não interferi na Petrobras, mas estão abusando”, disse o presidente.
A XP Investimentos considerou a decisão de Bolsonaro negativa do ponto de vista de governança, uma vez que ameaça a independência administrativa da estatal. “Vemos a proposta de mudança de gestão como um retrato dos riscos para a manutenção da política de preços de combustíveis da Petrobras em linha com referências internacionais”, afirmou a empresa.
No final de semana, o presidente ameaçou ainda intervir no setor elétrico. “Assim como querem nos derrubar na pandemia pela economia ―fechando tudo― agora resolveram atacar na energia. Vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema”, afirmou Bolsonaro na noite de sábado, em conversa com apoiadores na porta do Palácio da Alvorada, sem esclarecer que tipo de ataque será este. A fala do presidente repercutiu negativamente nos papeis da Eletrobras. As ações ordinárias (com direito a voto) da Eletrobras caiam 9,75%, na manhã desta segunda-feira, a 26,27 reais cada. As ações do Banco do Brasil também caíram mais de 9% na abertura do mercado, já que analistas agora temem intervenções do governo Bolsonaro no banco.
Teste para Guedes
A reunião do conselho de administração da Petrobras desta terça será um teste para real influência do ministro da Economia, Paulo Guedes, que indicou Castello Branco para o comando da estatal. O Governo tem maioria no colegiado de 11 membros que vai deliberar sobre a troca do presidente. Bolsonaro defendeu na manhã desta segunda-feira sua decisão de trocar o comando da Petrobras. “O que eu quero da Petrobras é transparência e previsibilidade”, resumiu, ao criticar os aumentos nos preços dos combustíveis.
O mandatário destacou que é “direito dele” não reconduzir Castello Branco como presidente da estatal, comentando que “alguns do mercado financeiro estão muito felizes com a política que só tem um viés na Petrobras: atender os interesses próprios de alguns grupos no Brasil”. “A Petrobras, num Estado de calamidade, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, tem de olhar para outros objetivos também”, disse o presidente, que defendeu a gestão do general Joaquim Silva e Luna, indicado para ele para substituir Castello Branco, à frente de Itaipu.
“O atual presidente da Petrobras está 11 meses em casa, sem trabalhar. Trabalha de forma remota. Agora, o chefe tem de estar na frente, bem como seus diretores. Para mim isso é inadmissível. Descobri isso há poucas semanas. Imagine eu, presidente, em casa, ficando aqui o tempo todo, no Alvorada. Não justifica isso aí”, disse Bolsonaro na porta do Alvorada, estendendo suas críticas aos servidores da estatal. “Agora o petróleo é nosso ou é de um pequeno grupo no Brasil? Ninguém vai interferir na política de preço da Petrobras. Eu não consigo entender, num prazo de duas semanas, tem um reajuste no combustível, no diesel, em 15%. Tem coisa aí que tem de ser explicada. Eu exijo transparência de quem é subordinado meu”, disse levantando dúvidas sobre “a política salarial do presidente [da Petrobras] e de seus diretores”.
A expectativa é que a intervenção de Bolsonaro terá um efeito parecido com o Joesley Day no mercado financeiro. Em 17 maio de 2017, quando a delação de Joesley Batista, dono da JBS, derreteu o Ibovespa em 8,8%, a maior queda desde 2008. O dólar disparou 10%. O empresário apresentou um áudio em que aparecia Michel Temer, então presidente da República, supostamente dando autorização para a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. No médio prazo, no entanto, os efeitos no mercado financeiro foram diluídos uma vez que o temor de um impeachment ou renúncia de Temer não se concretizaram.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Mais informações
Arquivado Em
- Brasil
- América
- Economia
- Petrobras
- Jair Bolsonaro
- Governo Brasil
- Finanças
- Bolsa valores
- Bolsa São Paulo
- IBovespa
- Setor elétrico
- Diesel sintético
- Gasolina
- Caminhões
- Forças Armadas Brasileiras
- Preço gasolina
- Preço energia
- Preço combustíveis
- Preço petróleo
- Crisis económica coronavirus covid-19
- Crise econômica
- Crises políticas
- Paulo Guedes