Ingerência na Petrobras sela fim do casamento de conveniência entre Bolsonaro e o mercado financeiro
Troca de presidente da Petrobras e discurso de presidente sobre outras estatais provocam incerteza e visão de que Planalto desistiu da aposta liberal para buscar reeleição em 2022
As palavras do presidente Jair Bolsonaro garantindo que não vai intervir nos preços da Petrobras após indicar abruptamente um novo comando para estatal na sexta-feira não foram suficientes para acalmar um antigo aliado de conveniência desde a campanha eleitoral de 2018, o mercado financeiro. As ações da estatal derreteram 19,96% no fechamento desta segunda-feira, após um dia de forte queda de 4,8% da Bolsa de São Paulo, a B3. Desde a sexta, a empresa já perdeu 100 bilhões de reais em valor de mercado. A crise é tanto uma resposta ao anúncio da troca do presidente da empresa como a declarações de que mais mudanças em estatais podem estar pela frente. Bolsonaro informou que indicará o general da reserva Joaquim Silva e Luna para o posto do atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, dias após se irritar com os novos aumentos dos combustíveis determinado pela estatal com base na variação dos preços internacionais. Nesta terça-feira, uma reunião do conselho de administração deve confirmar ou não a troca na direção determinada pelo presidente.
“Talvez esteja finalmente caindo a ficha do mercado [financeiro] de que o Governo Bolsonaro nunca foi liberal”, afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Para Vale, a decisão de Bolsonaro de intervir na Petrobras, ao nomear o general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa e atual diretor-geral da hidrelétrica Itaipu Binacional, no lugar de um executivo de confiança do ministro da Economia, Paulo Guedes, mostra que o presidente resolveu abraçar um “oportunismo político” de olho nas eleições de 2022. “Bolsonaro e seu entorno têm uma visão desenvolvimentista estatizante, mais parecida com o que era o período da ditadura militar”, afirma o economista.
O presidente foi eleito com o beneplácito ativo dos agentes financeiros e grandes empresários com base na promessa de que deixaria a gestão da parte econômica com o “posto Ipiranga”, Paulo Guedes, o garantidor da cartilha liberal. De lá para cá, no entanto, Guedes perdeu o status de superministro e na crise da Petrobras resolveu se calar e tentar jogar os holofotes para outra agenda delicada: a aprovação tanto do orçamento como da chamada PEC emergencial, uma emenda à Constituição que propõe uma série de medidas de corte de gastos para, na visão do ministro, bancar a extensão do auxílio emergencial para os vulneráveis na pandemia.
É neste panorama que os recentes rompantes intervencionistas de Bolsonaro trazem memórias das políticas do Governo Dilma Rousseff, que foram amplamente combatidas pelo mercado financeiro. A redução de 18% na energia, em março de 2013, e outras medidas para segurar na marra preços ao consumidor e a inflação são consideradas por muitos analistas como uma das causas da crise econômica iniciada em 2014, que veio a culminar com o impeachment da presidente em 2016. “Quem acreditou que Bolsonaro era liberal e que Guedes iria controlar o presidente, foi iludido”, afirma Vale, que vê Guedes como um ministro enfraquecido e isolado frente a agenda política do presidente.
Vale explica que tentar controlar o preço dos combustíveis no cenário atual é como “tapar um buraco dentre os buracos” e que o cenário não é o mesmo do Governo Dilma, onde o problema era a alta do petróleo. Hoje diversos fatores estão pressionando os preços dos combustíveis como alta das commodities (metais), recuperação da China, dólar desvalorizado, câmbio depreciado e a pandemia ainda presente. “Nossa expectativa é que teremos um aumento de juros este ano. E o presidente vai fazer o quê, ameaçar o Banco Central?”, diz Vale.
“Petróleo é nosso ou é de um pequeno grupo?”
Bolsonaro repetiu nesta segunda-feira que não pretende alterar a política de preços, mas afirmou que “tem coisa que tem que ser explicada” sobre os reajustes. O presidente afirmou que as reações dos agentes financeiros à troca no comando da Petrobras significam que parte do mercado financeiro apoia uma política que só atendia a “alguns grupos”. “Sinal que alguns do mercado financeiro estão muito felizes com a política que só tem um viés na Petrobras: atender aos interesses próprios de alguns grupos do Brasil. Nada mais além disso”. “O petróleo é nosso ou é de um pequeno grupo no Brasil?”, completou.Sobre os preços dos combustíveis, Bolsonaro afirmou que quer “números concretos” da empresa, inclusive sobre o salário do presidente.
Todos os discursos de Bolsonaro visam acalmar uma das categorias estratégicas que o apoiam, a dos caminhoneiros. Antes da mudança na Petrobras, o presidente anunciou a redução do tributo federal do diesel nas refinarias, que será zerado, por 60 dias. A ação não foi bem vista pelo mercado, já que a medida causará impacto bilionário nas contas do Governo. O presidente não deu detalhes de qual seria a estimativa de perda de arrecadação e tampouco como ela será compensada nas contas públicas, que estão no vermelho há mais de seis anos.
Na avaliação do economista Sandro Cabral, do Insper, a estratégia é “populista” já que o presidente propõe uma solução simplista para algo muito complexo. “Alguém fez conta disso? E como vai afetar na arrecadação e nas contas públicas? Quais são os impactos dessa renúncia fiscal, por que só dois meses? É o tempo que vai durar a volatilidade lá fora? É tudo muito amador”, afirma. Ainda segundo Cabral, com a forte volatilidade dos preços seria preciso ter um “Governo com sensatez” para construir uma verdadeira política para suavizar preços. “Pode até fazer via imposto, deixar o tributo em uma altura, quando sobe muito lá fora, você diminuiu um pouquinho e quando estiver em baixa, não baixa tanto para recompor um fundo. Mas requer uma equipe técnica que realmente calcule e estude uma proposta. E essa equipe do Paulo Guedes não parece pensar nesse tipo de estratégia”, afirma.
Nesta segunda-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão chegou a defender a criação de um fundo para “amortecer” os reajustes. “Na minha visão, a solução para isso é se a gente conseguisse criar um fundo soberano com base nos royalties do petróleo. E esse recurso, quando houvesse essas flutuações, fosse utilizado para amortecer os aumentos. Não tem outra solução fora disso aí”, afirmou. Ele ainda minimizou as reação do mercado nesta segunda-feira. “Isso tudo é especulação. Mercado é rebanho eletrônico. Sai correndo para um lado, daqui a pouco eles voltam correndo de novo. Não vejo que vai prejudicar demais isso.”
Mourão disse ainda que Bolsonaro não está interferindo na estatal e que houve um problema de “confiança” entre ele e Castello Branco. Na avaliação de Sandro Cabral, Bolsonaro pode até pressionar para ter mais controle sobre o conselho de administração da petroleira, mas ao tentar políticas que vão na contramão da paridade internacional, afugentaria investidores importantes do país, que perderiam a confiança na política econômica, pois gera um sentimento de falta de governança e arbitrariedade. “Ele espanta qualquer investimento por exemplo em infraestrutura. Gera uma desconfiança no país”, diz.
Setor energético
Para os agentes de mercado, a guinada de Bolsonaro gera grande incerteza, na medida em que a intervenção pode atingir também outras estatais. Para Cabral, há espaço para que Bolsonaro amplie sua agenda política para outros setores, como o de energia, cujo aumento de 13% nos preços da tarifa neste ano também foi alvo de críticas do presidente. “Não tem milagre, o presidente quer soluções de curto prazo para problemas que não têm uma solução de curto prazo”, afirma.
Luiz Fernando Leone Vianna, CEO da Delta Energia Asset Management, diz que a afirmação de que o presidente iria “meter o dedo” no setor de energia também teve impacto nas empresas negociadas em Bolsa. A fala fez os papeis da Eletrobras também levarem um tombo nesta segunda-feira. Mas há um lastro de realidade na fala de Bolsonaro. Várias medidas já vinham sendo negociadas com o Governo federal para tentar reduzir o valor da conta de energia, que, apesar de ter como base uma matriz considerada econômica, é uma das mais caras do mundo. Dentre as ações está a aprovação no Senado de uma medida provisória que remaneja recursos no setor elétrico para permitir a redução de tarifas de energia. Outra medida possível, mas parada no Congresso, é a antecipação da Lei do Gás, que estabelece um novo marco regulatório para atrair investidores para o setor de gás natural, uma commodity em abundância na região do pré-sal.
“Qualquer atitude que deva ser tomada não pode ser heterodoxa, que é o que o Governo Dilma fez com a intervenção no mercado”, afirma Vianna. No curto prazo, a redução de tributos ―que representam cerca de 50% do valor da conta― seria a saída mais rápida para desafogar o consumidor.
No início do mês, Bolsonaro também deu a entender que poderia fazer mudanças no Banco do Brasil. Após ter sido informado que o BB pretendia fechar 361 unidades, entre agências e postos de atendimento, e desligar 5.000 funcionários por meio de um programa de demissão, o presidente anunciou a intenção de demitir o presidente da instituição, André Brandão, fazendo os papeis do banco caírem quase 5%. No pregão desta segunda-feira, as ações ordinárias do BB voltaram a cair e fecharam com queda de 11,06%.
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