_
_
_
_

As redes de esquerda odeiam a deputada Tabata Amaral. Por quê?

Núcleo investiga a razão de xingamentos, desinformação e ameaças contra a pedetista. A bronca pode vir do conflito entre visibilidade política e a declaração de posicionamento ideológico

A deputada Tabata Amaral.
A deputada Tabata Amaral.Rodolfo Almeida/Núcleo

Na tarde de quarta-feira, 7 de abril de 2021, as bolhas de esquerda do Twitter repercutiram a abstenção da deputada Marília Arraes (PT) na votação de um projeto de lei sobre compra de vacinas pelo setor privado. Curiosamente, o nome que subiu nos trending topics por conta dessa repercussão foi o da deputada Tabata Amaral (PDT).

Embora tenha votado contra essa legislação, o nome de Tabata foi pejorativamente jogado no meio da conversa como comparação com a posição assumida pela deputada do PT, a qual confundiu e contrariou muitos de seus apoiadores. O caso é curioso, mas não chega a ser novidade: Tabata Amaral é um frequente alvo da esquerda nas redes sociais.

Pouco mais de dois anos adentro do mandato de Jair Bolsonaro e de um ano sepulcral de pandemia que já deixou mais de 300 mil mortos, a esquerda ainda sofre para se organizar nas redes sociais de forma coesa e unificada, mesmo com a aproximação das eleições de 2022.

No entanto, há alguns assuntos para os quais muitos representantes de partidos e militantes de esquerda conseguem alguma confluência, como denunciar a retórica de Bolsonaro e as políticas de seu governo. E também os ataques a Tabata. “Quando alguém da direita me ataca, não é muito diferente das razões pelas quais ataca o Felipe Neto, por exemplo. É embate… você joga a luz, você marca posição”, disse Tabata em entrevista ao Núcleo. “Quando alguém da esquerda me ataca, é disputa de poder, é disputa de espaço, é disputa de campo.”

Eu já recebi ameaça de morte e de estupro dos dois lados
Tabata Amaral, deputada pelo PDT-SP

Em 12 de março, dia da aprovação em segundo turno da PEC Emergencial na Câmara dos Deputados, não foi diferente.

Uma análise do Núcleo de 30.000 tweets que mencionam o termo “Tabata Amaral” nessa data identificou que críticos da esquerda foram implacáveis e repetitivos em suas mensagens, e muitos de seus argumentos partiram de afirmações fora de contexto, desinformação ou insultos à congressista.

O Núcleo fez um recorte com os 50 tweets que tiveram mais interações, num total de 258 mil curtidas + retweets, e chegou a três conclusões:

  1. 26 tweets (52%) continham algum xingamento, ofensa ou insinuação mentirosa sobre Tábata;
  2. 19 tweets (38%) continham desinformação sobre a PEC para criticá-la (dizendo que congelava salário de servidores por 15 anos);
  3. 42 tweets (84%) continham pelo menos ou ofensa ou desinformação.

Algo similar foi observado também no Facebook, inclusive repercutindo posts no Twitter.

Tabata e a PEC Emergencial

Polêmica da PEC

A desinformação dizia que a PEC congelaria o salário de servidores públicos por 15 anos, o que não é bem assim, de acordo com economistas, incluindo a professora da USP Laura Carvalho, tradicionalmente alinhada com a esquerda política. Isso não impediu que o argumento fosse usado contra Tabata.

“Você pega, por exemplo, o meu voto na PEC emergencial, aí começaram a dizer que eu tinha votado pra congelar salário de professor por quinze anos. O que não encontra nenhum eco na lei que foi aprovada”, disse Tabata.

Tabata é filiada a um partido tradicionalmente de esquerda e diz se identificar com muitos temas alinhados à agenda progressista. Por exemplo, segundo a ferramenta Elas No Congresso, da revista AzMina, Tabata fica em 31º (dentre todos os deputados) no ranking da Câmara sobre direitos das mulheres, empatada em pontuação com Gleisi Hoffmann (PT), e com apenas um ponto a menos do que Marília Arraes.

Ela, no entanto, reconhece abertamente uma orientação por pautas econômicas que conflitam com sua posição de costumes. “Sim, eu tenho um posicionamento que é de esquerda nas pautas sociais, mas que é de centro na pauta econômica”, disse.

A bronca da esquerda tuiteira com Tabata pode vir do conflito entre sua visibilidade política e sua declaração de posicionamento ideológico.

“Essa combinação de identidade autoproclamada de esquerda, somada à visibilidade que ela tem, fez com que algumas posturas dela desafiassem os cânones da esquerda e foram profundamente incômodas… Representa a esquerda que a esquerda hegemônica não gosta”, avalia Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas na USP e coordenador do Monitor Digital, que acompanha o debate político nas redes.

“Ela tem sido mais aberta [a pautas liberais] e a estratégia tem sido de votar e fazer emendas, votar a favor e tentar modificar. Essa sinalização para o liberalismo a torna uma figura incômoda para a esquerda.”

Mas o problema não são apenas as críticas, que ela diz receber bem. Uma coisa é a discordância com o posicionamento dela e com as políticas que apoia, mas os ataques começaram a tomar outros contornos, incluindo xingamentos e ameaças.

“Eu não sei como dizer de forma mais clara do que eu incomodo porque eu apareço. Ninguém estaria batendo em mim e me escolhendo como o oponente dentro do campo progressista se aquilo não chamasse atenção. Por que tantas matérias que não tem nada a ver comigo são escritas com meu nome no título?”, disse Tabata.

“Tem alguma coisa que faz com que meu nome dê clique, que chame atenção. E isso causa medo, há uma disputa mesmo, de ‘olha, tem alguém chamando mais atenção do que a gente – vamos destruir essa pessoa’”, disse.

Nem pra esquerda nem pra direita

Muitas críticas contra Tabata quase ignoraram os outros deputados de seu partido PDT que votaram da mesma forma – apenas um dos 50 tweets analisados pelo Núcleo os mencionou no caso da PEC Emergencial. Outros políticos de esquerda podem até virar alvo de críticas, mas dificilmente sofrem a mesma intensidade de ataques.

Marcelo Freixo, do PSOL, por exemplo, tem incomodado profundamente parlamentares de seu partido ao acenar para o centro político, mas nem por isso sofre insultos e fake news do mesmo nível de seu próprio campo político. Ele sofre inúmeras ameaças e assédio da direita, mas nada parecido com a esquerda. O caso de Freixo é bem diferente, mas ilustra como funcionam os ataques selecionados da esquerda especificamente contra Tabata.

Desde a votação da reforma da previdência, aprovada em 2019, ela tem sido alvo. De fato o alinhamento dela nessa e em outras votações importantes conflitou com os interesses de partidos como PT e PSOL, e até mesmo do PDT, a ponto de dizerem que ela é alinhada ao governo, “bolsonarista” ou “fascista”, ou que deveria entrar no neoliberal Partido Novo.

Há muito mais nuance, claro. Ela não está alinhada aos partidos mais oposicionistas, mas também se afasta daqueles mais governistas, como mostra análise do Núcleo com dados de taxa de governismo calculados pelo pesquisador da UFMG Fernando Meireles.

Tabata Amaral governismo

Comparando essa taxa, que mede um alinhamento ao líder do governo na Câmara dos Deputados, com os deputados medianos de vários partidos, vemos que seu histórico de votação a coloca entre diferentes partidos - de um lado PT, PDT, PSOL e PSB e, de outro MDB, DEM, PSDB e Novo.

Tabata foi a 131ª deputada mais oposicionista da Câmara tanto em 2019 quanto em 2020. Colocando esta posição em perspectiva, os deputados menos oposicionistas do PSOL foram os 16º e 10º do total da Casa nesses dois anos.

No próprio partido da deputada há deputados menos oposicionistas que ela. Em 2019 e 2020, Gil Cutrim foi o deputado “menos oposicionista” do PDT (146 e 262, respectivamente).

Tabata foi articuladora bem importante para a reforma da Previdência ser menos dura para os trabalhadores. Essa opção mais pragmática embaralha tudo, a joga num lugar intermediário e faz com que seja vista como o inimigo
Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP

“Componente forte de machismo”

A deputada também atribui parte dos ataques que recebe da esquerda ao fato de ela ser mulher e jovem.

“Tem uma linha muito bem traçada para a mulher que pode estar na política: se é na direita é aquela mulher que é contra o feminismo, que fala grosso e não sei o que; se é na esquerda, também tem um pouco dessa dessa mulher que fala grosso, mas só tem a pauta identitária. Eu fujo do caminho que traçaram. Então essa é uma afronta muito grande”, disse ela.

“Do ponto de vista do Ciro Gomes, ele encara como uma desobediência de uma menina [sobre a reforma da previdência]. E você pode ver isso em todas as falas, que ele diz que está ferido como pai, se eu não segui o que ele disse. Então, tem um componente forte de machismo”, acrescentou Tabata.

Muitos dos políticos e militantes de esquerda que a criticam duramente nas redes sociais negam que há machismo envolvido, enumerando motivos para tais críticas.

“Eu nunca fiz uma crítica no sentido agressivo, no sentido de gênero ou qualquer coisa assim, até porque respeito a posição dela, só penso no que a gente pensa ao trazer ela como uma personagem progressista. Mas ela, no meu ponto de vista, é uma personalidade conservadora”, disse ao Núcleo o vereador porto-alegrense Leonel Radde (PT), que fez algumas críticas a ela no Twitter.

Radde mencionou também o alinhamento de Tabata com uma frente conservadora da Câmara que queria pressionar por educação domiciliar (homeschooling), pauta que ela já sinalizou em 2019 não ser contra, desde que regulamentada, como explicou num texto publicado em suas redes, em que fazia ponderações às intenções do Governo. Mas mesmo assim vai contra os preceitos da esquerda.

Essas pautas que os grupos conservadores tentam se apropriar… e aí tem aqueles cálculos de quantas vezes ela votou com o Governo, né? E não é um número desprezível. E sabendo que é um Governo extremamente conservador, um Governo extremamente liberal, isso é representativo
Leonel Radde, vereador pelo PT em Porto Alegre

A formação da deputada também faz com que parte da esquerda olhe com certo desdém para ela. Tabata fez parte da escola de formação de políticos RenovaBR, que elegeu 17 políticos de sete partidos diferentes (inclusive de esquerda) em 2018 como parte de um movimento de renovação de lideranças políticas, financiado por investidores e empresários como pessoa física e por isso associado ao liberalismo econômico.

“E aí tem toda essa situação do Lehman Brothers [sic], como que ela foi financiada, como é que ela foi, digamos, forjada nessa construção política dela. E então, frequentemente, ela faz essas ponderações muito ligadas ao neoliberalismo mesmo”, disse Radde.

Ele provavelmente não quis se referir ao banco norte-americano que faliu em 2008 e culminou em uma das piores crises do sistema financeiro global, e sim a Jorge Paulo Lemann, um dos homens mais ricos do Brasil. Tabata foi fellow de um dos programas da fundação que leva o nome do empresário, e tendo sido criticada por isso no passado.

Como fizemos isso

O Núcleo classificou à mão os 50 tweets com mais engajamento que mencionaram o termo “Tabata Amaral” em 12 de março de 2021.

A taxa de governismo foi calculada por Fernando Meireles a partir da diferença absoluta do escore da preferência em votação estimada para o líder de governo e para cada deputado/a obtido por meio de um algoritmo de Optimal Classification.

Ele usou como base votações nominais na Câmara dos Deputados, excluídas votações não conflitivas (aquelas com menos de 2% de deputados contra a maioria) e deputados/as com pelo menos 10 votações. Este índice foi transformado numa escala que varia entre 0 e 100, sendo o valor máximo o alinhamento total com o líder de governo.

A partir desses resultados, ranqueamos os deputados do mais oposicionista ao mais governista, bem como extraímos os valores (score e posição) dos/as deputados/as que representam a mediana de cada partido.

Entrevistamos Tabata Amaral em 22.mar.2021, depois Pablo Ortellado e por fim Leonel Radde, dia 5.abr.2021.

Análise: SÉRGIO SPAGNUOLO e LUCAS GELAPE / Arte: RODOLFO ALMEIDA / Edição: ALEXANDRE ORRICO

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_