Emaranhado de recursos favorece Flavio Bolsonaro, que ganha tempo no escândalo das rachadinhas

Senador ganhou mais 14 dias de respiro com o adiamento da análise de seus recursos para barrar investigação no STJ. Defesa também tenta congelar ação no STF e na segunda instância

O senador Flávio Bolsonaro observa seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, em 27 de janeiro.UESLEI MARCELINO (Reuters)
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Quando o assunto é processo judicial, o tempo parece correr mais devagar para o senador Flávio Bolsonaro do que para outros investigados. O adiamento na noite de terça-feira do julgamento de três recursos do parlamentar no Superior Tribunal de Justiça que tentam barrar o inquérito que apura a prática de confisco de salário de funcionários de seu gabinete quando deputado estadual —conhecida como rachadinha—, é mais uma na série de vitórias do primogênito do clã Bolsonaro, o 01. Este atraso de 14 dias até a próxima sessão da Corte se soma a anos de aparente morosidade do Judiciário com relação ao caso de Flávio em diversas esferas, com o processo atolado em uma torrente de manobras exitosas dos advogados do senador e outras que contaram com a participação do próprio presidente da República.

O tema das rachadinhas é dos mais sensíveis para o clã Bolsonaro. A possível condenação do primogênito em um momento político delicado de pandemia de covid-19, crise econômica e dúvidas sobre o futuro da aliança do Planalto com Centrão no Congresso, poderia ser desastrosa para um Governo que se ancora em discursos de moralidade. Prova disso são os diversos ataques lançados pelo presidente às autoridades fluminenses a quem acusa sem provas de perseguir Flávio para tentar atingi-lo politicamente. Em janeiro, por exemplo, ele chegou a fazer uma ameaça velada ao Ministério Público do Rio de Janeiro, indagando como o órgão reagiria se o filho de um de seus integrantes fosse delatado como traficante internacional de drogas.

O presidente fez diversas movimentações envolvendo o comando da Polícia Federal no Rio, intervindo diretamente pela troca de delegados com o objetivo de ter mais controle e informações privilegiadas sobre casos envolvendo seus familiares —um dos fatores alegados por Sergio Moro para abandonar o Governo. Outros órgãos públicos subordinados ao Planalto também se envolveram, conforme aponta reportagem da revista Época, segundo a qual a Agência Brasileira de Inteligência produziu relatórios para auxiliar a defesa de Flávio.

Em uma sessão que durou quase cinco horas nesta terça, os ministros da Quinta Turma do STJ dedicaram pouco mais de cinco minutos à discussão do caso do parlamentar, tempo o bastante para que Félix Fischer, relator do processo, pedisse vista (mais tempo para análise). A expectativa é de que o caso volte à pauta do colegiado apenas no dia 23.

O caso analisado pela Corte começou a ser julgado em novembro de 2020, mas foi suspenso após pedido de vista feito pelo ministro João Otávio de Noronha, que é próximo de Bolsonaro e já adiantou seu voto no sentido de acatar o pedido da defesa. Os advogados de Flávio sustentam que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o MP-RJ cometeram ilegalidades durante a condução do processo e a etapa de coleta de provas, que teria sido feita sem as devidas autorizações legais —e logo inválidas para o processo. Também questionam a validade das decisões da primeira instância no caso, uma vez que o direito ao foro especial foi reconhecido pela Justiça do Rio.

Se o STJ acatar os recursos de Flávio, o processo volta à estaca zero e o primogênito do clã Bolsonaro ganhará ainda mais tempo e se livrará temporariamente ao menos de um dos maiores incômodos para a família nos últimos anos. Mesmo que a Corte opte por validar o material, o caso ainda está longe do fim.

O processo das rachadinhas de Flávio começou mais de dois anos atrás, em dezembro de 2018, quando o Coaf identificou uma série de movimentações financeiras consideradas suspeitas nas contas do ex-policial e ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Os valores eram superiores a 1,2 milhão de reais, incompatíveis com a renda do servidor. Conforme o Coaf e o MP-RJ foram se aprofundando no caso, chegaram indícios de que havia um esquema de confisco de salários no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, com depósitos e transferências fracionados para sua conta corrente (um dispositivo frequente utilizado para não chamar a atenção das autoridades fiscais e bancárias). A compra de imóveis em dinheiro vivo pelo senador e a contratação de funcionários fantasma a seu serviço na Assembleia Legislativa também ajudaram as autoridades a montar o quebra-cabeça do caso.

Passaram-se quase dois anos até que Flávio fosse denunciado pelo MP-RJ em novembro de 2020, juntamente com Queiroz, acusado de ser o operador do esquema das rachadinhas, e outras 15 pessoas (em boa parte familiares, amigos e vizinhos do senador, do ex-assessor e de milicianos). Sobre eles pesa a suspeita da prática dos crimes de peculato, apropriação indébita, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O timing da denúncia mostra o quanto o assunto é delicado até mesmo para os promotores envolvidos nas investigações: ela foi apresentada no dia da apuração dos votos das eleições presidenciais dos Estados Unidos, que monopolizou o noticiário e deixou pouco espaço para a repercussão do caso envolvendo o filho do presidente. O documento foi protocolado junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, responsável por julgar vice-governadores e deputados estaduais, cujo colegiado ainda não decidiu se aceita a denúncia e torna o senador réu ou não.

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A demora na apresentação da denúncia contra o senador chama a atenção e contrasta com outros casos semelhantes. O deputado estadual Márcio Pacheco (PSC-RJ), por exemplo, foi denunciado em 1° de julho de 2020 pelo crime de peculato —mais de cinco meses antes de Flávio. As investigações contra também tiveram início em dezembro de 2018, com base no mesmo relatório do Coaf que apontou irregularidades no gabinete do filho 01. Assim como o senador, Pacheco também é acusado de se beneficiar de um esquema de confisco de salários em seu gabinete. A reportagem procurou o MP-RJ para comentar a demora na apresentação da denúncia contra Flávio, mas não obteve resposta até o momento.

Ao longo destes dois anos o processo contra Flávio entrou no confuso sobe e desce do elevador das instâncias de Justiça, que contou com diversas paradas provocadas por recursos da defesa que colaboraram para atrasar o andamento do caso. Em junho o senador pediu e conseguiu o direito ao foro privilegiado, solicitando que o caso fosse remetido para a segunda instância (o Órgão Especial do TJ-RJ). A medida teve como objetivo escapar do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, visto como desafeto dos Bolsonaro e autor do pedido de prisão contra Queiroz e sua mulher.

Por sua vez, o Órgão Especial do TJ-RJ foi acionado pelo MP-RJ para decidir se o caso de Flávio continua sob sua jurisprudência ou se desce para a primeira instância —o que seria uma derrota de Flávio. O julgamento estava marcado para o dia 25 de janeiro. Para evitar que o assunto fosse pautado, os advogados do senador acionaram o Supremo Tribunal Federal pedindo que o julgamento sobre o foro no Órgão Especial seja suspenso, com a alegação de que existem ações sobre o assunto na própria Corte comandada por Luiz Fux: “De pronto se constata, portanto, a usurpação desta Suprema Corte para deliberar sobre a matéria”, escreveu sua defesa. Ela se refere a um pedido feito pelo MP-RJ ao Tribunal para que o caso desça de instância.

Para os promotores, existe jurisprudência clara nas cortes superiores de que o foro especial vale apenas até o término do mandato quando teria acontecido a infração. No caso de Flávio, de deputado estadual, cargo que ele deixou em 2019. O ministro Gilmar Mendes deu provimento ao pedido liminar feito pelos advogados do senador, e suspendeu a análise por parte do Órgão Especial sobre a volta do caso para a primeira instância até que o STF tenha se manifestado sobre o assunto —o que não tem data para ocorrer, tendo em vista o constante descumprimento de prazos regimentais por parte de integrantes da Corte.

Por fim, o próprio STF também colaborou com a demora no andamento do processo. Em setembro de 2019 Mendes, a pedido da defesa de Flávio, chegou a suspender todos os processos que envolvem a quebra do sigilo do senador, endossando uma tese do colega Dias Toffoli, que dias antes havia determinou a suspensão nacional das apurações envolvendo repasse de dados entre órgãos públicos sem autorização judicial. Parecia que seria o fim do processo contra o parlamentar, mas dois meses depois o plenário da Corte decidiu de maneira contrária às decisões monocráticas, e Mendes revogou sua própria determinação.

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