Após risco de tornar o Brasil ‘criminoso do clima’, Bolsonaro acena com compromissos ambientais
Em discurso durante o segundo dia da conferência do G20, presidente reconheceu o peso da agenda ambiental em acordos comerciais, mas voltou a reclamar de “ataques injustificados”
Ao longo dos últimos meses, o fator ambiental se tornou crucial para o futuro do Governo Bolsonaro. De um lado, Joe Biden, vitorioso nas eleições dos EUA, estuda a criação de um grupo de países ‘criminosos do clima’, do qual o Brasil poderia fazer parte. De outro, o acordo do Mercosul com a União Europeia pode fracassar devido à elevação nos índices de desmatamento na Amazônia. Esses fatores parecem ter finalmente pesado para o presidente brasileiro, que neste domingo (22) acenou com a possibilidade de assumir novos compromissos na área ambiental, durante seu discurso no segundo dia da conferência do G20, o grupo de países com as maiores economias do mundo. A fala foi realizada via teleconferência, devido à pandemia do novo coronavírus. Ao contrário do discurso feito no sábado, ele não abordou a questão racial no país, em evidência após o assassinato do homem negro João Alberto Silveira Freitas em um supermercado da rede Carrefour em Porto Alegre.
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“Estamos construindo um país aberto para o mundo, disposto não apenas a buscar novos acordos comerciais, mas também a assumir novos e maiores compromissos nas áreas do desenvolvimento e da sustentabilidade”, afirmou Bolsonaro. “Ao mesmo tempo em que buscamos maior abertura econômica, estamos cientes de que os acordos comerciais sofrem cada vez mais influência da agenda ambiental”, completou, logo no início de sua fala, posição que normalmente são colocados os pontos de maior peso dos discursos.
É a primeira vez que o Governo brasileiro assume publicamente essa posição. Até agora, Bolsonaro vinha chocando os demais países com discursos como aquele feito em setembro, na abertura da assembleia anual da Organização das Nações Unidas (ONU), na qual afirmou que, tanto na Amazônia como no Pantanal, “índios e caboclos” seriam os responsáveis pelas devastadoras queimadas que atingiram os biomas, sem citar fatores como a ação de fazendeiros, garimpeiros e grileiros.
Ainda na semana passada, durante a cúpula virtual dos Brics - grupo que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - Bolsonaro havia ameaçado divulgar os nomes de países que importam madeira extraída de forma ilegal do Brasil. Isso foi feito ao mesmo tempo em que seu governo reduziu a fiscalização da venda ilegal de madeira. Em março deste ano, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos (Ibama), Eduardo Bim, anulou a regra que definia que a autarquia deveria autorizar a saída de todos esses carregamentos do país. A norma servia justamente para reforçar o controle sobre a exportação de madeira, na tentativa de coibir o contrabando de produtos.
“Ataques injustificados”
No entanto, ainda durante a sua fala deste domingo no G20, Bolsonaro voltou a reclamar de que o país recebe “ataques injustificados proferidos por nações menos competitivas e menos sustentáveis” – uma alegação constante da retórica bolsonarista. De acordo com o discurso do presidente, ao longo das últimas décadas. O Brasil se tornou um dos maiores exportadores agrícolas do mundo. “Alimentamos quase um bilhão e meio de pessoas e garantimos a segurança alimentar de diversos países”, disse o mandatário. Apesar disso, segundo ele, 66% do território nacional se encontra preservado com vegetação nativa.
Resta saber o que o Governo considera como “preservado”. Este ano, incêndios destruíram pelo menos 15% do Pantanal – a maior devastação da história da região. Ao mesmo tempo, a Amazônia teve a pior onda de incêndios da última década, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os satélites detectaram mais de 32.000 focos de calor na maior floresta tropical do mundo. A região amazônica também registrou, em setembro, 964 quilômetros quadrados sob alerta de desmatamento, o segundo pior número do mês desde que o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) começou a fazer os alertas sobre a cobertura florestal, em 2015.
A Amazônia, aliás, deve se tornar um ponto central da nova relação que passará a reinar entre Brasil e EUA após a chegada de Joe Biden à Casa Branca, prevista para o dia 20 de janeiro de 2021. Durante a campanha, Biden fez questão de tocar no assunto em mais de uma oportunidade, referindo-se à Amazônia como “ecossistema que precisa ser protegido, indispensável ao planeta”. Também houve a promessa de criar um fundo, em conjunto com outros países, de 20 bilhões de dólares, para proteger a floresta – acompanhada de um alerta ao Governo brasileiro: “Parem de destruir a floresta. Se vocês não pararem, sofrerão significativas consequências econômicas”, além da criação da lista de países “criminosos do clima”. O objetivo é forçar os governos a se empenharem a cumprir a meta do acordo de Paris de impedir um aumento da temperatura global acima de 2ºC. Segundo o site Vox, Biden pretende renovar os compromissos dos Estados Unidos com acordo climático de Paris, do qual Trump o retirou. Neste contexto, o Brasil tem sido visto como uma espécie de vilão ambiental, que pouco age para impedir desmatamentos ou incêndios na Amazônia e no Pantanal. Ao contrário, enfraquece os mecanismos de fiscalização e de punição aos responsáveis pelos crimes.
A resposta de Bolsonaro, até agora, foi apelar para uma espécie de antidiplomacia: ainda não reconheceu a vitória de Biden nos EUA e ainda fez ameaças bélicas veladas, ao dizer que “quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, se não, não funciona”, se referindo à proteção da Amazônia frente a uma suposta ameaça de Biden. Dentro do governo, quem vem tentando desanuviar o clima é o vice-presidente, o general Hamilton Mourão. De um lado, em entrevistas, disse que “como indivíduo” reconhecia que a vitória de Biden nas eleições “está cada vez mais irreversível”. De outro, promoveu uma turnê pela Amazônia com embaixadores de diversos países – vários dos quais advertiram o Brasil publicamente dos efeitos comerciais adversos à falta de iniciativas do governo em combater o desmatamento -, embora a comitiva não tenha visitado áreas devastadas. Como resultado, Mourão tem ganhado prestígio junto à cúpula militar, descontente com Bolsonaro.
Por outro lado, quem perde estrela dentro do governo é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que segue tentando “passar a boiada” nas regulamentações ambientais do país e coleciona suspeitas sobre o seu patrimônio pessoal, como as que envolvem o apartamento que possui em São Paulo. Desde a vitória de Biden, ele – ao lado do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo – passou a ter seu nome cotado para ser trocado. Ambos são membros da ala radical do governo e, no meio diplomático, representantes de países estrangeiros fizeram chegar ao Palácio do Planalto o recado que demitir a dupla seria algo visto como uma sinalização positiva. Bolsonaro ainda deu não uma resposta clara nesse sentido – algo que pode mudar nos próximos dias, caso seja mantida a linha adotada no discurso deste domingo.
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