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Xavi: “Depois da era Messi e Cristiano, Neymar será a referência por três ou quatro anos”

Envolvido na organização do Mundial de 2022, craque espanhol critica times que se limitam a defender e aponta o Brasil como favorito na Copa da Rússia

Xavi com Hassan Al-Thawadi, secretário-geral da Copa de 2022.
Xavi com Hassan Al-Thawadi, secretário-geral da Copa de 2022.Alex Grimm (Bongarts/Getty Images)
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Convencidos de que Xavi Hernández foi um armador indispensável da seleção espanhola e responsável pela última grande evolução no futebol, os xeiques que governam o Catar promoveram sua contratação em 2015. Desde então, o meio-campista catalão de 37 anos dá suas últimas aulas no Al-Sadd ao mesmo tempo em que trabalha como assessor dos treinadores do país. Hoje seu trabalho se multiplica: treina, joga, participa da organização da Copa do Mundo de 2022 e atua com os membros da família do emir, os Al-Thani, aconselhando-os em seus numerosos investimentos ligados à indústria do futebol. Em matéria de futebol, consultar Xavi no deserto de Doha equivale a apresentar-se diante do oráculo.

Pergunta. De onde viemos e para onde vamos no futebol?

Resposta. Creio que o papel dos técnicos às vezes é excessivo. Melhoramos tanto fisicamente que hoje em dia é muito difícil driblar os zagueiros. Com exceção de Messi e Neymar, algumas vezes Luis Suárez, até mesmo Cristiano Ronaldo e Bale têm dificuldades de driblar o oponente, porque fisicamente estamos em um nível insuperável. Treinamos com um chip no peito, ajustamos as distâncias, os quilômetros percorridos, a velocidade máxima... É impossível estarmos mais bem preparados fisicamente.

P. Não acha que o Barcelona de Guardiola é responsável por ter aumentado essa dificuldade de atacar, uma vez que agora os espaços diminuíram?

R. Exato. O nível tático também foi explorado. Guardiola se debruçava em todos os detalhes. Tinha tudo sob controle. Eu nunca havia trabalhado um lateral defensivo. Ele te orientava até para isso: quando o outro time ia bater um lateral, todo mundo estava posicionado. Às vezes o adversário dizia: ‘Caramba! O que aconteceu? Não tenho espaço para cobrar o lateral!’. Guardiola tinha tudo controlado. O que aconteceu? Todo mundo quis copiar um pouco o estilo de Guardiola, como Joachim Löw, que se espelhou em nosso trabalho e chegou aonde chegou. Uns copiaram isso, outros se tornaram a antítese, que é [Diego] Simeone [técnico do Atlético de Madri]. Lá estão jogadores talentosos como Koke fechados atrás, diminuindo os espaços, tentando acabar com as superioridades. O futebol explorou o físico e a tática. Agora o que falta explorar é a técnica, o porquê de as coisas acontecerem, o como atacar. Isso é o talento! E ainda não está suficientemente desenvolvido. Porque no futebol de alto nível existem mais Simeones do que Guardiolas. Pode ver na Premier League: quais equipes jogam como Guardiola? Três? Quatro? E quais equipes jogam como Simeone e te deixam o controle da partida? 70%. No Campeonato Espanhol acontece a mesma coisa. A desculpa desses técnicos é: ‘Eu não posso competir contra o Manchester City e o Barcelona’. Mas fazem a mesma coisa contra o Leganés!

Porque no futebol de alto nível existem mais Simeones do que Guardiolas. Pode ver na Premier League: quais equipes jogam como Guardiola? Três? Quatro?

P. Acha que no Espanhol acontece a mesma coisa que na Premier?

R. Na Premier, mais neste ano. Porque Guardiola começou a dominar as partidas, e disseram: ‘Certo, vou deixar a bola e só correr atrás’. E falta explorar o domínio de jogo. Ter mais atrevimento. Eu estou em um time pequeno, e se jogo contra o Barcelona o que quero é tirar a bola do Barcelona. A pergunta é: como me defendo do Barcelona? Como Paco Jémez [técnico do Las Palmas]: vou adiantar a pressão na saída de bola deles. Se você der campo, Ter Stegen joga com Piqué, Piqué sobe ao meio-campo, e para mim é morte anunciada.

P. Os times que querem ter a posse de bola se veem bloqueados: 22 jogadores em menos de 50 metros. Como se resolve essa contradição?

R. Nós já treinávamos isso em 2008. Com Luis Enrique também: jogar contra duas linhas de quatro e um homem que marca o volante, tentando buscar os espaços rápidos mudando de lado, não jogar em uma linha, mas fazer uma virada de jogo para a nossa segunda ou terceira linha. O Barcelona prevê o que vai encontrar. Trabalhamos o esquema tático contra nove defensores, onde nosso zagueiro precisa conduzir e dividir, sempre em espaços pequenos, exercitando a posse de bola, posicionamentos táticos treinando o controle com o objetivo de sair da marcação adversária em dois ou três metros...

P. Mas quantos jogadores estão capacitados para jogar em espaços tão curtos?

R. Isso pode ser treinado! Mas o que fazem? O Mourinho que enfrentamos no Real Madrid só jogava nas nossas costas. Mourinho dizia aos seus jogadores que não parassem a bola. Jogavam rápido, e Di María, Cristiano Ronaldo e Benzema já disparavam. Agora quem faz isso é Bale, etc., etc.... Não queriam jogar futebol!

P. Com o City assistimos a um fenômeno estranho: bate recordes sem um atacante de referência e sem meio-campistas de ofício. De Bruyne jogava originalmente pelos lados, e David Silva é meia-atacante. Como Guardiola fez para transformá-los em meias clássicos?

R. De Bruyne e Silva se adaptaram ao meio-campo porque são dessa classe de jogadores que sabem colocar-se em 360 graus, giram para os dois lados, enxergam todo o campo. Porque, pela maneira de jogar de Guardiola, você precisa de pontas puro-sangue nas laterais, como Sané. Sané dificilmente poderá jogar por dentro, porque não tem capacidade para driblar e fazer o giro que te dá espaço: esse giro feito por Messi, Iniesta, David Silva, De Bruyne e Gündogan... Talvez até Sterling. Sané, não. Ele precisa de campo. É como Bale: se você o colocar no meio, não serve. São jogadores de lateral, dribladores. Como Cristiano Ronaldo: ele não pode jogar por dentro. Não vai bem. De Bruyne e David Silva são um espetáculo... Parece que estamos descobrindo Silva agora!

P. Você fala de estimular a criatividade. Como?

De Bruyne e Silva se adaptaram ao meio-campo porque são dessa classe de jogadores que sabem colocar-se em 360 graus, giram para os dois lados.

R. Com rondos [rodas de bobinho]! As pessoas ainda pensam que o bobinho é uma brincadeira. Não! O bobinho é um exercício incrível: as duas pernas, olhar a segunda linha, dar um passe por dentro, atrair, atrair e quando o defensor vier pronto, dá o passe para o outro lado. Você não se cansa. É um exercício que permite um desenvolvimento infinito. Por exemplo: sete contra dois, cinco contra dois (que já é mais difícil encontrar a solução). Nove contra dois é mais lúdico. Ou pode fazer um bobinho grande com três no meio: dois que pressionam e um que faz a cobertura atrás, você precisa ver onde está o espaço, por onde passar a bola... Te obriga a olhar o que acontece ao seu redor, onde está o homem livre. No Barcelona entendemos o futebol como espaço-tempo. Quem o domina? Busquets, Messi, Iniesta: são mestres do espaço-tempo. Sempre sabem o que fazer, se estão sozinhos ou marcados. É verdade que existem meio-campistas, como Casemiro, que não entendem isso. Mas, por outro lado, Busquets nunca poderia fazer as coberturas que Casemiro faz quando se joga na base do tudo ou nada.

P. Tudo ou nada?

R. Sim. O Real Madrid ataca, sete sobem ao ataque, e Casemiro fica sozinho no meio para fazer a cobertura. Isso é tudo ou nada. Busquets não consegue fazer isso porque até eu sou mais rápido do que ele. Casemiro é rapidíssimo. Mas tem dificuldades com todo o resto porque não trabalhou esses fundamentos: tem outras características, é mais defensivo, rouba mais bolas, chega, cobre mais campo. Mas não domina o espaço-tempo. Se Casemiro tivesse sido estimulado com 12, 13, 15 anos, teria essa capacidade. Por que Kroos a tem? Porque o trabalharam na Alemanha. Por que Thiago Alcântara a tem? Porque esteve na escola do Barcelona. O surpreendente é: Como Cazorla a tem? Eu lhe perguntei: “Mas de onde você veio, cara? ‘Não, não, eu me formei no Avilés e no Oviedo e depois fui para o Recreativo de Huelva...’”. São talentos inatos. Eu me pergunto: como o Barcelona não o contratou? É o tipo de jogo do Barcelona! David Silva! Kroos! Modric! Como o Barcelona não os contratou? São jogadores que têm o perfil do clube. Eu fico o tempo todo observando um jogador que poderia ir para o Barcelona. Digo: mas esse jogador! Como não...? Philipp Lahm… por exemplo. Enxergava todo o jogo.

O ex-jogador Xavi Hernandez no Khalifa International Stadium, em Doha.
O ex-jogador Xavi Hernandez no Khalifa International Stadium, em Doha.Alex Grimm (Bongarts/Getty Images)

P. Com Lahm e Alaba, Guardiola criou a moda do lateral que se infiltra como ponta e acaba como armador.

R. Afinal de contas é um futebol associativo. Guardiola está o dia todo maquinando onde estará o espaço livre. E se, por exemplo, você joga contra o Levante e vê que os pontas fazem uma marcação individual nos laterais, você praticamente, como fazia Bielsa, coloca o lateral para dentro. E, se o ponta adversário te acompanha, cria-se um buraco para o passe do zagueiro central para o seu ponta. Porque muitas vezes o lateral atrapalha o passe do Piqué da vez para o Messi da vez. Não dá certo, porque o ponta adversário está zelando para que não dê certo. Então se fizerem marcação individual, você coloca o Zabaleta ou o Walker por dentro: se o ponta adversário não o acompanhar, fica sozinho; e se o acompanha há um passe livre para o seu ponta. Espaço-tempo. Para o adversário isso é incontrolável, porque você vai marcar um e o outro fica livre. Criam-se superioridades.

P. Essas mudanças de posição de todos os jogadores, que vimos no Bayern de Guardiola e no Dortmund de Tuchel, causam uma confusão total para o adversário, mas um desgaste físico e mental terrível para o próprio time. Como evitar isso?

A criatividade é estimulada com o bobinho. O bobinho é um exercício infinito para dominar o espaço-tempo. Isso Busquets, Iniesta, Messi, Modric e Kroos têm... e Casemiro tem tanta dificuldade, porque não treinou.

P. Não vejo assim. Porque, mais do que mudanças de posição, devemos falar de entendimento. Não precisamos ensinar o jogador a mudar de posição, e sim a entender as coisas. O jogador catariano não entende o porquê. Se eu conduzo a bola e ele vem na minha direção, [eu digo]: “O que você está fazendo? Nós vamos bater!”. Chega a um metro e eu digo: “Você não vê que se Maradona e Pelé jogassem no mesmo time a um metro de distância eu viraria o melhor zagueiro do mundo?”. Coloque Maradona e Pelé a 15 metros. O que você está fazendo? Aonde vai? Podem se passar três dias que eles vão trocar passes sem errar. Cruyff falava da sanfona: de abrir o campo, de entender onde está o espaço livre. Se Iniesta estiver aqui eu já não posso estar no mesmo lugar. Agora, na hora certa, se Iniesta estiver pressionado, então eu lhe dou saída. A vantagem do Barça em relação aos outros times é que trabalharam nisso durante muitos anos.

P. A ideia gerada no Barça é a última grande ideia transformadora no futebol. Qual será o próximo paradigma?

R. O talento sempre ganha do físico. No dia que isso não ocorrer vamos ter estragado tudo, porque o futebol ficará muito chato. E como acredito de verdade que o talento sempre acaba se impondo, o importante é explorar o seguinte: que o jogador pense no porquê. Por que você se coloca aqui? Por que você vai chegar no momento exato? Por que seu companheiro está segurando os zagueiros para que você receba o passe sozinho? As coisas não acontecem porque sim. Recordemos o Real Madrid 2 x 6 Barcelona [em 2009]. Por que Messi recebia só entre as linhas? Por que Henry e Eto’o jogavam abertos entre o zagueiro central e o lateral. E o zagueiro não podia sair, porque tinha um deles. Diziam: “Se eu sair, me pegam pelas costas!”. Gago e Lass faziam marcação individual em mim e no Iniesta, e Messi recebia sozinho. Essas são as superioridades. Isto é o que Guardiola e seus auxiliares analisam muito bem. E também Luis Enrique. Analisam o contrário: onde é possível criar as superioridades, por onde cabem os passes…

P. Agora entrou na moda a palavra “recurso”. Há treinadores que assumem equipes que já sabem controlar a bola e jogar no campo adversário, e dizem que é preciso acrescentar um novo “recurso”. Então fazem como Luis Enrique ou Lopetegui e procuram aproveitar a vantagem no placar para tocar a bola no próprio campo e depois sair com passes longos. Pretende-se uma maior segurança, mas não é mais perigoso jogar com duas linguagens em vez de uma? Não é mais arriscado?

R. Luis Enrique fazia isso muito bem. Mas eu não gosto. Imagine que você é a seleção espanhola e faz 1 x 0 contra Portugal na Copa. A Espanha diz: em vez de ir pressionar tão em cima, que vai que se infiltram por trás, vamos retrancar um pouco, como fazia Luis Aragonés. Aí, num vapt-vupt, eles vêm te pressionar e você sai direto para o Diego Costa… ou para o Luis Suárez, que nisso se sai muito bem. E Neymar! No Barça, saíamos no contra-ataque. Luis Enrique atraia o adversário para contra-atacá-lo. E fizemos um gol no Atlético de Madri no contra-ataque na Copa do Rei! Luis Suárez deu uma meia-lua em Savic e uma caneta em David Luiz contra o PSG. E estávamos todos no nosso próprio campo. Isso era impensável no Barça de Guardiola. Depende do treinador. Eu não gosto. Mesmo ganhando de 1 x 0 aos 44 do segundo tempo, eu o que quero e onde me sinto mais à vontade é no campo adversário, tendo a posse de bola e indo para o ataque.

P. Deixando de lado o seu sentimento, se você tem Iniesta, Silva e Isco em campo, não é o mais pragmático manter a pressão na frente? Quando a Espanha ou o Barça se recolhem não correm o risco de perder o controle e a confiança?

R. Eu me pergunto: como defendo melhor? Me dê a bola. O adversário já não pode mais te atacar. Precisa primeiro roubar a bola de você. E se ainda por cima lhe rouba e está a 70-80 metros do seu gol, então a conclusão é clara. O mais seguro é ter a bola no campo do adversário. Por isso não entendo treinadores que dizem: “Vamos jogar no nosso próprio campo”. Atualmente, a única equipe do mundo que tenta dominar o jogo até o último minuto, seja qual for o placar, é o Manchester City.

Taticamente, Messi domina tudo. O espaço, o tempo, onde está o companheiro e o rival. Antes só desequilibrava por habilidade e força. Agora te dribla de sacanagem: atrai os marcadores e dá condições aos companheiros.

P. Os times que param no seu próprio campo precisam fazer trajetos mais longos para ir e voltar. Isso não afeta muito jogadores como Busquets, Iniesta e Isco?

R. Sim, mas os treinadores que fazem isso já trabalham para que seus atletas do meio-campo ou das laterais façam trajetos mais longos. Com Luis Enrique começamos a fazer outro tipo de trabalho físico, para esforços mais prolongados. Com Paco Seirul-lo fazíamos séries de 15-20 metros. Nós, os pontas, preparávamos esse pique, e os zagueiros trabalhavam à parte e faziam corridas mais longas. Simeone trabalha para reorganizar outra vez. São pré-temporadas muito duras, porque o time precisa passar o dia todo defendendo, esgotando espaços, fazendo coberturas… O treinador foca em jogar desse jeito: do ponto de vista físico, técnico e psicológico. Simeone convenceu jogadores como Koke a fazerem algo que acho dificílimo, porque estão há anos jogando de modo a não terem a bola, e não diminuem o ritmo. Gabi, Godín, Koke… Eles se divertem. Vi isso do nosso banco: o Cholo na lateral é feliz se o seu time não tiver a bola. Guardiola nos focava em fazer o seu futebol: séries de 10 metros, pique, salto e saída. Circuitos mais específicos para jogar em 30 metros. Simeone joga em profundidade.

P. Acha que Guardiola é diferente no City?

R. Faz outras coisas. Trabalha, por exemplo, a defesa nos cruzamentos. Descobre o que cruza e coloca gente para bloquear os que vão finalizar.

P. É inevitável, com essa complexidade, que os técnicos sejam cada vez mais importantes?

R. Sim, o futebol se tornou algo parecido com o futebol americano. Nada mais é por acaso. Mas também chegou um momento em que, se Guardiola saísse de férias, o time já sabia o que precisava fazer. A única coisa que você não faz é analisar o adversário. Bom, eu sim. Eu pensava: Villarreal. O que ele faz? Faz um losango no meio, sempre procuram um a mais no meio. Como joga com dois pontas, vamos ter que dizer ao Daniel Alves que venha para o meio-campo, porque com três atrás basta para marcarmos Bakambu e o Bacca da vez. Para que você quer quatro zagueiros atrás? No mínimo já estamos em igualdade numérica. Eu dizia ao Messi: ‘Leo, cara, vem para o meio, vem jogar pelo meio…’.

P. Como Messi lê as partidas?

O Brasil é favorito para ganhar a Copa, porque reúne físico e talento. Mas não existe um meio-campo como o da Espanha: não existe um Silva. Que jogador é melhor que o Silva? Que jogador é melhor que o Iniesta? Que jogador é melhor que Busquets?

R. Taticamente, entende tudo. É uma vergonha que o comparem a qualquer outro. Messi domina tudo. O espaço, o tempo, onde está o companheiro e o adversário. Antes só desequilibrava por habilidade e força. Agora te dribla de sacanagem, te atrai. Vê que tem um marcador e, como sabe que ele mete medo, espera que o outro venha, e quando estão três contra um, no momento exato, passa a bola. Isto eu vi o LeBron James fazer. Ao vivo, na final Cavaliers x Miami de 2014. O LeBron não é só um jogador individual. Quando o LeBron tinha dois em cima dele, fazia uma finta e passava, e o companheiro ficava livre e podia arremessar livre da zona de três pontos. Isso é o que fazem Messi e Iniesta. Atraem você até que haja um jogador livre. Se ninguém dos seus sai? Vamos jogar. Trabalhamos nisso desde meninos. Ou seja, onde está o espaço e onde está o homem livre. Até o Ter Stegen sabe. Ter Stegen treina para isso. Esse tiro de meta longo que ele faz e você diz que “deu um chutão”. Não deu chutão. O Bayern quando veio ao Camp Nou fez marcação individual sobre nós e deixou o Ter Stegen sozinho. E Ter Stegen dava o passe para Luis Suárez, e eram três contra três.

P. Há mais jogadores que façam o que você quer ou o que o Simeone quer?

R. Depende de cada um. Mas eu acredito que a maioria dos jogadores quando entra em campo não começa a dar piques. O que eles fazem? Toque. A bola é um vício. Jogamos futebol pelo vício da bola.

P. Como imagina a próxima Copa?

R. Vejo que o Brasil se recuperou. Tem um timaço. E tem as duas coisas: talento e físico. Isso é difícil. Por isso a Espanha tem tanto mérito. Porque ganhou praticamente sem físico. Exceto Sergio Ramos, os demais, veja o que éramos: Arbeloa, Puyol e pouco mais. Agora também: a Espanha tem sobretudo talento. Não existe um meio-campo como o da Espanha: não existe um Silva. Que jogador é melhor que o Silva? Não há. Que jogador é melhor que o Iniesta? Não há. Que jogador é melhor que o Busquets? Já chega! Esses são os jogadores que carregam o piano do time. Mais a velha guarda atrás: Alba, Piqué, Ramos e Carvajal. Com certeza a Espanha ganhou mais físico, mas não pode competir com a Alemanha nisso. A Espanha deve competir pelo talento.

P. Que jogadores destacaria entre os novos?

Isco precisa saber o que o Luis Aragonés me dizia: ‘Você gosta do quê? De futebol bonito ou de bom futebol?’. Messi não faz firulas: Messi faz bom futebol.

R. Gosto muito do Vitolo. Acho um jogador que pode entender muito melhor o jogo. Às vezes tem dificuldade em saber o que acontece ao seu redor, quando driblar e quando não, mas acho espetacular. Saúl é outro jogador espetacular, e é outro jogador a explorar. Imagino os dois no Barça e digo: caramba! O que podem chegar a ser Saúl e Vitolo jogando um futebol mais protagonista! Eles têm muito a percorrer. Carvajal me parece um lateral excelente e, se as lesões o derem trégua, Thiago é excelente.

P. O que opina de Isco e Asensio?

R. Esse pessoal tão jovem o que eu acho que eles precisam saber é o que me dizia o Luis Aragonés: “Do que você gosta? De futebol bonito ou de bom futebol?”. E eu não entendia: “Como assim?’. “Você me dê o bom futebol. O bonito, sim, mas para enganar uma meia dúzia.” Não quero citar nomes, mas na Liga Espanhola nos impressionamos muito com jogadores que desapareceram sem deixar rastro. Sim, firulas, mas para quê? Que firulas faz o Messi? O Messi nunca faz firulas. O Messi vai atrás do que tem de ser feito. Messi é o bom futebol, que, ao mesmo tempo, é tão bom que fica bonito.

P. A França tem o melhor elenco?

R. Sim. No mesmo nível que Brasil e Alemanha. E não nos esqueçamos da Argentina. A Argentina está no nível da Espanha, o que acontece é que jogam tão tensos que não conseguem. É falso que não tenham meias. Acho o Banega um meia para estar no Barcelona. E Mascherano não pode jogar como volante? Evidentemente não tem o nível técnico do Busquets, mas o que melhorou! Quando veio para o Barça tinha dificuldades em se destacar, porque o Liverpool não precisava dele. Dava passes longos ou era suficiente que passasse para Gerrard. Mas no Barcelona você precisa fazer mais coisas. Tem que olhar, visualizar, entender qual jogador está livre de marcação para que tenha o espaço e o tempo suficientes para manobrar… O Barcelona é um exame final para um jogador. É o clube mais difícil e o mais exigente do mundo. O Real Madrid não joga de uma forma tão pura. No Bernabéu, se o zagueiro dá um chutão para a arquibancada, tudo bem. É parte da cultura. A torcida aplaude. No Camp Nou, se você jogar a bola na arquibancada o murmúrio é tão feroz que é negativo. Desde o tempo de Cruyff.

P. Você acha que o Bernabéu não é exigente?

Neymar é um líder incrível, porque sempre pede a bola. O que aconteceu no PSG e no City nos últimos anos? Competiu com jogadores que não estavam acostumados a carregar esse peso.

R. São dois públicos exigentes, mas a diferença é que o Bernabéu exige que você dê tudo. Não suportam os preguiçosos. A referência é o espírito do Juanito. O que acontece? Que o espírito do Juanito ou o espírito do Camacho é a cultura do Real. Qual é a cultura do Barcelona? Não é a cultura do Víctor Muñoz, nem a do Calderé. A cultura do Barcelona é a do Cruyff. Cruyff girava, olhava, entendia o jogo, não perdia uma.

P. O PSG é uma referência obrigatória no futebol mundial, mas sua história é recente. Como se faz uma equipe quando os jogadores são mais importantes que o clube?

R. O jogador ainda tem muito respeito pelo treinador. Ou seja: está interiorizado que, embora o jogador ganhe 20 milhões de euros e o treinador ganhe 5, esse jogador de 20 milhões está escutando o treinador. É verdade que em algum momento os grandes craques podem dizer: “Mas o que esse sujeito está me dizendo?”. Mas o treinador, mais do que trabalhar tática e fisicamente, o que ele precisa fazer é a gestão do grupo: falar individualmente e saber conduzir aquele que fará a diferença. Ser honesto: “Ouça, se você não treinar bem, por mais craque que seja não vou te escalar. Que fique sabendo”. E falar com grupo: “Escutem, aqui tem duas coisas que são inegociáveis: o respeito e a atitude”. Eu, que ando pensando como treinador, acho que essas duas coisas não podem faltar. Depois, que os jogadores errem. Mas que errem com as minhas ideias! A inteligência emocional é o básico para um treinador. Não pode brigar com os jogadores. Você precisa seduzi-los.

P. O PSG sempre teve um elenco muito profissional. Não acha que com Neymar se introduz a incerteza do hedonista capaz de viajar para o aniversário da irmã no meio de um campeonato?

R. O Neymar é um bom sujeito. É brincalhão. E o Dani Alves também! A gente acha que o Alves passa o dia todo fazendo festa porque publica no Instagram que toca bumbo. Mas é um profissional. É o seu jeito de viver.

P. Mas Alves não deixou o time para ir ao aniversário da irmã…

R. Aí é onde entra o treinador. Na época do Cruyff, o Romário jogava no Barça, e o Cruyff teve que administrá-lo, e não era um sujeito fácil.

P. Acha que o Neymar é um líder?

R. O Neymar é um líder incrível. Dentro de campo, é excelente. Tem uma personalidade a quem nada assusta. Essa é uma virtude. O que diferencia o grande jogador de futebol é isso. Que nos momentos mais difíceis ele lhe diz: ‘Me dá a bola’. O que acontecia com a gente no Barça? Na hora do ‘vamos-ver’, todo mundo queria a bola. Todo mundo tinha personalidade. O que aconteceu com o PSG e o City nos últimos anos? Competiram com jogadores que não costumavam carregar esse peso. Agora você vê o PSG e, caramba, vê o Cavani, o Di María, o Neymar, o Verratti... Estiveram perto de ganhar títulos. Estiveram por aí. Neymar se irrita quando não lhe dão a bola. Isso é o máximo.

P. Há mais potencial em Mbappé do que em qualquer outro jogador depois de Messi?

R. Sim. Mbappé será… Acredito que haverá uma época depois de Messi e Cristiano em que Neymar será a referência. Porque, além do mais, é brasileiro, e o Brasil tem todos os números para estar na final de uma Copa. Será uma era Neymar de três ou quatro anos. E depois virá Mbappé. Tem um potencial tremendo. É muito jovem. Só 19 anos. E é uma fera. Mas não o vejo… Acredito que o talento se impõe ao físico. Neymar é como Messi: talento e físico. E acredito que Mbappé tenha mais físico que talento. E, tal como eu entendo o jogo, os atletas que fazem a diferença é mais pelo talento que pelo físico. Nem eu nem Iniesta fomos físicos. Fomos talento, nada mais. Aqueles que são tocados pela varinha mágica têm as duas coisas: Maradona, Pelé, Ronaldo Fenômeno, Messi, Neymar... e Mbappé também tem talento. Mas vejo Mbappé mais como um Henry. Com Emery, melhorará com certeza. Emery trabalha bem. É um ótimo treinador. Mas se você o colocasse num Barça esse garoto melhoraria. Entenderia tudo. Se um Guardiola pega um Mbappé, ele passa de 8,5 para 9,5. Neymar já é 9,5. Dificilmente pode melhorar. Mbappé tem que melhorar muitas coisas, sobretudo em termos de entender o jogo. Porque ele, quando era infantil ou juvenil, não precisou pensar. Ele sozinho fazia a jogada. Por força e por velocidade. Mas por quê? Eu quero ver o Mbappé contra uma defesa como a do Atlético de Madri. No meu modo de enxergar o jogo, hoje em dia Neymar é melhor.

“Temos que ajudar os operários que constroem os estádios”

O príncipe Jassim é o dirigente catariano mais ativo no setor futebolístico e um interlocutor frequente de Xavi Hernández.

"Jassim al Thani é o primogênito do emir pai", conta Xavi. "Era o príncipe herdeiro, mas renunciou em favor de Tamim, seu irmão, porque preferia permanecer fora da vida pública. E começou, então, a bolar coisas nas áreas de esporte e futebol. Desde que organizou o Mundial Sub-20 do Catar em 1995, não parou mais. Foi adiante com o PSG e depois obteve a realização da Copa de 2022. É um visionário. Como o irmão. Eles foram criados em Londres e querem se tornar referência em matéria de educação, cultura, medicina e esporte. Muitos dos meus colegas são filhos de imigrantes e estudam na universidade: engenharia, administração. É um país novo. Até 30 anos atrás eles não tinham nada".

Xavi, que integra a equipe de organização da Copa de 2022 por meio do projeto da ação social Generation Amazing, atua em todas as frentes. “Eu disse ao xeque Jassim: ‘Escute, como posso ajudar? Dizem que vocês não cuidam bem dos operários que constroem os estádios, que estão trabalhando em condições sub-humanas...’. ‘Xavi, isso não é verdade’, ele disse. ‘Não é verdade porque talvez não chegue a você, mas temos de ajudar nisso. Pode me usar!’.”

“O Catar não é uma democracia, mas os catarianos que conheço são felizes”, insiste o jogador. “São 200.000, e o Governo lhes paga 3.000 euros [11.500 reais] por mês desde o nascimento. E cada um ganha uma casa ao completar 18 anos.”

Se os 200.000 catarianos compõem o topo da pirâmide, a base são os operários da construção civil, todos estrangeiros, a maioria do subcontinente indiano. O meio-campista catalão defendeu a colocação de ar-condicionado nos ônibus que transportam os trabalhadores e supervisionou a instalação de moradias com condições decentes para os operários dos estádios. Segundo o jogador, “a família real é muito consciente daquilo que ocorre de errado e foca na sua solução”.

“A ação social é útil para dar outro sentido ao futebol”, afirma Xavi. “Eles têm um programa para integrar as mulheres. Na Jordânia, muitos pais não deixam a filhas jogarem futebol, e agora eles têm o Mundial Feminino Sub-17. Fui visitar um campo de refugiados. Estive com 200 meninas, jogamos futebol, e eu parecia um deus para elas: chegavam a me cobrir de beijos! Isso vai além de apenas construir uma boa imagem para o Catar. Por que não ajudar os trabalhadores que estão fazendo um novo país aqui e que trabalham em condições bastante indignas?”

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