“O amor semeia o amor e foi isso o que meu pai me deixou”
A advogada Luciana Atheniense relata o que a morte por covid-19 de seu pai Aristoteles representou para ela e sua família: "Luto é não querer produzir, é não querer raciocinar"
“Aos oitenta e quatro anos, sou levado a admitir que a saudade a gente mata; a lembrança a gente guarda; a tristeza a gente supera. Mesmo quando a saudade é sofrida, esta é a melhor prova de que o passado valeu a pena”. Com essas palavras o advogado Aristoteles Atheniense iniciava um texto que ninguém suspeitava que fosse o seu último. Foi publicado no dia 19 de junho no Diário do Comércio de Minas Gerais. Pouco tempo depois, em 3 de julho, o reconhecido jurista mineiro —foram 60 anos exercendo a advocacia em Belo Horizonte— se tornou mais uma vítima fatal da covid-19. “Meu pai sempre lutou muito pela questão social. Foi presidente da OAB de Minas Gerais no final da ditadura militar e teve voz muito importante como entidade civil. Ele trabalhou até o fim”, conta sua filha, a também advogada Luciana Atheniense. A perda repentina de seu pai para o coronavírus fez com que ela se juntasse a um grupo voluntários que distribui lanches para os profissionais de saúde que estão na linha de frente da Covid. Em depoimento ao repórter Felipe Betim, ela fala sobre o luto vivido por ela, seus irmãos e sua mãe após a morte de Aristoteles.
“O que era a covid-19 para mim? Algo estranho, de longe. Mais um vírus vindo da China. Confesso que desde meados de março comecei a ter preguiça de ouvir, de ver, os noticiários. Achava até um pouco de sensacionalismo, principalmente aquelas notícias vindas de São Paulo. Mas percebi que meu teto era de vidro e que aquela a tristeza daqueles familiares estava, três meses depois, amargurando meu coração. E foi isso o que aconteceu.
Meu pai, de 84 anos, foi vítima da covid-19. Quando ele começou a não querer se alimentar, começou a ficar um pouco prostrado, com um comecinho de febre, liguei pro médico, que falou:
— Luciana, interna. Suspeita de covid-19.
— Como, se ele não está tossindo?
E ele foi para o hospital. Era um domingo e, naquele momento, fez um raio-x que viu que o pulmão estava danificado. Outro exame detectou que o sangue dele estava numa instabilidade. Tivemos que internar meu pai. A única coisa que eu podia fazer era arrumar os documentos, porque eu não poderia ficar com ele.
Naquele momento eu também fiz o exame de covid, que ficaria pronto três dias depois. Minha mãe também fez e deu positivo, com 78 anos. E o meu deu negativo.
Meu pai ficou cinco dias no quarto e, no dia que ele foi encaminhada para o CTI, minha mãe foi internada. Loucura. Aconteceu comigo o que tinha acontecido, estava acontecendo e irá acontecer com milhares de brasileiros. Aí eu deparei que meu teto era de vidro. Que susto. Que medo. E por que não? Nós não somos diferentes. Independentemente da classe social, todos os brasileiros estão começando a ter noção que amigos e familiares estão sendo vítimas da covid-19. Até quando?
E não podemos nos calar. Isso não é um problema familiar em que nós não vamos falar. Optamos por falar, sim: meu pai foi vítima da covid-19, como milhares de pessoas estão sendo.
Uma tristeza. Uma amargura. Um susto. Até quando? É como se não fosse nada acontecendo? Está acontecendo.
Eu não sabia o que era luto. O luto é não querer produzir. Não porque nós estamos na quarentena.
O luto é não querer raciocinar. O luto é chorar. É perder um ente querido.
Ontem [3 de agosto] fez um mês da morte de meu pai. E o que me confortou foi ter lido de uma pessoa que eu prezo muito que o amor semeia o amor, e foi o isso o que o meu pai me deixou.
E agora pergunto, indago: a covid vai semear até quando essa tristeza no coração dos brasileiros? Não estamos aguentando. Está aqui no meu coração, do meu lado.
É muito triste. Muito muito triste”.
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