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López Obrador: o lutador social e seus enigmas

É o fenômeno político mais forte da história recente do México. Aposta em políticas voltadas para os pobres e discursos duros contra as elites. Na metade de seu mandato, o país vive dias incertos. Suas palavras sobre os excessos da conquista continuam agitando o debate

Andrés Manuel López Obrador dibujo
Alexandra España
Jorge Zepeda Patterson

Em dezembro de 2013, Andrés Manuel López Obrador sofreu um infarto agudo do miocárdio, pouco depois de ter festejado seu 60º aniversário. Durante os três meses seguintes, teve de ficar em repouso e seguir uma dieta moderada. Em sua primeira entrevista, afirmou, em tom de ironia, que até então achava que o estresse era “uma doença pequeno-burguesa”. Que o coração deste homem, que se define como esquerdista, abrigue um sofrimento contrário à sua ideologia é uma das muitas contradições que marcam a vida, a obra e o pensamento do presidente do México. E boa parte da inquietação que o país vive decorre dessas contradições.

As razões pelas quais ele é presidente são fáceis de entender: o descontentamento social, a raiva e o ressentimento provocado por governos desacreditados pela frivolidade, corrupção e ineficiência. Mas é muito mais difícil explicar exatamente o que aconteceu depois e qual é o verdadeiro impacto de sua gestão.

Hoje, na metade de seu mandato de seis anos, o México parece ser habitado exclusivamente por dois tipos de seres humanos, os que odeiam e os que adoram seu presidente. Os que consideram que ele é o último raio de esperança para tentar uma mudança e impedir uma explosão social e os que estão convencidos de que está destruindo o país. A verdade é que López Obrador é o fenômeno político de maior impacto na história política recente do México contemporâneo. Seus níveis de apoio popular oscilam entre 60% e 70%, apesar da pandemia e da crise decorrente dela, e o partido fundado em torno de sua pessoa, o Morena (Movimento Regeneração Nacional), supera em intenções de voto a soma dos outrora governantes Partido Revolucionário Institucional (PRI) e Partido de Ação Nacional (PAN). López Obrador apagou a oposição e impôs o poder da presidência sobre os demais fatores de poder, graças a uma estranha combinação de medidas a favor dos setores populares, um discurso beligerante e radical contra as elites e seus rivais, e uma gestão de característica conservadora das contas públicas. O objetivo, segundo ele, é propiciar uma transferência maciça de recursos em favor dos pobres e fazer isso sem desestabilizar ou violentar o país. Não está claro se ele está conseguindo, mas a verdade é que a maioria da população está convencida de que, finalmente, vive no Palácio Nacional alguém que fala e age em seu nome.

Um político inclassificável, mistura de pregador moral, lutador social, mago da realpolitik, escravo de suas afeições e fobias, um mandatário obcecado em entrar para a história, um homem que percorreu o país palmo a palmo em três ocasiões. Sua austeridade monástica é autêntica e ele se gaba de nunca ter possuído um cartão de crédito. Alguém que tem como referências de vida Jesus Cristo e Francisco I. Madero, dois mártires, mas também Benito Juárez e Nelson Mandela, estadistas fundadores de uma nova ordem social e política. Escreveu cerca de 20 livros, mas se orgulha de falar com erros de linguagem e de se expressar com ditados populares. Nacionalista ao máximo e, ao mesmo tempo, promotor da integração comercial e industrial com os Estados Unidos. Anti-imperialista convertido em aliado de Donald Trump. Um homem de verbo agressivo e implacável que nunca foi visto perdendo as estribeiras. É tão leal às suas ideias a ponto de ser intolerante, convencido de que estar do lado dos pobres o torna moralmente infalível, mas tão avesso à violência e à repressão que transformou seu lema “abraços, não balaços” em estratégia para enfrentar o crime organizado.

Em suma, Andrés Manuel López Obrador é um político que foge de rótulos automáticos, um feixe de contradições, uma força da natureza por sua energia interminável e sua impaciência. Um homem fiel às suas circunstâncias.

O trópico

Andrés Manuel, o primeiro de outros seis irmãos, nasceu em 13 de novembro de 1953 em Tepetitán, Tabasco, um povoado de pouco mais de mil habitantes. Neto de comerciantes, entre eles um avô, José Obrador, originário do município espanhol de Ampuero, perto de Santander. Cresceu em um ambiente bucólico e paradisíaco. Ia à escola de manhã e jogava beisebol, nadava e pescava no rio à tarde, embora desde pequeno tenha sido acostumado a atender os clientes de La Pasadita, uma loja familiar em que se vendia de tudo. Em meados dos anos sessenta, a família se estabeleceu em um bairro central e popular de Villahermosa, uma cidade de médio porte e capital do Estado de Tabasco. Em poucos meses, os López conseguiram abrir uma loja de roupas e uma sapataria. Nos primeiros anos, parecia que Andrés Manuel estava destinado a ser um próspero comerciante. Era bom com os números e muito engenhoso para inventar formas de comercializar produtos. Em uma tarde quente de 1968, enquanto seus pais comiam em casa, Andrés Manuel, de 15 anos, e seu irmão Ramón, de 14, montavam guarda na loja. Ramón pegou uma pistola que o pai tinha escondido entre as prateleiras meses antes, brincou com ela achando que não tinha munição e acabou dando um tiro em si mesmo. Morreu na hora. Andrés Manuel, que estava na caixa registradora, viu a cena ocorrer bem diante de seus olhos. Policiais locais tentaram extorquir a família culpando o jovem. Depois desse terrível acidente, seus amigos da adolescência lembram que ele se tornou taciturno, muito mais reflexivo. Não foi um estudante assíduo no ensino médio. Os amigos insistem que Andrés Manuel trabalhava muito. Em 1972, a família voltou a se mudar, desta vez para Palenque, Chiapas, de onde seus pais nunca mais saíram.

presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador
López Obrador no Palácio Nacional do México em maio.Hector Vivas (Getty Images)

Quase simultaneamente, em 1972, aos 19 anos, Andrés Manuel foi para a Cidade do México para estudar na Faculdade de Ciências Políticas da UNAM. Viveu na Casa do Estudante Tabasquenho, e um colega de quarto lembra que Andrés Manuel muitas vezes não ia à faculdade porque preferia ficar dormindo. Na manhã de 11 de setembro de 1973 e nos dias seguintes, os jovens ficaram ouvindo pelo rádio as notícias sobre o golpe de Estado no Chile. López Obrador considerou como algo pessoal a morte de Salvador Allende e repetiu uma e outra vez as últimas frases do presidente chileno. Naquele dia, escreveu na lousa do refeitório: “Viva o povo do Chile”. Seu ex-colega de quarto lembra que “nunca mais faltou à escola e começou a se interessar mais a fundo nas aulas”. O beisebol perdeu um duvidoso arremessador e a UNAM ganhou um estudante em tempo integral.

Ao terminar a faculdade, integrou-se à equipe de trabalho de Carlos Pellicer, candidato ao Senado por Tabasco. Um respeitado poeta obcecado pela ideia de melhorar a situação dos indígenas. Andrés Manuel foi seu colaborador mais entusiasmado. Em reconhecimento, Pellicer o promoveu junto ao governador para que fosse designado delegado do Instituto Nacional Indigenista em seu Estado. Tinha 24 anos e assumiu o cargo como um apostolado, um trabalho que muito poucos queriam, mas para ele era o paraíso. Naquela época, conheceu e se casou com sua primeira esposa, uma estudante de Villahermosa, Rocío Beltrán, com quem teria seus três primeiros filhos, todos meninos.

Aqueles anos foram um período de “construção” do animal político em que Andrés Manuel se transformaria. Aqui começou o hábito de fazer consultas e criar programas inéditos, com impacto popular. Viveu com os indígenas chontales como se fosse um deles e em poucos anos virou um personagem lendário. Em 1982, o candidato a governador Enrique González Pedrero convidou o carismático jovem para sua campanha, e depois da vitória o nomeou como diretor regional do PRI, o partido no poder. López Obrador se entregou à tarefa de mudar a organização política para democratizá-la e aproximá-la das causas populares. Em menos de um ano, os caciques políticos e membros da direção do partido exigiram que o governador acabasse com a revolução dos diabos que o jovem tinha desencadeado. Aos 30 anos, López Obrador retornou à Cidade do México, em sua primeira derrota e consequente exílio político. Aceitou um cargo no Instituto Federal do Consumidor, largou o ativismo político e se integrou à burocracia.

Seis anos depois, a política voltou a chamá-lo. Em 1988, Cuauhtémoc Cárdenas, filho do presidente responsável pela nacionalização do petróleo e pela reforma agrária, Lázaro Cárdenas (1934-1940), renunciou ao PRI e lançou sua candidatura à presidência apoiado por outros correligionários descontentes com a guinada conservadora e tecnocrata que o partido tinha dado. Para aumentar suas chances, eles buscaram figuras regionais que também concorressem como candidatos locais. Procuraram o tabasquenho e o convenceram a disputar o Governo de seu Estado. No lançamento de sua campanha, Andrés Manuel foi recebido como um apóstolo. O impacto foi imediato e o PRI ficou preocupado. No fim, reconheceram-lhe 22% dos votos, e após a derrota decidiu ficar em Tabasco e presidir o Partido da Revolução Democrática (PRD), recém-criado. Na campanha, López Obrador mostrou uma característica que nunca mais abandonaria: seu fascínio pelos atos públicos de município em município, uma atividade que parece ser viciante. Ele passou os seis anos posteriores formando quadros em cada localidade e se preparando para tomar de assalto o Governo estadual na eleição seguinte.

Em 1994, o duelo político em Tabasco estava tacitamente combinado contra Roberto Madrazo, uma figura nacional do PRI. López Obrador fez o que mais sabia: percorrer durante dois anos os povoados, organizar células locais, liderar comícios. Madrazo também fez o que mais sabia: costurar alianças de alto nível e arrecadar enormes fundos para a campanha. Travaram uma luta intensa. Nunca se saberá quem ganhou, mas as autoridades eleitorais declararam o priista como vencedor. Em protesto, Andrés Manuel organizou uma longa e lenta caravana até a capital do país e se instalou no Zócalo com as provas de uma campanha fraudulenta por parte de seu adversário. Como marketing político, foi o sucesso da temporada. A cobertura da mídia foi enorme e López Obrador se tornou repentinamente uma figura nacional do novo partido.

Andrés Manuel López Obrador en campaña
Marcha a favor da recontagem de votos após as eleições de 2006.LUIS ACOSTA (AFP via Getty Images)

A conquista de Tenochtitlán

No final de 1995, ele era a estrela em ascensão do PRD nacional. O filho de Tepetitán estava pronto para os grandes palcos. No processo de perder uma eleição para governador, Andrés Manuel ganhou a presidência nacional do PRD. Nesse posto, organizou o triunfo de Cuauhtémoc Cárdenas como chefe de Governo da Cidade do México, a primeira vitória importante da esquerda no país. Três anos depois, tornou-se o candidato natural para a sucessão do próprio Cárdenas na administração da capital.

Como prefeito da Cidade do México (2000-2005), López Obrador se caracterizou por uma gestão hiperativa que contrastou com a passividade dos governos anteriores. Aliado à elite da cidade, promoveu o resgate e a renovação do centro histórico e a construção de vias elevadas, o que mudou a cara da cidade. Estabeleceu um vínculo com os setores médios e ilustrados e promoveu leis sobre gênero e meio ambiente que fizeram da capital a ponta de lança da agenda progressista no México. Ao concluir seu mandato de prefeito, já era o candidato mais sólido para a eleição presidencial que seria disputada seis meses depois. Entre 2000 e 2003, perdeu os três personagens centrais em sua biografia: mãe, pai e esposa. A morte de Rocío Beltrán em 12 de janeiro de 2003 não foi inesperada, mas foi devastadora. Rocío foi uma mulher muito próxima do tabasquenho e provavelmente a única pessoa que ele ouvia. “Minha mulher é meu grande apoio. É meu paraíso. Sempre enfrentei com ela os momentos mais difíceis da minha vida. Ela me ajuda, apoia e critica. É minha conselheira”, disse certa vez. Em apenas dois anos, López Obrador se tornou prefeito, órfão e viúvo responsável por três filhos. Em 2005, conheceu Beatriz Gutiérrez Müller, sua segunda esposa, com quem teria seu quarto filho. A relação com uma companheira 16 anos mais jovem ajudou o político a sair do ostracismo que caracterizou os breves anos de sua viuvez.

A debacle

Dois meses antes da eleição presidencial de 2006, AMLO (iniciais pelas quais é conhecido) liderava as pesquisas de intenção de voto por 10 pontos percentuais, e todos presumiam que ele se tornaria o próximo presidente do México. O que aconteceu nas semanas seguintes está sujeito a todo tipo de interpretações. Quando se perde uma eleição por 0,56% dos votos, a derrota pode ser encontrada em muitos lugares. Houve erros na reta final da campanha, sem dúvida, mas López Obrador se convenceu de que tinha sido vítima de um roubo. As evidências parecem lhe dar a razão. O dinheiro e o velho sistema usaram todos os tipos de recursos legais e ilegais para influenciar o voto. O próprio tribunal eleitoral, favorável ao partido no poder, teve de reconhecer que o Governo de Vicente Fox atuou ilegalmente para favorecer seu candidato, mas, em uma peculiar acrobacia argumentativa, concluiu que essa intervenção não foi decisiva para o resultado.

De certa forma, López Obrador nunca mais foi o mesmo. Ele conteve as facções radicais para evitar uma explosão de violência e conjurou sua irritação escrevendo vários livros para denunciar a máfia que governava o país e o roubo político do que o povo e ele tinham sido vítimas. O político moderado que tinha governado a Cidade do México deu lugar a um líder de oposição obcecado pela perfídia de seus inimigos. Sua tendência de considerar qualquer obstáculo político como resultado de um complô dos conservadores remete a essa experiência. López Obrador tentou novamente seis anos depois, em 2012, mas o PRI de Peña Nieto conseguiu convencer as elites e uma grande parte dos votantes de que o velho partido, agora modernizado, era uma opção melhor do que o PAN, que tinha governado durante 12 anos. Embora tenha ficado em segundo lugar, o resultado foi bastante inferior ao que ele tinha conseguido seis anos antes.

Muitos consideraram que sua carreira política tinha chegado ao fim. Ele não. Pela terceira vez, começou a percorrer o país, de povoado em povoado, agora com o objetivo de construir um partido próprio em torno de sua figura. O Morena parecia uma proposta peregrina, e a pregação de AMLO, um esforço desesperado de um personagem incapaz de aceitar sua derrota. Mas enquanto ele falava no deserto, o espírito do país tinha começado a mudar, desta vez decididamente em seu benefício.

Andrés Manuel López Obrador y Donald Trump
López Obrador e Trump em Washington em julho de 2020.Win McNamee (Getty Images)

A Quarta Transformação

Em 2018, López Obrador conseguiu a vitória na terceira vez em que disputou a presidência, com a maior porcentagem de votos em várias décadas. O eleitorado estava cansado das propostas tradicionais do sistema − os velhos partidos PRI e PAN, voltados para as classes média e alta − e exigia maior atenção em relação às maiorias deixadas para trás. Os governos anteriores tinham apostado na modernização e na integração ao mercado mundial, presumindo que essa locomotiva tiraria da pobreza até mesmo os vagões mais atrasados. Não foi assim. Setores sociais, regiões geográficas e ramos econômicos vinculados ao México tradicional afundaram, enquanto poucos setores de ponta impulsionaram uma nova e numerosa casta de multimilionários mexicanos. Hoje, 56% da força de trabalho está na informalidade. É uma proporção que cresce ano após ano; um indicador da incapacidade do sistema de incluir a maioria dos mexicanos. Essas maiorias, juntamente com alguns setores instruídos da classe média e segmentos urbanos de esquerda, cansados dos escândalos de corrupção e frivolidade da classe política, pegaram as bandeiras de mudança hasteadas por López Obrador e o instalaram no Palácio Nacional.

O presidente chegou ao poder anunciando uma mudança de regime a favor dos pobres e prometendo o fim da corrupção e dos excessos dos setores privilegiados. Uma proposta que chamou de Quarta Transformação histórica do país (a independência, a Reforma do século XIX e a Revolução Mexicana de um século atrás foram as três primeiras).

Um propósito admirável, mas que na metade de seu mandato é difícil combinar com muitas outras características contrastantes de seu Governo: um gabinete muito heterogêneo, com membros vindos principalmente do PRI, mas também do partido conservador, além de radicais da velha esquerda; alianças políticas com partidos abertamente de direita ou com filhos da elite enriquecida alojados no Partido Verde; uma bateria dissímil de políticas sociais alheias à chamada sociedade civil, embora voltadas para causas populares; critérios notoriamente ortodoxos ou neoliberais em matéria de finanças públicas; uma relação inesperada e simpática com Donald Trump; o abandono − e até o desprezo − de outras reivindicações da agenda da esquerda moderna, como o meio ambiente, o feminismo e questões de gênero, direitos humanos, cultura, ciência e tecnologia. Todo isso envolvido em um discurso incendiário e hostil contra os ricos e os conservadores, os intelectuais orgânicos, a imprensa nacional e estrangeira, a conquista espanhola, os juízes e qualquer outro obstáculo real ou presumido ao Governo da Quarta Transformação.

Em meio a tudo isso, López Obrador se dedica à sua causa: melhorar a vida dos pobres. Todo o resto, por mais legítimo que seja, fica em segundo plano ou é tratado como uma distração do que ele considera sua missão principal, o que enfurece o terço mais próspero e esclarecido do país. E não é pouco o que ele já conseguiu. Uma distribuição direta de 15 bilhões a 20 bilhões de dólares (83 bilhões a 110 bilhões de reais) por ano para as famílias mais necessitadas, sem passar por intermediários; o aumento do poder aquisitivo do salário mínimo, que ficou estagnado durante quinquênios; programas maciços de geração de empregos no campo; promoção da democracia sindical. Sua intenção de combater a corrupção é real, embora, ao fazer isso de forma intempestiva em relação aos monopólios dos remédios e ao roubo de combustível, tenha provocado desabastecimento e protestos. Apesar de seu radicalismo verbal, tem sido avesso às expropriações e até mesmo ao aumento de impostos para os ricos, embora tenha conseguido reduzir substancialmente a evasão fiscal, que era endêmica no México. E, paradoxalmente, a maior parte de sua política deleitaria o Fundo Monetário Internacional: aversão ao endividamento, equilíbrio das finanças do Governo, redução da burocracia, controle da inflação, estabilidade da moeda, crescimento das reservas internacionais.

Muitas dessas medidas, que poderiam ter propiciado um clima favorável aos negócios e à criação de empregos, acabam sendo dinamitadas pela relação tensa que ele mantém com a sociedade civil e a iniciativa privada. Sua intenção de buscar a autossuficiência energética e o fim dos contratos leoninos o colocou radicalmente em confronto com as multinacionais do setor. Toda essa polarização lhe dá um enorme prestígio entre os setores populares e propícia níveis de aprovação que garantem a vitória nas eleições. Mas também impossibilita a criação de condições para gerar empregos e dinamizar a economia; ou seja, para tirar da pobreza os que menos têm. O presidente estava convencido de que o país cresceria com o mero estímulo ao poder aquisitivo dos setores populares e com a estabilidade nas finanças públicas. A pandemia e a polarização política eliminaram essa possibilidade. Não houve fuga de capitais nem boicote empresarial à economia, mas também não existiu uma disposição do setor privado de se arriscar a investir com um presidente com o qual não concorda. O México está se recuperando da crise, sem muita pena nem glória, e se estima que ao final do mandato de López Obrador o crescimento médio terá sido de 2% do PIB ao longo dos seis anos, uma cifra semelhante à de períodos anteriores. Muito pouco para possibilitar a realização de tantos sonhos.

Primeiro os pobres, depois também

O maior acerto de seu Governo teria sido obrigar o país a zelar pelo México esquecido, esconjurar o risco de cair no abismo e impor à classe política usos e costumes alheios ao desperdício e à ostentação. López Obrador é a expressão política do descontentamento das maiorias que, felizmente, optaram por uma via pacífica em 2018 para se expressar. Apesar de seus traços pitorescos e belicosos, e talvez graças a eles, AMLO conseguiu manter a noção de que o presidente governa pelos e para os interesses dessas maiorias. Talvez essa seja a chave para entender a relativa estabilidade social e política que o México vive, apesar da violência mal contida e da profunda e persistente desigualdade. López Obrador mostra ser um político menos radical do que é acusado e mais responsável pela coisa pública do que se reconhece.

Não está claro qual será o futuro do obradorismo, embora tudo indique que se manterá no poder por mais alguns anos. Alguns acreditam que poderia virar uma versão mexicana do peronismo. Ou talvez López Obrador seja apenas o pioneiro que abriu o caminho a trancos, cotoveladas e mordidas para possibilitar a chegada de uma edição mais moderna da esquerda ao poder quando concluir seu mandato. Ainda faltam três anos, mas ele prometeu abandonar a política no final de 2024 e ir para La Chingada, sua fazenda em Palenque. Provavelmente, esse desejo é a única coisa em que concorda com seus inimigos.

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