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Chanceler venezuelano: “A oposição quer adiar as eleições para conseguir um momento político melhor”

Jorge Arreaza garante que as eleições de dezembro são imutáveis: “Não há nenhuma possibilidade de violarmos a Constituição”

Jorge Arreaza, no palácio de Miraflores, em Caracas.
Jorge Arreaza, no palácio de Miraflores, em Caracas.Carolina Cabral

O Ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza (Caracas, 1973), é o principal interlocutor do Governo de Nicolás Maduro no âmbito internacional. De suas gestões dependem as relações e contatos que Caracas mantém com seus aliados e também com alguns dos principais organismos internacionais. Apesar das tensões permanentes, o chavismo não perdeu os canais de comunicação nem mesmo com Washington. Nos últimos dias, o presidente venezuelano e seus colaboradores criticaram a missão de verificação independente nomeada pela ONU por um relatório muito duro sobre a situação dos direitos humanos no país e alertaram a União Europeia que, apesar de seus pedidos e dos de líderes da oposição, como Henrique Capriles, as eleições parlamentares convocadas para 6 de dezembro não serão adiadas. “Não há nenhuma possibilidade de violarmos a Constituição”, disse Arreaza, que falou ao EL PAÍS nesta segunda-feira por videoconferência. Ambos, em sua opinião, são tentativas de deslegitimar o Governo e fortalecer a oposição.

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Pergunta. Há um mês parecia ter sido aberta uma porta que hoje, pelo menos se prestarmos atenção às declarações da União Europeia e do próprio Governo venezuelano, está novamente fechada. Mantiveram novos contatos com a UE nos últimos dias para falar sobre as eleições, sobre a possibilidade de a UE ir à Venezuela depois desta troca de declarações?

Resposta. Esse assunto com os dois delegados que viajaram à Venezuela foi discutido com muita transparência. A realidade, a posição, foram explicadas e acho que já temos de continuar olhando para o futuro e trabalhando em novas questões. Infelizmente, não houve disposição da União Europeia. Embora precisassem de tempo para uma missão eleitoral completa, poderiam ter enviado algum tipo de delegado, uma missão técnica. Infelizmente, não foi assim. Continuamos conversando com Josep Borrell, hoje mesmo, mas não necessariamente sobre a questão eleitoral.

P. Vê alguma forma de retomar o diálogo antes de dezembro?

R. A posição da UE, o tempo que requere para uma missão eleitoral, é algo imutável, e a Constituição venezuelana tem duas datas imutáveis, que são, para o presidente, a posse em 10 de janeiro do ano correspondente, e para a Assembleia Nacional, o 5 de janeiro. Portanto, em 5 de janeiro de 2021 deve tomar posse uma nova Assembleia Nacional eleita pelo povo venezuelano. Reiteramos que qualquer modalidade de presença da UE e de seus países membros como observadores, acompanhantes, como desejarem, é bem-vinda na Venezuela.

P. Mas não há a possibilidade de que o Governo concorde em falar ou considerar um adiamento dessa votação?

R. É que não há nenhuma possibilidade de violarmos a Constituição. Estaríamos simplesmente incorrendo em uma falta constitucional. As eleições devem ser no ano de 2020 para que a Assembleia Nacional tome posse em 2021, no dia 5 de janeiro. Não há discussão possível aí e esta tem sido a posição venezuelana desde o princípio. O que a oposição procurava permanentemente era adiar, até mesmo antes da pandemia, o processo eleitoral. E é uma fórmula que não existe na Constituição. O que eles estão querendo? Um melhor momento político. Estão fragmentados, divididos, a liderança da pessoa que eles reconheceram no ano passado [Juan Guaidó] está no chão. Eles têm diferenças. Não poderiam ir este ano com uma chapa única. O que eles querem é um momento político melhor, para ganhar tempo. Esse é o jogo da oposição, e a UE aderiu a ele, mas nós não temos de jogar nada além do jogo da Constituição, e as datas são muito claras e taxativas, não são questionáveis nem adiáveis.

P. Os senhores apelam à Constituição para argumentar que as eleições parlamentares deveriam ser realizadas em dezembro. Mas há outro fator e é que a pandemia está afetando o mundo inteiro e isso dificulta a eleição neste momento na Venezuela. As eleições foram adiadas em países da América Latina e em muitas partes do mundo. Não cabe uma exceção em uma situação mundial de emergência de saúde para alcançar um acordo que seja o mais amplo possível?

R. Esse seria um novo pretexto. No Chile, haverá um plebiscito dentro de poucos dias. Na Itália houve um referendo, na Espanha houve eleições regionais ...

P. Mas foram adiadas...

R. Em muitos países da Europa, em Belarus, na Rússia, em situações de saúde muito mais complicadas que as da Venezuela. Infelizmente, na Venezuela temos 650 pessoas mortas, 70.000 casos, mas temos uma letalidade de 1%. Não podemos violar a Constituição venezuelana por causa de uma pressão internacional com pretexto sanitário. Se a situação na Venezuela fosse a do Brasil, a da Colômbia ou a do Chile, poderia ser avaliado, mas não é nem será. Não temos a culpa pelas infâmias da oposição venezuelana, de se unir aos planos dos Estados Unidos, de tentar impor um Governo falso, e depois se arrepender, se dividir, se fragmentar.

P. Nos últimos meses, a UE enveredou por um caminho diferente do de Washington nas relações com a Venezuela e, de alguma forma, se tornou um interlocutor estável. Não teme que a recusa da Venezuela em negociar uma nova data rompa esses canais?

R. Não, isso não nos preocupa, antes de mais nada porque estamos confiantes na maturidade da UE. Insisto: a negativa aqui não é do Governo em adiar as eleições. A data das eleições está na Constituição. A negativa é da UE em enviar algum tipo de missão eleitoral à Venezuela. E não estamos preocupados de modo algum, na verdade já estamos falando sobre outros assuntos, do Conselho de Direitos Humanos, de questões de cooperação. Se eles não querem participar, como os obrigamos? Se a oposição venezuelana não quer participar, se continuar com o golpe contínuo, derrubar o presidente Maduro pela via da violência, como os obrigamos? Nós fazemos nosso trabalho e o fazemos pelo povo da Venezuela. Os outros têm que assumir a sua responsabilidade.

P. Estão ocorrendo novas conversas com Henrique Capriles, que havia manifestado a intenção de participar dessas eleições?

R. Com esse setor da oposição venezuelana o próprio presidente se reuniu no início do ano em duas ocasiões. Jorge Rodríguez acho que já perdeu a conta, e finalmente foi se delineando a posição de um grupo na direção da democracia e a de outro de permanecer em um plano gringo golpista, e, bom, restaram os que restaram. Acordos importantes foram alcançados com esse setor de Henrique Capriles, Stalin González e outros, além dos membros da Mesa Nacional de Diálogo. Daí resultaram não só os perdões e indultos que tiveram peso e custo político para a base chavista importante. Libertar quem tentou matar o presidente, derrubar o Governo, quem foi responsável pela violência política em 2017. Aqui se deu um perdão total aos que estiveram com armas ao lado de militares em 30 de abril do ano passado em um golpe de Estado. E isso em algumas bases é pensar que a impunidade está sendo promovida. Mas não. Trata-se de chegar a acordos, à reconciliação, a reuniões, e esse passo foi dado. Outras medidas foram tomadas também em relação às garantias eleitorais, mesmo extremas, de supervisão conjunta do processo... Agora, se o senhor Capriles recebeu muita pressão ... Ficamos sabendo que as pessoas que se inscreveram para serem candidatas receberam pressão de todo o tipo, não me atrevo a dizer, porque não tenho as provas, até mesmo o tipo de pressão que receberam. Mas foram pressionadas e reconhecem isso. A oposição venezuelana tem que completar sua independência dos Estados Unidos.

P. Os senhores estavam dispostos a retirar as acusações contra Leopoldo López e Juan Guaidó?

R. Eram especulações.

P. Por isso lhe perguntamos.

R. Trabalhamos em conjunto com esse grupo de oposição para buscar uma maior participação e, também, em todos os processos de diálogo vinha sendo proposto o indulto, o perdão às pessoas que participaram de atos violentos contra a Constituição venezuelana, em prol de uma reconciliação nacional para que isso aconteça. Uma maior participação eleitoral é melhor para o país.

P. Borrell afirmou que o não adiamento das eleições dificultaria uma solução negociada e democrática para a crise na Venezuela. O que significariam novas eleições sem o reconhecimento de grande parte da comunidade internacional? Isso o preocupa?

R. Talvez como ministro das Relações Exteriores eu deva me preocupar, mas o povo venezuelano não se importa de modo algum se a UE ou a Espanha ou a Eslovênia ou a Geórgia reconhecem ou não reconhecem seus poderes. Não tem nada a ver com nossa vida cotidiana, com a nossa luta contra o bloqueio, com a nossa necessidade de reativar o aparato produtivo, de ter um novo marco legal que nos permita enfrentar as agressões à nossa economia. Esse é o interesse do povo venezuelano.

P. Em meio à pandemia, a crise se agravou. Escassez de combustível, o país está mais fechado para o exterior, cortes de energia, gás... Nos últimos dias houve novos protestos, e também no interior, nas últimas semanas. Admitem que até mesmo muito de seus eleitores estão descontentes?

R. Tem havido problemas de abastecimento de combustível por causa do bloqueio dos Estados Unidos, não pela crise em geral nem pela pandemia. É que os Estados Unidos não permitem que os navios necessários para processar a gasolina cheguem à Venezuela. E, no entanto, está sendo restabelecida a normalidade no fornecimento. Há vários anos que temos cortes de eletricidade e gás justamente pela complexidade de uma economia que não te permite importar. Os protestos neste ano foram mínimos em comparação aos do ano passado e ao ano anterior. O problema deste ano é a pandemia em todo o mundo. Que há um eleitorado insatisfeito com a revolução, um eleitorado chavista que não está contente com os problemas que existem, que há muitos venezuelanos confusos, com certeza é o caso. Porque essa é a intenção das sanções e dos bloqueios. Leiam o livro de Richard Nephew, conselheiro de Obama sobre sanções. É precisamente isso: o objetivo número 1 das sanções multilaterais é criar dor nas pessoas do país sancionado para que esse povo se rebele contra suas autoridades.

P. Estão dispostos a fazer alguma concessão, a admitir pelo menos que fizeram alguma coisa errada ou cometeram algum erro?

R. Claro, nós somos humanos, não somos extraterrestres ou divinos. Somos homens e mulheres em uma revolução em um país com muitos recursos naturais e uma filosofia de construção de um modelo socialista. Isso é muito complexo. Coloquem vocês Joseph Stiglitz no Ministério das Finanças da Venezuela e digam-lhe para corrigir qualquer política econômica. Não será capaz de fazer isso. Porque quando você toma uma decisão A procurando um resultado B, o resultado será Z. Nós temos feito um grande esforço. Agora vem uma legislação especial, uma lei contra o bloqueio que nos permitirá enfrentar a agressão. Esta é uma guerra não convencional. Por outras vias. E há muitos atores na guerra, não só os EUA. E não estamos apenas nos defendendo, estamos assistindo à ofensiva. Mas não é simples. E se cometemos erros nessa guerra, não temos problema em reconhecer isso.

P. Que erros cometeram?

R. Em matéria econômica, seria necessário uma revisão. Se as decisões foram tomadas a tempo, se a questão dos aumentos salariais para combater a inflação foi eficaz, se deveríamos ter protegido nossos ativos legalmente antes de que nos fossem roubados, se deveríamos ter mantido em outras partes do mundo esses recursos que nos bloquearam nos Estados Unidos e na Europa. Se deveríamos ter tomado alguma precaução em termos da indústria do petróleo para ter estoque suficiente. Se deveríamos ter acelerado os processos com a República Popular da China, com a Rússia, de maiores investimentos na Venezuela. Tudo isso está prestes a uma revisão crítica.

P. Deixando a economia de lado, é importante falar sobre direitos humanos. O recente relatório de uma missão de verificação das Nações Unidas é extremamente duro. Fala de violações muito graves dos direitos humanos, crimes de lesa humanidade... Os senhores fizeram uma retificação à totalidade desse documento. Que excessos cometeram em matéria de direitos humanos?

R. Essa missão é uma missão de especialistas independentes que o Conselho de Direitos Humanos pagou muito bem para que fizesse um relatório. Não é um relatório das Nações Unidas. Não foi aprovada pelo Conselho nem pela Assembleia Geral. Se eu contratar alguns especialistas para que façam um relatório sobre migração, posso usar essa opinião ou não, mas não é um relatório da Chancelaria. Eles não vieram à Venezuela e nós estávamos trabalhando com Michelle Bachelet, com a equipe dela, que está na Venezuela. Foram a todos os lugares aonde quiseram ir e comprovaram a realidade do que está acontecendo na Venezuela, não como aqueles senhores que fizeram por controle remoto. É um absurdo validar essa missão. Que excessos podem ser cometidos na Venezuela? Aqueles que podem ser cometidos em qualquer país do mundo. Alguns foram responsáveis pela morte de pessoas que não tinham relação com alguns acontecimentos, todos estão detidos e processados.

P. Há um ano e meio você nos disse que mantinham algum canal, apesar de tudo, também com Washington. Houve contatos nos últimos dias? E com quem?

R. Há contatos. Pessoalmente, tenho contato com James Story, que parece ser o embaixador para a Venezuela, em Bogotá. Temos contatos permanentes e há contatos por diversas vias com o senhor Elliott Abrams e com outras pessoas que não estou autorizado a citar. E com os democratas sempre houve contatos

P. E do que falam?

R. Nós sempre falamos do levantamento da agressão, das sanções e que nos permitam viver em paz e que respeitem o povo venezuelano. Oferecemos um diálogo respeitoso com eles e até oferecemos investimentos na Venezuela em termos que respeitem nossa Constituição e nossas leis, de que a agressão cesse.

P. Disse que estão em guerra e que não é uma guerra convencional. Até quando considera que vai durar, dadas as circunstâncias?

R. O que o imperialismo busca é vencer esta guerra por meio da rendição, da capitulação. Um dia aqui com Elliott Abrams, por exemplo, em qual ilha Nicolás Maduro iria morar, se era Cuba ou outra ilha do Caribe. Ou como Abrams me ofereceu, a mim também, que fosse viver nos Estados Unidos com minha família, que eu era uma pessoa muito boa, que me dariam segurança, quase me ofereceu uma nova identidade. E tentaram, claro, levar a situação a tal ponto que esse seja o resultado. Se não for esse o resultado, vão tentar pela via do magnicídio, matar Maduro, Diosdado Cabello. A operação mercenária que ocorreu aqui ou a própria operação mercenária da missão de direitos humanos. No final, é o mesmo objetivo, matar política e moralmente

P. Mas qual é a sua sensação? Essa situação vai continuar se prolongando por muito tempo?

R. Estamos preparados para qualquer cenário. Se amanhã a UE e os EUA chegarem e disserem que vão parar com essa agressão, tudo bem, as sanções são retiradas e seguimos em frente. Mas se amanhã mais 700 sanções forem impostas, ignoram a Assembleia Nacional, os prefeitos, os governadores, os professores, nós vamos seguir em frente. Não serão capazes de nos derrubar. Vão fracassar nessa estratégia. Esta é uma maratona e somos maratonistas experientes. Eles não são, eles vão se desesperar.

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