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Indultos de Maduro agitam o debate da oposição antes das eleições na Venezuela

As medidas de graça e o avanço das negociações com o setor de Capriles aumentam a possibilidade de que um setor da oposição participe das legislativas

Roberto Marrero, chefe de gabinete de Juan Guaidó, fala com jornalistas depois do indulto de Maduro.
Roberto Marrero, chefe de gabinete de Juan Guaidó, fala com jornalistas depois do indulto de Maduro.DPA vía Europa Press (Europa Press)

Com a decisão de Nicolás Maduro de conceder o indulto presidencial a 110 venezuelanos, entre eles dirigentes políticos, deputados exilados, ativistas civis e jornalistas, o Governo da Venezuela realiza uma astuta manobra na qual, como em algumas artes marciais, procura neutralizar o inimigo usando a força deste. As medidas de graça e o avanço das negociações com um setor da oposição aproximam este último da participação nas eleições previstas para o fim do ano.

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O chavismo trabalha a toda velocidade para organizar eleições legislativas que lhe permitam estabilizar seu solo político e retomar, ainda que parcialmente, suas relações com a comunidade internacional no meio de uma grave estagnação econômica e social que já dura cinco anos. Neste contexto, Nicolás Maduro está fazendo declarações sobre paz, reconciliação e democracia durante esta semana.

O Palácio de Miraflores adiantou negociações com alguns líderes da oposição, como o duas vezes candidato à presidência Henrique Capriles, concretizando uma medida de graça sem precedentes em duas décadas de chavismo e de uma magnitude muito maior do que a esperada em relação à volumosa lista de presos políticos no país. Ao fazer isso, busca comprometer alguns de seus adversários a romper fileiras em detrimento do que dispôs o líder da oposição Juan Guaidó, ainda reconhecido como presidente interino da Venezuela por grande parte da comunidade internacional, e incentivá-los a participar das eleições legislativas, cuja legitimidade democrática necessita a todo custo.

O chavismo oferece essa inusual demonstração de generosidade em um momento particularmente crítico para as forças de oposição, cuja estratégia central tem dado claros sinais de esgotamento há meses. Impedidos de comparecer à consulta parlamentar nessas condições, Juan Guaidó e a maior parte da plataforma de oposição que o acompanha tiveram problemas nestas semanas para traçar uma estratégia alternativa consistente diante do chamariz eleitoral chavista.

Guaidó procurou ampliar seu espaço político consultando a opinião de outras lideranças do campo democrático, críticos de sua gestão, como María Corina Machado e o próprio Capriles. Os desentendimentos e as agendas paralelas não produziram resultados e contribuíram para o desalento.

Capriles e Guaidó planejavam realizar uma reunião que suspenderam depois do indulto presidencial, um golpe na linha de flutuação de Guaidó. Os partidos que o apoiam esperam que Capriles assuma publicamente sua autoria nas negociações que resultaram nestas libertações de presos e conclua a formalização da sua decisão de participar das eleições legislativas de Maduro. A agenda de Capriles incluiria a possibilidade de persuadir o chavismo a adiar –não suspender– as eleições, em favor de melhores condições.

Apesar das dificuldades para entrar em acordo com seus críticos e da perda de impulso como líder, Juan Guaidó recebeu, mais uma vez, o apoio expresso dos Estados Unidos nestes dias. O secretário de negócios da Embaixada dos Estados Unidos em Caracas, James Story, e o próprio encarregado do Departamento de Estado para a crise venezuelana, Elliott Abrams, assumiram como própria a rota de Guaidó e criticaram veladamente María Corina Machado por seu empenho em promover uma intervenção militar no país. Em relação aos pontos de vista de Capriles, porém, não se posicionaram. O indulto foi saudado pela Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e pelo Alto Representante para a Política Externa da União Europeia, Josep Borrell.

Luis Vicente León, economista, analista político e diretor da Datanálisis, pensa que a medida de Maduro “busca tornar mais potável uma eleição legislativa controlada pelo Governo, com a qual busca se validar diante de seu próprio mercado político e acrescentar também uma estocada na fratura existente na oposição”.

Conscientes das diferenças e da dificuldade de apresentar uma resposta alternativa consistente neste novo contexto –acentuadas agora, graças à inesperada medida chavista– a liderança opositora vinculada a Guaidó realiza há dias reuniões a portas fechadas, ampliando na medida do possível seu espectro de consultas sobre os passos a dar.

Cercado pelo discurso de setores moderados e radicalizados, Guiadó se posicionou a favor dos indultos pelas redes sociais, várias horas depois s da decisão presidencial: “Hoje o regime libertou reféns e, assim, reconheceu uma longa lista de presos e perseguidos políticos, prova de que é uma ditadura e do ataque contra a Assembleia Nacional”. “Todos gostaríamos que isto contribuísse para a reconciliação”, continua, “mas isso só acontecerá com respeito ao Parlamento, à designação constitucional do CNE, ao restabelecimento dos partidos e à independência de poderes. Esse é o caminho. Lutando juntos é como tiraremos o usurpador de Miraflores.”

Os indultos de Maduro aumentaram as vozes da frente crítica que Guaidó tem em suas próprias fileiras, segundo as quais seu diagnóstico está cheio de abstrações e deveria dar lugar a uma política mais realista, que inclua necessariamente fazer algumas concessões e decida passar por uma rota eleitoral.

Michael Penfold, especialista em ciência política e consultor internacional, afirma que os últimos acontecimentos no país “são o resultado de um dilema que tanto Maduro quanto a oposição enfrentam. Para o regime, ir a uma eleição similar à de 2018 pode não ser aceita, inclusive no setor interno. Guaidó enfrenta o problema de não ter à mão uma opção realista, viável, de não ir votar. Com esta decisão Capriles está obrigado a criar um espaço de negociação, a ver se certas condições mínimas se abrem, explorar a opção eleitoral. Tentando obrigar, também, o G-4, a modificar uma política que na prática não está funcionando. A política de Capriles tem riscos muito altos, mas se abre em um momento de muita inércia e nesse sentido o que fez tem um impacto relevante”.

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