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Supremo venezuelano golpeia a oposição destituindo as direções de dois partidos

Tribunal desautoriza os líderes do Primeiro Justiça e Ação Democrática e nomeia novas diretorias

O presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup.
O presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup.BLOOMBERG

O Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela desfere um novo golpe na oposição com a entrega de dois de seus principais partidos, o Primeiro Justiça e a Ação Democrática, a direções menos beligerantes ao Governo de Nicolás Maduro. Na segunda-feira emitiu uma sentença em que suspende de suas funções a atual direção do histórico partido de oposição Ação Democrática (AD) e decide nomear uma diretoria ad hoc para realizar um processo de reestruturação interna. E na terça fez o mesmo com o Primeiro Justiça (PJ), o partido de Henrique Capriles e Julio Borges. A sentença do tribunal, controlado pelo chavismo, reconhece Bernabé Gutiérrez, pouco tempo atrás secretário de Organização da Ação Democrática, como o novo presidente da organização; e José Brito, expulso do PJ por suposta corrupção, como o novo coordenador nacional do partido.

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As decisões judiciais também são um golpe político contra Henry Ramos Allup, destacado dirigente de oposição, secretário geral da AD durante 20 anos, que controla completamente as simpatias e a estrutura interna do partido, e que há pouco tempo havia declarado a decisão da AD de não participar das eleições parlamentares planejadas pelo Governo para o final do ano, por considerar que não têm garantias suficientes. O partido Primeiro Justiça se pronunciou nos mesmos termos, condenando a designação unilateral da nova autoridade eleitoral por parte do Supremo: “Nicolás Maduro e o STJ continuam com sua violação da Constituição ao fechar as portas às eleições livres”.

Bernabé Gutiérrez, que era considerado um aliado de Ramos Allup nas fileiras da Ação Democrática, havia insistido, por outro lado, na necessidade de participar nas próximas eleições legislativas, da mesma forma que algumas organizações minoritárias da oposição. Com essas premissas, propôs a realização de uma consulta interna para obstruir as diferenças de critério. José Brito é acusado de participar de uma trama de corrupção que tinha o propósito de limpar a imagem de empresários ligados ao regime e por isso foi afastado de sua organização.

Uma análise estendida interpreta que a decisão do STJ tem o mesmo objetivo que a feita contra Luis Parra e outros políticos oposicionistas dissidentes acusados de corrupção em janeiro deste ano. Ou seja, “clonar” sua diretoria com políticos de seu espectro ideológico e outorga-lhes na sequência a validade legal das instituições do chavismo, para combater o desafio de Juan Guaidó e fortalecer suas convocatórias.

O Primeiro Justiça e a Ação Democrática são membros do chamado G-4 (também integrado pelo Vontade Popular e Um Novo Tempo), aliança dos quatro maiores partidos de oposição que fundamenta o apoio a Guaidó. A plataforma é acompanhada de outras organizações menores, como o Projeto Venezuela, Encontro Cidadão e Causa Radical e reúne pelo menos 90% do ativismo da oposição venezuelana.

As decisões ocorrem quase imediatamente após o próprio tribunal decidir por conta própria a conformação dos membros do novo Conselho Nacional Eleitoral para as próximas eleições parlamentares, passando por cima da Assembleia Nacional, de maioria oposicionista, órgão constitucionalmente com poderes para fazê-lo. Um dos diretores designados pelo Supremo é José Luis Gutiérrez, irmão de Bernabé.

Fundador do regime democrático criado na Venezuela em 1958, a Ação Democrática foi o grande partido de massas na Venezuela do século XX. De orientação socialdemocrata, membro da Internacional Socialista, cinco ex-presidente venezuelanos da segunda metade do século XX fizeram parte de suas fileiras: o escritor Rómulo Gallegos; Rómulo Betancourt – fundador do partido e pai da democracia na Venezuela –; Raúl Leoni, Carlos Andrés Pérez e Jaime Lusinchi.

“A Ação Democrática não irá colocar seu destino nas mãos de ladrões. A AD vai resistir”, declarou Ramos Allup se referindo aos juízes do STJ. O responsável pela sentença do Supremo venezuelano, Juan José Mendoza, foi militante e conhecido deputado chavista na década passada. O Comitê Executivo Nacional de Ação Democrática recebeu palavras de solidariedade de quase todos os setores da opinião pública venezuelana, incluindo o Partido Comunista da Venezuela, PCV, organização aliada do chavismo, que emitiu um comunicado em que repudia “a judicialização dos processos internos dos partidos políticos”, e acusa o STJ de promover ações acomodatícias e ilegítimas”.

Após sofrer um duro colapso com a irrupção de Hugo Chávez na política venezuelana, em 1999, a Ação Democrática enfrentou um processo de reconstrução sob a férrea disciplina interna imposta por Ramos Allup, dirigente que é considerado um clássico da política venezuelana, um dos poucos ativistas sobreviventes da vida púbica do século XX no país.

Um partido com clara vocação eleitoral, a Ação Democrática seguiu nesses anos uma linha oposicionista mais moderada contra Nicolás Maduro do que as do Vontade Popular e Primeiro Justiça, movimentos que o chavismo considera seus principais adversários. Maduro tentou outras vezes seduzir a AD com pedidos de diálogo e tinha a esperança de que o partido participasse das eleições parlamentares.

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