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Bolsonaro é “líder e porta-voz” das ‘fake news’ no país, diz relatório final da CPI da Pandemia

Documento descreve “a organização oculta e complexa” que espalha notícias falsas no Brasil e que é chefiada pelo presidente da República e por seus filhos que ocupam cargos políticos

O presidente Jair Bolsonaro exibe uma caixa de remédio ao anunciar em seu perfil no Facebook, no dia 25 de julho de 2020, que havia testado negativo para covid-19 após quase 20 dias de infecção.
O presidente Jair Bolsonaro exibe uma caixa de remédio ao anunciar em seu perfil no Facebook, no dia 25 de julho de 2020, que havia testado negativo para covid-19 após quase 20 dias de infecção.Reprodução/Facebook

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O presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) comandam uma “organização oculta e complexa” que espalha fake news pelo Brasil. Essa é uma das principais conclusões do relatório final da CPI da Pandemia, apresentado nesta quarta-feira, que acusa a família Bolsonaro de agravar a pandemia de covid-19 através de uma campanha de desinformação.

Os senadores destacam que, durante os últimos 18 meses, o presidente fez declarações que minimizaram a emergência sanitária, contrariaram orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e promoveram tratamentos sem comprovação científica, além de repudiar as vacinas. Um dos casos mais danosos, conforme consta no relatório, foi a defesa que fez das pesquisas e da conduta da Prevent Senior, acusada de maquiar mortes por covid-19, distribuir kits de tratamento precoce e fazer pesquisa sem consentimento de pacientes. Jair Bolsonaro é “líder e porta-voz” das fake news no país, conclui o relatório.

O documento, assinado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, explica que a campanha de desinformação perpetrada pela cúpula do Governo federal pretendeu não apenas divulgar mentiras sobre medidas sanitárias que devem ser adotadas, mas também “extrair proveito econômico ou político”. Essa organização seria formada por cinco subgrupos, sendo o primeiro deles o núcleo de comando, formado por Bolsonaro e seus filhos, que dirigem e orientam estrategicamente as ações, seguido pelo núcleo formulador, que atua diretamente no Palácio do Planalto e é popularmente conhecido como o gabinete do ódio, capitaneado por Carlos Bolsonaro, com o apoio dos assessores Filipe Martins e Tercio Arnaud.

Em seguida, aparece o núcleo político, que dá suporte às decisões da organização e é formado por parlamentares, políticos, autoridades públicas e religiosas, entre os quais se destacam os deputados federais Ricardo Barros, Osmar Terra, Carlos Jordy, Carla Zambelli, Bia Kicis, Carlos Wizard, o ex-ministro Ernesto Araújo, Roberto Goidanich (ex-presidente da FUNAG), o ex-deputado Roberto Jefferson e o ministro Onyx Lorenzoni. De acordo com o relatório, essas pessoas incentivaram o descumprimento das normas sanitárias impostas para conter a pandemia e adotaram condutas de incitação ao crime. Um exemplo são as 27 publicações feitas por Carla Zambelli nas redes sociais, somando 312.000 interações, em que ela defende o uso de medicamentos sem eficácia contra a doença, como a hidroxicloroquina. Todos eles tiveram o indiciamento pedido pelo relator da CPI.

Há ainda o núcleo de produção e disseminação de fake news, no qual estão influenciadores como o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, os veículos de mídia organizados, como Terça Livre e Brasil Paralelo, e os perfis anônimos —não raramente, robôs comandados por membros do gabinete do ódio, aponta o documento. Por fim, há o núcleo de financiamento, que sustenta economicamente a organização, gerando o impulsionamento das fake news, e é representsdo pelos empresários Otávio Fakhoury, que integra o Instituto Força Brasil, e Luciano Hang, ambos investigados pela CPI.

As principais mentiras que a organização divulgou sobre a crise sanitária global dizem respeito à origem do coronavírus, encorajando ataques à China e sua população, com “conteúdo nitidamente xenófobo”, como destaca o documento, além de críticas ao isolamento social e ao uso de máscaras, com argumentos falsos sobre sua eficácia no controle da pandemia. Também há uma campanha de promoção do chamado tratamento precoce, baseada em estudos falhos sobre a eficácia dos medicamentos usados para tratar a covid-19.

Exemplo disso é uma postagem do ex-deputado federal Roberto Jefferson, que, antes de sua conta no Twitter ser tirada do ar, publicou que as vacinas contra essa doença poderiam mudar o DNA das pessoas: “Os globalistas preparam uma vacina para mudar nosso DNA, que nos foi dado por Deus”, disse na mensagem que teve 34.000 compartilhamentos. A disseminação desse tipo de mentira chegou a fazer com que indígenas, entre os mais vulneráveis na pandemia, se recusassem a receber os imunizantes.

Em outro exemplo que aparece no relatório da CPI, o deputado federal Osmar Terra defende no Twitter a imunidade de rebanho da população brasileira e publica informação falsa sobre a letalidade do coronavírus. “Imunidade de rebanho deve acabar com o surto antes da vacina ter impacto. Pela letalidade média, mundial, deste vírus (0,27%), podemos estimar número de contaminados/imunizados em cada lugar. É uma regra de três simples: para cada 27 que infelizmente morrem, 10 mil contaminam e se imunizam (sic)”, escreveu ele em 24 de março deste ano, quando o Brasil somava mais de 300.000 mortos por covid-19.

Para divulgar a narrativa negacionista liderada pelo presidente Bolsonaro, o relatório afirma que a organização utilizou uma profusão de canais, páginas e perfis em redes sociais e plataformas como o YouTube, para “direcionar a opinião pública, não apenas em relação às medidas de combate à pandemia, mas também em relação a outros aspectos, a fim de fortalecer sua base de apoio político e auferir ganhos financeiros”, diz o relatório. Um exemplo desse modus operandi investigado pela CPI é o canal Terça Livre e seu dono, Allan dos Santos, que chegou a publicar o seguinte no Twitter: “Omitir o uso de cloroquina é o mesmo que deixar judeus na dúvida entre chuveiro e câmara de gás”. Essa declaração recebeu quase 12.000 curtidas e mais de 2.000 compartilhamentos e desconsiderava que a droga pode apresentar efeitos danosos ao organismo se usada incorretamente. A declaração foi repercutida no canal e em outros perfis do blogueiro, em um processo que a Polícia Federal denomina “dupla sustentação”: ao repercutir as desinformações, os canais recebem uma remuneração cada vez maior pelas visualizações geradas e, ao mesmo tempo, a narrativa falsa se fortalece à medida em que é repetida e compartilhada por outros usuários e influenciadores.

A CPI também identificou que “não apenas os órgãos públicos de comunicação se omitiram em sua missão de combater boatos e a desinformação, mas participaram ativamente do processo de criação e distribuição” de fake news. No Facebook, por exemplo, as campanhas de desinformação eram iniciadas com postagem realizadas por contas falsas e, em seguida, influenciadores digitais eram contratados para difundir essas informações, muitos deles pagos por agências contratadas pela Secretaria Especial de Comunicação (Secom), em gastos que somaram mais de quatro milhões de reais. “A Secom não realizou nenhuma campanha para promover as medidas preventivas então disponíveis à época, quais sejam: o incentivo ao uso de máscaras e o respeito ao distanciamento social”, lê-se no relatório. O documento salienta a gravidade desses fatos ao lembrar que cerca de 120.000 vidas poderiam ter sido salvas no Brasil —segundo a estimativa mais conservadora de epidemiologistas ouvidos pela CPI— caso fossem adotadas e divulgadas medidas sanitárias preconizadas por autoridades internacionais como a OMS.

Crimes e castigo

Além da campanha de desinformação durante a pandemia, consta no relatório final da CPI que essa mesma organização que dissemina fake news no país vem agindo com “agressões sistemáticas a membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e as ofensas reiteradas à lisura do processo eleitoral conduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)” —como a defesa do voto impresso e o descrédito das urnas eletrônicas—, com o “nítido intuito de gerar descrédito nas instituições do país e causar sua desestabilização política”. O senador Renan Calheiros, relator da comissão, utilizou no relatório final informações obtidas no inquérito das fake news conduzido pelo STF e também da CPI das Fake News, cujas atividades estão paradas, algo que gerou queixas dos senadores governistas. Os defensores de Bolsonaro alegam falta de provas sobre os indiciados e reclamam que muitos deles, como Carla Zambelli ou Bia Kicis, sequer foram convocados a prestar depoimento à comissão, não podendo, assim, se defender.

O documento insiste que houve “conduta criminosa” dos agentes públicos, destacando a responsabilidade de Jair Bolsonaro, que, em mais de uma ocasião, afirmou que a vacina contra a covid-19 causaria “morte, invalidez, anomalia”. Em 26 de novembro de 2020, por exemplo, o presidente disse que não tomaria o imunizante e incitou as pessoas a também não receber a vacina, pois estariam “fazendo mal a si mesmas”. “Essas publicações são indícios da prática da infração penal de incitação ao crime de descumprimento de norma sanitária. Na prática, ao estimular a população a se aglomerar, a não se vacinar, a desobedecer às regras de uso de máscara e de lockdown, pessoas influentes e agentes políticos contribuíram para o agravamento da pandemia”, diz o relatório.

Os senadores que compõem a comissão identificaram, no entanto, “a ausência de uma tipificação penal para punir de forma satisfatória as pessoas que divulgam informações falsas” e destacam a necessidade de “aprimoramento” na legislação brasileira para punir a produção ou disseminação de fake news no âmbito do Direito Penal. Os membros da CPI também defendem o aperfeiçoamento da identificação de usuários e perfis de redes sociais na internet para responsabilizar infratores, além das próprias redes sociais e plataformas digitais. “Como os algoritmos usados por essas empresas não levam em consideração o teor desinformativo das postagens, eles acabam estimulando os abusos por meio de suas plataformas. Dessa forma, é imprescindível endurecer as regras de publicação de conteúdo e monetização de seus titulares, impedindo que tais artifícios sejam empregados para atentar contra a saúde pública ou qualquer outra finalidade contra o interesse público”, reza o relatório. Afinal, a pandemia de covid-19 mostrou-se um nefasto exemplo de como as fake news também matam.

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