_
_
_
_
_

“A Coronavac vai nos permitir começar o processo de controle da pandemia”

Vacina da chinesa Sinovac com o Butantan tem potencial de reduzir hospitalizações e facilidade de distribuição, mas eficiência prática depende de Ministério da Saúde conseguir por de pé campanha de vacinação ampla e robusta

Autoridades de Saúde do Governo de São Paulo e cientistas acompanham o presidente do Butantan, Dimas Covas, durante anúncio de dados da Coronavac.
Autoridades de Saúde do Governo de São Paulo e cientistas acompanham o presidente do Butantan, Dimas Covas, durante anúncio de dados da Coronavac.Governo de São Paulo (Divulgação)
Beatriz Jucá

Aviso aos leitores: o EL PAÍS mantém abertas as informações essenciais sobre o coronavírus durante a crise. Se você quer apoiar nosso jornalismo, clique aqui para assinar.

Em um cenário no qual o Brasil apostou na aquisição prévia de poucas vacinas contra o coronavírus e há uma forte disputa global para comprar doses dos mais diversos laboratórios que têm imunizantes promissores, o anúncio dos dados de eficácia de 50,38% da Coronavac é apontada por especialistas como um alento para que o Brasil consiga enfim começar a imunização da população e manter uma campanha com menos riscos de disrupções, já que será produzida nacionalmente e tem facilidades logísticas para distribuição no gigante território nacional. “Esta vacina (Coronavac) é compatível com a nossa capacidade de produção local, armazenamento, cadeia de frios e distribuição”, salienta a presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, que participou do evento de apresentação dos dados gerais de eficácia nesta terça-feira. Já a eficiência prática do imunizante no geral da população dependerá da capacidade do Ministério da Saúde conseguir pôr de pé uma campanha de vacinação ampla.

Mais informações
Brazil's Sao Paulo state governor Joao Doria holds a box of China's Sinovac coronavirus disease (COVID-19) vaccine during a news conference about its efficacy results at Instituto Butantan in Sao Paulo, Brazil January 7, 2021. REUTERS/Amanda Perobelli
Marketing de Doria para divulgar Coronavac sai pela culatra e alimenta movimento antivacina
Brazil's Sao Paulo state Health Secretary Jean Gorinchteyn holds a box of the 'CoronaVac' COVID-19 vaccine, developed by Sinovac Biotech as the plane carrying containers with 5,5 million doses arrives at Viracopos International Airport, in Campinas, Brazil December 24, 2020. REUTERS/Amanda Perobelli
Butantan: Coronavac tem eficácia global de 50,38% em testes no Brasil e pode minimizar pressão sobre o SUS
A medical worker takes a selfie as he receives an injection with a dose of the Pfizer-BioNTech COVID-19 vaccine at the Regional Military Specialty Hospital in San Nicolas de los Garza, on the outskirts of Monterrey, Mexico December 29, 2020. REUTERS/Daniel Becerril
Vacinação na América Latina começa lenta, desigual e envolta por desconfiança

O anúncio sobre os resultados da pesquisa brasileira com a Coronavac foi feito a conta gotas nos últimos dias e ganhou várias críticas da comunidade científica por problemas de transparência, o que jogou pressão para a divulgação de informações mais gerais, enfim anunciadas agora. Elas mostram uma vacina segura e com um potencial importante para reduzir as hospitalizações pela covid-19 em um momento em que a pandemia voltou a ganhar força no país ―o Imperial College voltou a mostrar que a taxa de transmissão voltou a crescer― e já pressiona sistemas de saúde em várias regiões. A vacina é potencialmente capaz de desafogar o SUS em um espaço menor de tempo, mas precisaria ser aplicada em praticamente toda a população para alcançar uma imunidade de rebanho, ou imunidade coletiva, que é quando o vírus reduz a circulação. Mas isso deve demorar mais a ocorrer e contar com outros imunizantes na estratégia nacional, segundo gestores e especialistas. Até o momento, nenhuma das vacinas tem autorização para uso emergencial, mas a Anvisa promete dar respostas sobre a Coronavac e a da Astrazeneca no próximo domingo, 17 de janeiro, às 17h, se receber informações ainda pendentes.

Na prática, a eficiência da Coronavac ―e de outras vacinas― depende de uma campanha de vacinação em massa e robusta, que deverá ocorrer sob a coordenação de um Ministério da Saúde criticado pela demora no planejamento para fazer a vacina chegar de fato aos postos de saúde. O Governo Federal ainda tem uma série de lacunas na estratégia e uma limitação de poucas doses já prontas para distribuição ou na iminência de chegar ao país nos próximos dias: 6 milhões de vacinas do Butantan e 2 milhões da AstraZeneca, que tem parceria para futura produção pela Fiocruz. Cientistas e gestores públicos têm pressionado o Governo para agilizar a vacinação e apresentar um plano mais sólida, além de solicitar a aquisição de mais tipos de imunizantes para tentar frear a pandemia no país e de promover uma campanha de comunicação pró-vacina clara. Pesa sobre isso a retórica do presidente Bolsonaro, que tem repetido não ser contra nem a favor das vacinas, mas se posicionado contra a obrigatoriedade da vacinação e lançado dúvidas sobre riscos de efeitos adversos.

Coronavac não apresentou efeitos adversos graves

Conforme demonstrou o diretor do Centro de Segurança Clínica e Farmacovigilância do Butantan, Alex Precioso, em coletiva de imprensa, a administração da Coronavac nos testes não registrou nenhum efeito adverso grave associado à vacina e somente 0,3% dos voluntários apresentaram alguma reação alérgica, sem diferenças entre os que receberam a vacina ou placebo. Por outro lado, as promessas políticas feitas nos últimos meses pelo governador João Doria elevaram a expectativa sobre a eficácia da Coronavac e ajudaram a amplificar a desconfiança sobre a vacina quando foi apresentada a eficácia de cerca de 50%, após muitos ruídos de comunicação. “Se os resultados não são exatamente o que esperávamos porque queríamos uma vacina de eficácia de 90%, são bons resultados, honestos, perfeitamente aceitáveis. (...) Esta é uma vacina possível para o Brasil”, alerta Pasternak.

A Coronavac tem alguns pontos favoráveis que devem ser levados em conta para a estratégia brasileira: será produzida em território nacional pelo Instituto Butantan ―que espera chegar a produção de 1 milhão de doses diárias― e não tem grandes dificuldades para distribuição no país, já que as doses podem ser armazenadas em temperaturas condizentes com a rede de refrigeradores que o SUS já dispõe, diferente das vacinas de RNA mensageiro como as da Pfizer e da Moderna, com eficácia superior a 90%. A vacina da AstraZeneca, que começará a ser produzida pela Fiocruz a partir do próximo mês, também tem estas características de facilidade logística. “Temos uma boa vacina. Não é a melhor vacina do mundo, não é uma vacina ideal, é uma boa vacina que tem a sua eficácia dentro dos limites do aceitável”, diz Pasternak, referindo-se à Coronavac. “É uma vacina que vai nos permitir começar o processo de controle da pandemia”.

Na semana passada, o Governo de São Paulo havia divulgado apenas desfechos secundários dos testes da Coronavac no Brasil. Anunciou que a vacina tinha uma eficácia de 78% para prevenir casos leves de covid-19 e de 100% para casos moderados e graves. Os dados ignoravam os resultados de casos muito leves da doença e os assintomáticos. Nesta terça, as autoridades paulistas informaram uma eficácia global de 50,38%, que é a redução de riscos de contrair a covid-19 em relação ao grupo placebo. O percentual vem da análise de casos entre os grupos que receberam a vacina e o placebo (substância sem efeito que é dado para parte dos voluntários, sem que eles saibam, para controlar os resultados do estudo). De um grupo de 4.599 voluntários que receberam placebo nos testes, 3,6% pegaram covid-19. Entre os 4.653 voluntários que receberam a vacina, 1,8% contraíram a doença. Em resumo, a pesquisa mostra que a pessoa que foi vacinada tem metade das chances de ficar doente.

Caminho mais longo para uma imunidade de rebanho

“Não é excelente, uma eficácia altíssima, mas preenche os requisitos da OMS e do FDA. A consequência e implicação dela é que vai nos levar a ter que vacinar cerca de 100% da população para conseguir uma interrupção da transmissão no Brasil”, explica a epidemiologista e vice-presidenta do Sabin Vaccine Institute, Denise Garrett. Ela aponta que a capacidade da Coronavac em prevenir 78% dos casos leves está clara e é estatisticamente significante. Mas as confirmações ficam por aí. A prevenção de 100% de casos moderados e graves é uma tendência importante, mas não é significativo estatisticamente porque foram poucos os eventos observados: apenas 7, todos do grupo placebo.

O próprio diretor diretor médico de pesquisa clínica do Butantan, Ricardo Palácios, ponderou sobre este dado. “Há uma tendência da vacina a diminuir a intensidade clínica da doença. Não há uma promessa de que ninguém vai morrer se vacinado porque nenhuma vacina pode fazer esta promessa”, explicou. “O que temos que começar a interpretar é a tendência, que corresponde a um efeito biológico esperado. O que a gente vê é que este número é consistente com a hipótese, mas fazer uma afirmação absoluta é difícil”, acrescenta, sobre o dado preliminar de 100% de eficácia contra casos graves.

A ponderação não invalida o potencial da Coronavac no combate a pandemia no Brasil. “O que temos é uma vacina com 50% de eficácia, que deve ser usada e já vai ajudar. É nisso que temos que estar focando”, aponta Garrett. Segundo a pesquisadora, quando começar a vacinação em massa, o impacto na redução das hospitalizações vai começar a aparecer. “O que vai demorar é para controlar a transmissão do vírus”, diz. Isso porque há uma correlação entre a eficácia menor e a necessidade de vacinar uma maior fatia da população para alcançar uma proteção coletiva, a chamada imunidade de rebanho.

E é aí que entra outra fase importante das pesquisas com as vacinas: a análise da efetividade delas na população em geral e os impactos na pandemia, o que só ocorrerá após o início da vacinação. “A efetividade desta vacina (Coronavac) no mundo real vai depender da [nossa capacidade de] vacinação”, salienta Pasternak, que lembra que a o início da imunização não representa o fim da pandemia, mas é um primeiro passo para conseguir controlá-la. “Não vai pôr fim e muito menos instantaneamente. Vamos precisar de medidas de prevenção por um bom tempo”, acrescenta. A população deve continuar usando máscaras e adotando o distanciamento social.

O secretário da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, defende iniciar a imunização no Brasil com as vacinas disponíveis no momento, mas ressalta a importância de incorporar novos imunizantes ao Plano Nacional de Imunizações. “Não conseguimos fazer o controle da pandemia como imaginávamos. Só a vacina mudará a trajetória do nosso país”, argumenta.

A comunidade científica brasileira tem defendido o início de uma campanha de comunicação rápida pelo Ministério da Saúde para informar a população sobre a segurança e eficácia das vacinas, especialmente em um contexto em que a disputa política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria alimenta a polarização e pode minar a confiança sobre os imunizantes contra a covid-19. O diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, afirma que o desafio da campanha de vacinação contra a covid-19 será maior por conta da polarização e que é preciso convencer a sociedade para aderir ao calendário que será proposto. “De nada adianta o mais eficiente cientista desenvolver a vacina, o estudo ser desenvolvido com o rigor se elas não chegarem à população”, diz.

Siga a cobertura em tempo real da crise da covid-19 e acompanhe a evolução da pandemia no Brasil. Assine nossa newsletter diária para receber as últimas notícias e análises no e-mail.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_