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Doria dobra aposta na polarização política da covid-19 e promete vacinação para janeiro

Governador de São Paulo diz que vai criar programa estadual e critica plano Saúde, que fala de março como data. Tucano classifica Governo Bolsonaro de “irresponsável e ideológico” e vai ao aeroporto receber a “vacina do Brasil”

João Doria e e diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, seguram caixas com a vacina Coronavac no aeroporto de Guarulhos, em novembro.
João Doria e e diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, seguram caixas com a vacina Coronavac no aeroporto de Guarulhos, em novembro.AMANDA PEROBELLI (Reuters)

A polarização política no Brasil contaminou novamente a corrida para obter uma vacina contra a covid-19. A guerra ideológica entre o Governo Federal liderado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador do Estado de São Paulo, João Dória (PSDB) atingiu um novo ápice nesta quinta-feira. O político paulista foi pessoalmente ao aeroporto de Guarulhos recepcionar a chegada de um lote de 600 litros de matéria-prima vinda da China, que será usada para gerar 1 milhão de doses da vacina Coronavac, desenvolvida em parceria entre o laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan ―a qual ele costuma se referir como “a vacina do Brasil”.

Pouco depois, Doria disparou a artilharia sobre o Governo Bolsonaro. Anunciou que pretende iniciar por conta própria uma campanha estadual de vacinação já em janeiro, à frente do programa do Ministério da Saúde, previsto para começar em março. O imunizante da parceria chinesa ainda não possui registro final na Anvisa, a entidade regulatória nacional e sob influência do Governo Bolsonaro, mas, pela lei que regula o enfrentamento da pandemia, um fármaco sem esse aval pode, sim, ser usado para imunizar a população, caso ela receba a aprovação dos EUA, União Europeia ou Ásia. A questão é que, ainda assim, é a Anvisa que tem conceder autorizações de emergência que permitiriam a aplicação da vacina sem registro. A agência disse que poderá fazê-lo mas, até esta quarta-feira, informou que nenhuma empresa fabricante havia solicitado o tipo de uso.

Doria prometeu que, na próxima segunda-feira (7), irá anunciar os planos completos para vacinar a população do Estado ―embora não tenha entrado em detalhes, sobre como fará, por exemplo, para evitar grandes deslocamentos de populações em busca do vacina, o que poderia gerar o casos na distribuição do imunizante. Em entrevista coletiva no início da tarde, seguiu na ofensiva:

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An airport worker checks a container carrying the experimental COVID-19 vaccine CoronaVac after it was unloaded from a cargo plane that arrived from China at Guarulhos International Airport in Guarulhos, near Sao Paulo, Brazil, Thursday, Nov. 19, 2020. The experimental vaccine is being tested in a partnership with the Butantan Institute and Chinese pharmaceutical company Sinovac. (AP Photo/Andre Penner)
Anvisa abre a porta para o uso emergencial no Brasil de vacinas contra covid-19 ainda em testes
(FILES) In this file photo a woman receives a Covid-19 vaccination from Yaquelin De La Cruz at the Research Centers of America (RCA) in Hollywood, Florida, on August 13, 2020. - The Pfizer and Moderna Covid vaccines could be approved in a matter of weeks, but who in the United States will get them first? Though nothing has yet been decided, US experts may differ from other countries in prioritizing "critical workers" who keep society running -- potentially even before people at highest risk. To be clear, there won't be one single set of rules for the whole nation. (Photo by CHANDAN KHANNA / AFP)
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In this undated photo issued by the University of Oxford, a volunteer is administered the coronavirus vaccine developed by AstraZeneca and Oxford University, in Oxford, England. Pharmaceutical company AstraZeneca said Monday Nov. 23, 2020, that late-stage trials showed its coronavirus vaccine was up to 90% effective, giving public health officials hope they may soon have access to a vaccine that is cheaper and easier to distribute than some of its rivals. (University of Oxford/John Cairns via AP)
Brasil fica para trás na estratégia de vacinação contra a covid-19 e acende alerta

“Assisti com indignação ao anúncio do Ministério da Saúde de que a imunização se iniciaria apenas em março. Indago se os membros do Governo Federal não enxergam o fato de que temos mais de 500 brasileiros que morrem todos os dias. É surpreendente a indiferença e falta de compaixão com a vida”, disse Doria. E foi além: para ele, “quase 60 mil brasileiros podem morrer até março pela irresponsabilidade de um governo ideológico, que não tem compaixão, que não tem respeito pela vida, que é negacionista na pandemia. Aqui, nós não esperamos sentados, nós trabalhamos”. No entanto, ao mesmo tempo em que fazia essas declarações políticas, ele afirmava que “não houve, não há e nem haverá decisão política em relação ao coronavírus no Estado de São Paulo”.

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Outros membros do governo paulista seguiram a mesmo linha durante a coletiva, transformada em uma espécie de palco político. Dimas Covas, diretor do Butantan, disse que os resultados de eficácia da fase 3 de testes da Coronavac serão apresentados até o dia 15 de dezembro. “Cumprimos o compromisso de trazer a vacina o mais rapidamente possível. Não faz sentido ter uma vacina pronta e não usá-la. Precisamos de um programa de imunização ágil por parte do Governo federal”, completou o diretor. “Estamos todos perplexos com a previsão do Ministério da Saúde de iniciar a vacinação só em março. Teremos em janeiro milhares de pessoas que vão ficar doentes, que vão se internar, que irão a óbito”, ressaltou João Gabbardo, o coordenador executivo do Centro de Contingência do coronavírus em São Paulo e ex-secretário do Ministério. “No meu entendimento, no momento em que o Instituto Butantan entregar os resultados, ela estará técnica e formalmente apta a ser utilizada em caráter emergencial”, disse ele.

A vacina chinesa se tornou o prato forte das aspirações presidenciais de Doria em 2022. O lote recebido é parte das seis milhões de dose que ele comprou. O Instituto Butantan, de São Paulo, participaria de uma futura fabricação nativa em cooperação com a Sinovac. Seu equivalente carioca, a Fiocruz, colabora na vacina da AstraZeneca e Oxford, cujas primeiras doses são esperadas em fevereiro.

Ocupação em alta

Os políticos brasileiros seguem polemizando, enquanto os juízes analisam se a vacina deve ser obrigatória (quando estiver disponível), e os cientistas e sanitaristas levam as mãos à cabeça, porque a ocupação nas UTIs supera 90% em um quinto dos Estados; o Rio de Janeiro beira o colapso com mais de 92% dos leitos de UTI em uso. Nesta quinta-feira, quando o Brasil registrou 755 mortes pela doença, o Ministério da Saúde chamou atenção para a alta de casos na região Sul. O Brasil é o segundo país do mundo com mais mortos por covid-19 (174.000) e o terceiro em casos (6,4 milhões).

Os contágios por covid-19 aumentaram tanto no Brasil ao longo de outubro que na segunda-feira a Organização Mundial da Saúde fez um chamado de atenção especial ao país. Pediu às autoridades que levem este repique “muito a sério”, porque os números são “muito preocupantes”. Outros aspectos causam inquietação nos especialistas: o Governo federal tem em estoque, prestes a caducarem, mais exames PCR do que já foram feitos em toda a rede pública deste o início da pandemia, e uma formidável batalha política está sendo gerada em torno da aprovação das vacinas, porque cada uma tem seu próprio padrinho político no Brasil. Não se trata apenas de imunizar a população, mas sim do potencial negócio de fabricá-la para o resto da América do Sul.

O Ministério de Saúde anunciou as linhas gerais do seu programa de imunização um dia antes de o Reino Unido se tornar, na quarta-feira, o primeiro país do mundo a autorizar uma vacina. Mas no Brasil o processo de autorização está marcado pela polarização que desde o primeiro momento atrapalha a gestão desta crise sanitária. Diante da falta de liderança do presidente Jair Bolsonaro, cada governador se virou como pôde, e alguns, como Doria, assinaram diretamente seus próprios acordos com os laboratórios, enquanto o país se transformava no campo de provas de quatro ensaios clínicos.

O Governo federal tem um acordo com a AstraZeneca e a Universidade de Oxford para adquirir 100 milhões de doses (ou seja, quase metade da população, caso as doses sejam únicas), enquanto o Doria aposta tudo no composto desenvolvido pela Sinovac. Antes do carregamento desta quinta-feira, Doria havia recebido no mês passado as primeiras 120.000 doses, que ficaram à espera da conclusão dos ensaios clínicos e do processo de aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Simultaneamente, Bolsonaro semeia dúvidas com o argumento de que a vacina vem da China e proclama que ele não pretende se vacinar. Aos 65 anos, já teve a doença, sem sequelas.

Doria – governador do Estado mais rico, mais populoso e que mais mortes por covid-19 acumula – já havia expressado abertamente dias atrás o seu temor de que essa rivalidade tenha consequências: “Suspeitamos que Anvisa possa sofrer interferências políticas da presidência e poderia não agir com a independência que deveria”, disse ao jornal Metrópoles.

Enquanto Doria pressiona publicamente, os primeiros detalhes sobre como será a vacinação em nível nacional foram divulgados nesta terça-feira pelo Ministério da Saúde. A prioridade serão os profissionais da saúde, os maiores de 75 anos e os indígenas. Por se tratar de um país imenso e tropical, é importante para as autoridades que as vacinas do coronavírus se encaixem em sua cadeia de frio e possam ser conservadas por longos períodos em geladeiras comuns, a temperaturas de 2° C a 8° C. Esse requisito excluiria a vacina da Pfizer, que exige mais frio. O ministério trabalha no marco do já testadíssimo programa nacional de vacinação, que historicamente alcança altas taxas de cobertura – embora em queda por causa do avanço dos movimentos antivacinas.

Outro dos déficits brasileiros relevantes nesta crise sanitária é a escassez de exames realizados, o que resulta em uma subnotificação de casos, além deixar os gestores às cegas, incapazes de saber quem está doente e precisa ser isolado para interromper a cadeia de contágios. O mais novo capítulo na novela dos testes é que o ministério tem, parados em um armazém, sete milhões de kits que vencerão no mês que vem, conforme revelou o jornal O Estado de S.Paulo. Que sejam um milhão a mais que todos os exames PCR feitos até agora na rede pública dá uma medida do fiasco. E causou risos nas redes sociais que isso ocorra quando o ministro da Saúde é um general especialista em logística, que chegou ao cargo depois da destituição de dois médicos.

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Embora a velocidade dos contágios tenha diminuído, permanece acima do chamado 1 em nível nacional, com as habituais diferenças regionais. Enquanto o Rio debate a retomada das aulas presenciais nas universidades, São Paulo anunciou no dia seguinte às eleições municipais que reduzirá a capacidade de público em bares e outros estabelecimentos.


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