“Se Trump vence eleições via ação judicial, será nocivo e pode atiçar Bolsonaro”
Anthony Pereira, do King’s College, vê risco de radicalização da extrema direita no mundo com vitória do republicano, mas celebra oposição da sociedade civil
Anthony Pereira, cientista político e professor da King’s College de Londres, onde coordena o centro de estudos sobre o Brasil, olha com preocupação para o que chama de “nacional-populismo” em ascensão no mundo, especialmente quando mira as eleições dos Estados Unidos. “Donald Trump vem dizendo que, se perde, a eleição terá sido fraudulenta. Não apresenta indícios, mas muitos eleitores estão acreditando. Além do resultado, o próprio procedimento e a confiança nas instituições estão em jogo”, explicou em entrevista ao EL PAÍS por videoconferência, às vésperas de sua participação no evento online Cidadania em Cena, com discussões sobre a democracia, promovido pelo Instituto Votorantim, na terça-feira. “Se Trump ganha via ação judicial, o efeito para democracia mundial é muito nocivo, porque mostra que se pode ganhar dessa forma. Pode atiçar Jair Bolsonaro e movimentos [de extrema direita] na Europa, porque o custo de fazer movimento do tipo fica mais baixo”.
Pereira, que acompanha a realidade brasileira de perto há mais de 30 anos, aponta para algumas características do Governo Bolsonaro que o colocam dentro desse grupo nacional-populista em ascensão. “Esse tipo de populismo define a nação de uma maneira excludente. Em discursos do presidente e de ministros como Ricardo Salles, Ernesto Araújo e, antigamente, Abraham Weintraub, eles pegam uma maioria, seja étnica ou religiosa, e falam em nome da nação por meio desse grupo dominante”, argumenta. Pereira se refere sobretudo às falas em que esses dirigentes se mostram “muito desconfortáveis com a ideia de diversidade, com a ideia de povos indígenas sendo um grupo distintos merecendo reconhecimento e respeito por suas terras e tradições e maneiras de viver”.
O alinhamento, explica, “é com a maioria das pessoas que não estão lutando para preservar o meio ambiente e, ao invés de conciliar interesses distintos a partir de uma visão de desenvolvimento sustentável, apostam em uma visão predatória que desconta os direitos dessa minoria, dizendo que é importante desenvolver a qualquer custo”. Embora haja uma exclusão étnica e religiosa no discurso das atuais autoridades brasileiras e um crescente autoritarismo do Governo, Pereira diz evitar a palavra fascismo. “Nos fascismos italiano e alemão havia uma forte mobilização cívico-militar, com pessoas enfrentando outras na rua e cometendo atos de violência”, argumenta. “Acho que as milícias são uma força protofacista com potencial de se mobilizar dessa forma, mas até agora as vejo mais como grupos interessados em lucrar para si próprios”.
Sobre o discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, ele acredita que a comunidade internacional passou a enxergar o Brasil com “ceticismo”. Enquanto os dados indicam que as queimadas na Amazônia e no Pantanal estão aumentando, o presidente “não reconhece o problema e nega sua existência”, além apresentar alguns fatos “falsos” em seu discurso.
Entre os temas de pesquisa de Pereira estão as ditaduras militar brasileira, argentina e chilena e o tratamento que a Justiça desses países dava para os dissidentes políticos, criando o que chama de “legalismo autoritário”. Agora, o professor reflete sobre a presença dos militares como integrantes da burocracia no Governo Bolsonaro. Pereira afirma ser difícil enxergar os militares que ocupam ministérios como “figuras totalmente técnicas”, como eles se apresentaram e são vistos por parcela importante da opinião pública. “Eles estão fazendo uma aposta política e sinto que sabem que estão correndo risco, já que a imagem das Forças Armadas está ligada a um Governo que não responde aos anseios da população”, explica. Para o especialista, isso “pode ser positivo porque podem lutar para limitar os danos e buscar sair dessa situação sem a reputação rasgada”.
O brasilianista também opina que até os militares da reserva que estão no Governo “dificilmente pensam como civis”, mesmo que afastados da cadeia de comando da corporação. Assim, enxerga a defesa de interesses do Exército, como a aproximação com os Estados Unidos para troca de informações de inteligência e acesso ao sistema de defesa norte-americano, e dentro da máquina pública. “Podem defender um orçamento maior para eles ou agir de forma a beneficiar os interesses corporativos”.
“São mais de 6.000 militares nas várias camadas da burocracia federal, e alguns ainda estão na ativa, então existe potencial conflito de interesse”, argumenta. Acredita, porém, que a instituição possui correntes políticas diferentes, como em outras instituições. "Nem todos os militares são necessariamente bolsonaristas, isso é algo que temos que reconhecer.” Da mesma forma, acredita que existe dentro das Forças Armadas aqueles com mais afinidade à ideia de conservação da Amazônia e que consideram que “mais desmatamento gera atenção indesejável para a região”.
Para ele, Bolsonaro respondeu aos anseios de uma sociedade que passou a enxergar que todas as instituições estavam corrompidas. “Existe uma tentação de que precisamos provocar uma ruptura para limpar a democracia e começar de novo. Mas não resolve as coisas. Melhor qualidade de democracia significa mais democracia, e não menos”, defende. Ainda assim, diz enxergar uma “mobilização contrária” ao bolsonarismo no seio da sociedade civil, com pessoas “mais zelosas sobre as instituições e com pluralidade”. Ele acredita que as eleições municipais de 2020, e também as de 2022, podem refletir essa diversidade de interesses. “No longo prazo sou otimista. Vejo a disposição de muitas pessoas, de muitos jovens, de defender e participar das instituições democráticas”.
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