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Brasil amplia polêmico protocolo da cloroquina para grávidas e crianças, na contramão dos EUA

Ministério da Saúde inclui novos grupos como aptos ao tratamento no dia em que o FDA desautorizou o uso da cloroquina nos Estados Unidos. Brasil soma 888.271 infectados

Um paciente com a covid-19 recebe tratamento no Hospital Municipal de Campanha Gilberto Novaes, em Manaus.
Um paciente com a covid-19 recebe tratamento no Hospital Municipal de Campanha Gilberto Novaes, em Manaus.RAPHAEL ALVES (EFE)
Beatriz Jucá

O Brasil decidiu ampliar o polêmico protocolo de tratamento com a cloroquina e a hidroxicloroquina contra a Covid-19 também para gestantes e crianças, ainda que a medida siga sem qualquer evidência robusta de efetividade. A revisão da nota técnica do Ministério da Saúde, com as orientações para o uso dos medicamentos na fase inicial dos sintomas, aconteceu no mesmo dia que o FDA, órgão que regula as ações de saúde nos Estados Unidos, revogou a autorização para a utilização deles nos hospitais do país por considerar “improvável” os efeitos das duas drogas contra a doença e acreditar que elas têm o potencial de provocar efeitos colaterais perigosos. Especialistas têm apontado que o Brasil é o único país do mundo a apresentar uma curva acelerada de casos após o quinquagésimo dia de início da epidemia e o próprio Ministério da Saúde avalia que há um processo de interiorização da doença. Nesta segunda-feira,o país chegou a um total de 43.959 mortes e 888.271 infectados.

Em uma coletiva de imprensa durante a tarde, o ministério argumentou que o FDA considerava o uso do medicamento em casos graves, embora admita que ainda estudará as conclusões do órgão. E defendeu cautela para analisar os resultados dos estudos que apontam a ineficácia da cloroquina para o tratamento da covid-19. A Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, disse que a FDA tomou como base para a decisão estudos de “péssima qualidade” e defendeu que a adoção do protocolo em estágio inicial dos sintomas e nos casos leves tem reduzido a curva de contágio no Brasil, mas não apresentou dados que comprovem isso.

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Neste momento, afirma o órgão, o país não considera voltar atrás no protocolo, que segue necessitando de um termo de consentimento do paciente ou do responsável declarando conhecer os riscos do medicamento. Gestantes e crianças, incluídos agora nas recomendações de uso do medicamento, passaram a ser classificados como de alto risco durante a pandemia. Mayra Pinheiro explica que as modificações fisiológicas ocorridas na gestação podem levar ao desenvolvimento do quadro grave da doença. E as crianças, que se acreditava que poderiam ser menos afetadas no início da crise de saúde, passaram a ser consideradas grupos de risco após a constatação por diversos serviços mundiais e sociedades médicas de pediatria que podem desenvolver síndrome inflamatória multissistêmica, uma complicação causada pelo novo coronavírus.

Segundo Pinheiro, crianças e mulheres grávidas só passaram a ser incluídas no protocolo agora porque ainda não havia medidas seguras. Os médicos não são obrigados a prescrever a cloroquina para esses grupos, mas passam a ter uma autorização expressa do Ministério da Saúde. “Estamos mais uma vez possibilitando aos médicos oferta de dose segura sem risco”, defende Pinheiro, sem citar concretamente quais os estudos que dão essa segurança. “Todos os trabalhos que vêm sendo publicados com resultados no mundo inteiro e evidências clínicas mostram que as medicações têm ação efetiva quando usadas precocemente”, afirma.

Atualmente, o Brasil não orienta o medicamento como profilaxia, mas apenas o seu uso em casos leves e durante os sintomas iniciais, sempre condicionados por prescrição médica. “Seguimos tranquilos, serenos e seguros quanto à nossa orientação”, afirma Pinheiro. Divergências em torno da cloroquina levaram à queda do ex-ministro Nelson Teich. Sobre a indicação de seguir um caminho oposto nos Estados Unidos, a secretária alega que a autorização do FDA se dava para tratamentos tardios e que o Brasil deixou de adotar esse protocolo desde o dia 20 de maio.

Durante a coletiva desta segunda-feira (15), a secretária Mayra Pinheiro chegou a dizer que o protocolo brasileiro já impactava no achatamento da curva de disseminação do coronavírus, mas não comentou dados que embasassem isso. Em duas semanas, o Brasil saltou de quinto ao segundo país com mais mortos pela covid-19. Questionado pela imprensa sobre dados que mostrariam uma desaceleração da epidemia, o secretário-executivo Élcio Franco citou a tendência de desaceleração no Ceará e Pernambuco, que a própria pasta defende que precisa ser observada com cautela. Voltou a comentar também que o Ministério observa um processo de interiorização do vírus (ou seja, a migração de casos para pequenas cidades), especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Franco lembra que o crescimento da epidemia em áreas com sistemas de saúde mais frágeis vai exigir dos gestores locais um plano sólido para transferência de pacientes para as grandes cidades.

É diante desse quadro que o Ministério da Saúde anuncia uma nova modalidade de leitos que deverá financiar. Os chamados leitos de suporte ventilatório pulmonar ―ou leitos de estabilização― devem receber pacientes em fases moderadas da doença, no início dos sintomas de insuficiência respiratória. A ideia é implementá-los em UPAs e hospitais de campanha ou de pequeno porte para tratar mais precocemente os infectados e evitar que eles precisem de UTI. Uma estrutura semelhante já existe em muitas unidades de saúde pelo país, mas agora passa a ser habilitada e financiada pelo Governo Federal por um período de 30 dias, podendo ser prorrogável por mais 30. “É uma transição para que a gente possa evitar a todo custo a utilização do leito de UTI”, diz Luiz Otávio Franco Duarte, Secretário de Atenção Especializada à Saúde.

Sem prazo para dados

Após anunciar mudança na metodologia de divulgação dos dados de mortes pelo coronavírus e recuar por conta de uma decisão liminar do Supremo Tribunal Federal, o Ministério da Saúde afirmou nesta segunda que não tem prazo para disponibilizar os dados completos sobre a doença, que havia prometido na semana passada. Também não há data para que torne públicas as informações sobre ocupação de leitos de UTI por unidade hospitalar, prometida há meses. A pasta mantém atualmente duas plataformas com informações sobre a doença no ar, ambas com informações praticamente idênticas. O secretário-executivo Élcio Franco diz que há problemas técnicos para chegar às informações repassadas pelos Estados. “Não temos prazos porque dependemos da fonte e estamos confrontando”, afirma.

Sobre outra plataforma prometida para a consulta de informações sobre os leitos de UTI ocupados no Brasil, o secretário disse que esses dados serão divulgados “tão logo haja dados consistentes”. Uma portaria do Governo Federal obriga hospitais públicos e privados a informarem os leitos disponíveis para o tratamento da covid-19 e suas taxas de ocupação diárias. O Ministério da Saúde chegou a desenvolver uma plataforma para concentrar as informações, mas o volume de unidades hospitalares que se cadastraram e que o atualizam sistematicamente ainda é reduzido, mais de três meses após a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil.

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