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Escalada contra jornalistas ganha corpo com execução, ataque sexista e intimidação

Após morte na fronteira e operação contra jornalista, repórteres apurando caso Adriano da Nóbrega são detidos na Bahia. Entidade lista 38 casos de violação à liberdade de imprensa na região

Jornalistas ameaças
Léo Veras, Valério Luiz, Patrícia Campos Mello e Glenn Greenwald.Divulgação

Nesta semana, a execução do jornalista Léo Veras, na fronteira entre Brasil e Paraguai, reacendeu os temores de que a violência venha a cercear a atuação de mais profissionais da imprensa na América Latina. “Todo assassinato de jornalista é uma tentativa de calar o mensageiro, comprometendo a liberdade de imprensa”, manifestou-se a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ao cobrar apuração rigorosa sobre o caso. A entidade desenvolve um programa que financia a investigação de delitos contra jornalistas, já que, de acordo com levantamento do Comitê de Proteção dos Jornalistas (CPJ), o Brasil é um dos 10 países com os maiores índices de impunidade nesse tipo de crime, em ranking encabeçado por Somália, Síria e Iraque.

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Segundo o mais recente estudo do CPJ, o Brasil acumula 15 casos de assassinatos de jornalistas não resolvidos ou julgados. O México é segundo país na lista, com 40. Em números absolutos, só perde para as Filipinas. Nos dois países, boa parte dos registros de execuções tem como vítimas repórteres com histórico de investigação do narcotráfico. No Paraguai, a morte de Léo Veras representou o 19º assassinato de jornalista em menos de três décadas. Os crimes se concentram na região de fronteira com Estados brasileiros, em que apenas 25% das ocorrências tiveram responsáveis identificados.

Além da violência histórica empregada contra jornalistas, une-se ao contexto a ascensão ao poder de governos extremistas, à direita e à esquerda, encampando um discurso hostil à imprensa. A atuação desses Governos contribuem para aumentar o risco a que profissionais do jornalismo se submetem durante coberturas e produção de reportagens.

Na Turquia, de Erdogan, dois correspondentes da Bloomberg foram processados pelo Governo após publicarem matérias de economia sob a acusação de “tentativa de desestabilizar instituições”. Em 2017, jornalistas do Cumhuriyet, um dos maiores jornais turcos, acabaram presos e indiciados por suposta associação a movimentos terroristas. A linha editorial da publicação desagrada Erdogan. Na Venezuela, de Maduro, o Serviço de Inteligência Bolivariana (Sebin) tem executado prisões para verificação de enviados de agências internacionais desde a eclosão das manifestações de rua no país. Em 2019, dois jornalistas americanos foram deportados e tiveram materiais confiscados por ordem do Governo.

Práticas que começam a se alastrar por outros países da América Latina. De acordo com levantamento da rede Voces del Sur, da qual faz parte a Abraji, foram registrados na região 38 casos de violação à liberdade de imprensa somente em janeiro deste ano, quatro deles envolvendo o Brasil. O de maior repercussão é a denúncia do Ministério Público Federal contra Glenn Greenwald, fundador do The Intercept, acusado de envolvimento na invasão de celulares de autoridades como o ministro Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, da Operação Lava Jato. Para entidades como a ONG Anistia Internacional, a denúncia “representa uma escalada na ameaça à liberdade de imprensa no Brasil”.

Além da prisão e agressão dos fotojornalistas Rodrigo Zaim e Daniel Arroyo pela PM de São Paulo, durante a cobertura de protestos contra o aumento das passagens, o relatório ainda cita dois episódios protagonizados por Jair Bolsonaro, em que o presidente acusou —sem especificar o motivo— repórteres da Folha de S. Paulo, UOL e Globo de mentir. Chegou a qualificar jornalistas como “raça em extinção” no Brasil ao dizer que cancelou todas as assinaturas de publicações no Planalto, afirmando que “envenena a gente ler jornal”.

Na última terça-feira, um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, endossou a fala de Hans River do Rio, ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa, que em audiência na CPMI das Fake News acusou a repórter Patricia Campos Mello, da Folha, de ter sugerido um encontro sexual a troco de acesso a informações. Após a acusação, a jornalista divulgou as conversas que manteve com Hans, que não continham nenhuma insinuação de sexo, desmentindo o relato do depoente. No entanto, o deputado já havia divulgado vídeos da falsa denúncia, gatilho para uma campanha difamatória impulsionada por bolsonaristas contra Mello nas redes sociais, com montagens misóginas, ofensas e até ameaças direcionadas à repórter.

Em 2018, depois de publicar uma reportagem sobre a contratação de empresas para disparo ilegal de mensagens pelo Whatsapp, na última eleição presidencial, Mello já havia sido alvo de ataques parecidos e precisou bloquear suas contas em mídias sociais. Em apoio a Patricia Campos Mello, um grupo de mulheres e jornalistas assinou um manifesto cobrando providências da CPMI em relação aos propagadores da mentira. Entidades como a Abraji, Associação Brasileira de Imprensa e Instituto Vladimir Herzog divulgaram uma nota conjunta em solidariedade à repórter. “Em tempos de banalização do ódio e do absurdo, é preciso denunciar a estratégia de destruição de reputações e instituições. Os democratas deste país não podem observar calados à busca sistemática de degradação da reputação de jornalistas, adversários políticos, organizações da sociedade civil e todos os que façam críticas ao governo.”

Para denunciar intimidações a profissionais de imprensa, as jornalistas Anabela Paiva, Roberta Jansen e Cecília Olliveira criaram uma conta no Twitter que compila casos e oferece suporte às vítimas de linchamento virtual. Um dos episódios replicados esta semana envolve o apresentador André Rizek, do Sportv, ameaçado pelo empresário Will Dantas após criticar ao meia-atacante Pedrinho. “A minha vontade era encontrá-lo tête-à-tête e esfregar a cara desse baitola no asfalto. Ele não perde por esperar. Vai achando que você está blindado por trabalhar em um grande veículo de comunicação. Até os grandes capos caem”, publicou Dantas, que é agente do jogador do Corinthians, no dia seguinte à crítica de Rizek.

Nesta sexta-feira, assim como acontece na Turquia ou na Venezuela, o repórter Hugo Marques e o fotógrafo Cristiano Mariz, da revista Veja, foram detidos pela Polícia da Bahia quando tentavam localizar uma testemunha da ação policial que matou Adriano da Nóbrega, ex-capitão da PM próximo à família Bolsonaro. Eles foram abordados por policiais com armas em punho, revistados e conduzidos à delegacia, onde tiveram um gravador apreendido. Depois de prestar depoimento, acabaram liberados. A Secretaria da Segurança Pública informou que a prisão ocorreu após uma denúncia de moradores locais, que estranharam o carro ocupado pelos repórteres. No desfecho da ocorrência, o gravador foi devolvido.

Casos de homicídio de jornalistas com a Abraji

Entre os casos atualmente investigados pelo programa da Abraji está o de Jefferson Pureza, radialista assassinado no começo de 2018 em Edealina, sul de Goiás. No fim do ano passado, Leandro Cintra da Silva, dono de um lava jato na cidade, foi condenado a 14 anos de prisão pelo crime. Porém, o vereador José Eduardo Alves da Silva (PR) e o amigo Marcelo Rodrigues Santos, acusados de arquitetar o homicídio, acabaram absolvidos. O Ministério Público de Goiás recorre da decisão.

O julgamento relativamente rápido pela morte de Pureza foge às regras de crimes semelhantes contra jornalistas. Em 2012, também em Goiás, o comentarista esportivo Valério Luiz de Oliveira, de 49 anos, foi atingido à queima-roupa quando deixava a Rádio Jornal 820, região sul de Goiânia. Em um programa de TV, onde o jornalista também atuava, Valério criticou a diretoria do Atlético Goianiense e afirmou que “quando o barco está enchendo de água, os ratos são os primeiros a pular fora”. De acordo com a investigação policial, as recorrentes críticas do comunicador à cúpula atleticana teriam motivado o homicídio.

Indiciado como mandante da execução, o cartola Maurício Sampaio chegou a ficar detido por 94 dias, mas aguarda em liberdade o julgamento. O processo não impediu que vencesse uma eleição a presidente no Atlético. Após dezenas de recursos na Justiça, seu júri popular e de outros quatro acusados de participação no crime só foi marcado na última quarta-feira, para junho, oito anos depois do assassinato. “Meu pai era um jornalista de posições fortes, que morreu por confrontar dirigentes de futebol poderosos. O julgamento ocorrerá a despeito das resistências institucionais de anos e anos”, afirma Valério Luiz Filho. A defesa de Sampaio informa que ele diz ser inocente e rechaça ter ordenado a execução.

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