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Sampaoli, um peronista que exalta a “rebelião contra opressão” no Chile

Com histórico de militância política antes de se incorporar ao futebol, treinador do Santos demonstra apoio a protestos em sua antiga casa

Sampaoli comanda um treinamento da equipe santista.
Sampaoli comanda um treinamento da equipe santista.Ivan Storti (Santos FC)

Duas semanas após Roger Machado chamar a atenção com um tocante discurso contra o racismo, no Maracanã, outro treinador do Campeonato Brasileiro voltou a direcionar holofotes para questões sociais que extrapolam o futebol. Dessa vez, no último sábado, o técnico do Santos, Jorge Sampaoli, não hesitou em manifestar suas posições políticas ao ser questionado sobre os protestos no Chile, onde comandou a seleção local na conquista de seu primeiro título de expressão.

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“Valorizo muito a reação dos chilenos depois de tanto tempo de opressão”, afirmou o argentino, campeão da Copa América com a seleção chilena. “É um exemplo para todos na América do Sul. Lutar contra o neoliberalismo, que deixa o povo cada vez mais pobre. Uma rebelião contra os que estão no poder e só pensam nisso. Estou orgulhoso das pessoas com as quais convivi por tanto tempo. Espero que seja um passo adiante para acabar com a opressão a esse povo.”

As declarações expressam o posicionamento crítico de Sampaoli ao Governo de Sebastián Piñera, um empresário e ex-acionista de futebol, que assumiu seu segundo mandato como presidente do Chile determinado a promover reformas econômicas liberais e agora é alvejado por manifestações populares que bradam contra a crescente desigualdade social no país. Embora tenha militado em resistência à ditadura na Argentina durante a juventude, o treinador adota um perfil discreto para tratar publicamente de temas políticos – regra quebrada depois de seu time empatar com o Corinthians, quando se estendeu na resposta sobre a crise chilena em entrevista coletiva.

Peronista declarado, nunca escondeu a admiração por Juan Domingo Perón, ex-presidente argentino que fundou e difundiu a mais influente corrente política de seu país. Sampaoli é enérgico à beira do gramado, por acreditar que um líder deve inspirar seus comandados pelo discurso, mas, principalmente, pela prática. “O melhor advogado é aquele que sabe o que pensa o juiz, e não o que conhece as leis”, explicou em sua biografia Não escuto e sigo, escrita por Pablo Paván e publicada em 2013. “No meu caso, preciso saber com quem vou falar e de que forma vou seduzi-lo. Por isso, às vezes é melhor escutar um discurso de Perón do que assistir a uma partida de futebol.”

Natural de Casilda, na província de Santa Fé, ele tomava conta de uma loja de peças do tio, que utilizava o negócio como ponto de encontro para opositores da ditadura militar argentina. Enquanto o grupo se reunia nos fundos do estabelecimento, o adolescente Jorge Sampaoli vigiava a movimentação na rua e, se aparecia alguma viatura do regime, apertava um botão para avisar aos militantes que ensaiavam coros pró-Perón. Mais tarde, integraria a Juventude Peronista, movimento que atuava na clandestinidade pela redemocratização do país. Nessa época, se apaixonou pelo rock. Aprecia bandas de inclinação progressista e letras combativas como Los Redondos e Callejeros, a ponto de tatuar versos de músicas em seu corpo.

Identificado com o kirchnerismo, já declarou voto tanto em Néstor quanto em Cristina Kirchner, mas jamais manteve relação de proximidade com os ex-presidentes argentinos de esquerda. Por outro lado, se encontrou duas vezes com Maurício Macri, candidato à reeleição derrotado no último domingo, quando dirigia a seleção argentina. Apesar da aversão à política macrista, Sampaoli foi convidado para um almoço pelo próprio presidente, ex-mandachuva do Boca Juniors e apaixonado por futebol. Fez questão de salientar à imprensa que só aceitara o convite por mera “obrigação protocolar” do cargo.

Sua idolatria no futebol surgiu no Chile, onde conduziu a Universidad de Chile aos títulos do campeonato nacional e da Copa Sul-Americana, em 2011. Um ano depois, virou técnico da seleção chilena, que encantou pelo futebol ofensivo na Copa de 2014 e rompeu um histórico jejum de conquistas com o troféu da Copa América de 2015. “Não abro mão de que meus times sejam protagonistas. Ter a bola nos pés e ocupar o campo do adversário é o caminho mais curto para alcançar as vitórias”, diz o treinador.

Em sua única passagem pelo futebol europeu, comandando o Sevilla, deixou claro aos dirigentes do clube ao fazer um tour pela cidade e avistar um monumento ao “descobridor da América”, Cristóvão Colombo, sua visão de mundo anticolonialista: “Vocês chamam genocídio de descobrimento. Acham que o descobriram, mas o continente já estava lá.” Andava de metrô pela cidade espanhola, seguindo o hábito de não querer ser tratado com regalias, da mesma forma que costuma se locomover em Santos de bicicleta ou moto elétrica. No início do ano, pediu à diretoria santista que só depositasse seu salário a partir do momento em que o clube fosse capaz de pagar todo elenco, que acumulava vencimentos em atraso.

Entre suas tatuagens, se destacam uma frase atribuída ao guerrilheiro e compatriota Ernesto Che Guevara, que o inspira a não trair convicções por maus resultados no campo, muito menos se deslumbrar diante do sucesso: “Não se vive celebrando vitórias, mas sim superando derrotas”. E também outro verso da Callejeros, sua banda favorita, que resume um pouco de sua personalidade contestadora: “Educar é combater. E o silêncio não é meu idioma.”

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