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Cúpula das Américas
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Uma cúpula para atacar as causas da corrupção e fortalecer a democracia

Embora longe da perfeição, é no Brasil e no Peru que os sistemas judiciais têm demonstrado maiores avanços

Evento da Cúpula Empresarial das Américas, prévia da Cúpula das Américas, no Peru.
Evento da Cúpula Empresarial das Américas, prévia da Cúpula das Américas, no Peru.Ernesto Arias (EFE)
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A oitava edição da Cúpula das Américas (13 e 14 de abril) terá como tema a “Governança Democrática na Luta contra a Corrupção”. A temática não poderia ser mais oportuna para o momento que vive nossa região, pois em nenhum outro período da nossa história nossos sistemas democráticos foram tão visivelmente abalados pelo fenômeno da grande corrupção.

A grande corrupção não é um fenômeno novo em nossa região. No entanto, o caráter transnacional do esquema Odebrecht pode ser qualificado como uma modalidade sui generis, revelada pela Operação Lava Jato. Presente em mais de 100 países, a Transparência Internacional tem vasto conhecimento sobre grandes esquemas de corrupção e, por isso, evitamos defini-lo como o “maior esquema de corrupção”. Afinal de contas, a corrupção é um fenômeno oculto e, portanto, só podemos ver e medir aquela que falhou. Além disso, é comum que mesmo os esquemas desvendados não sejam revelados em sua completa extensão, o que torna qualquer exercício comparativo um intento temerário.

Se, pela razão acima, não podemos chamar o caso Odebrecht de o maior esquema de corrupção já desvendado, podemos sim classificá-lo como o esquema de corrupção mais sofisticado da história do capitalismo moderno. Outros esquemas célebres de corrupção transnacional, como, por exemplo, o caso Siemens, ajudam a evidenciar como o esquema Odebrecht foi extraordinário. Siemens e Odebrecht corromperam governos em número comparável de países e ambas mantinham departamentos internos para administrar suas operações criminosas. O que efetivamente as diferenciava era a customização e padronização dos métodos empregados por cada empresa. Enquanto a empresa alemã variava seu modus operandi de acordo com o contexto de cada país, a brasileira desenvolveu um método muito mais “padronizado” para pagar subornos e extrair benefícios ilícitos nas diferentes jurisdições onde atuou.

A sofisticação extraordinária do esquema Odebrecht reside justamente aí, no sistema “plug and play” que foi posto em prática. Este sistema funcionava com quatro eixos centrais: (1) o “departamento de operações estruturadas” (a estrutura administrativa interna para operar a propina em larga escala) e sua rede de empresas de fachada; (2) a promoção comercial realizada por altas autoridades brasileiras entre os governos ideologicamente alinhados; (3) o crédito subsidiado para exportação de corrupção fornecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); (4) os profissionais de marketing político que já traziam consigo as engrenagens prontas para a lavagem da propina a ser distribuída. Este sistema se plugava diretamente em um ponto de encaixe específico nos países: as campanhas eleitorais. Era através do financiamento político — uma dimensão extremamente vulnerável em todos os nossos países — que o sistema “plug and play” começava a rodar em cada caso.

A Odebrecht confessou ter pago 788 milhões de dólares em suborno em pelo menos 12 países: dois africanos e nove latino-americanos, além do Brasil. Há indícios de que a propina, distribuída a centenas de políticos, possa ter sido muito maior e ter alcançado, em quase todos estes países, o nível presidencial, como no caso do Peru. Este é o tamanho do mal que a corrupção transnacional da Odebrecht causou a estas democracias tão jovens e frágeis.

A Operação Lava Jato, ao revelar a grande padronização do mecanismo empregado pela Odebrecht, ajudou também a revelar padrões de deficiências recorrentes nos sistemas políticos, financeiros e de controle da corrupção em nossos países, além de problemas próprios do sistema interamericano. Em todos eles se repetiam lacunas e problemas nas legislações e no funcionamento das instituições ligadas, prioritariamente, ao financiamento de campanhas políticas, aos processos de contratação pública e aos sistemas judiciais, afetados por diferentes deficiências e falta de independência. No âmbito regional, os desdobramentos da Operação Lava Jato explicitaram a inoperância dos mecanismos de cooperação penal previstos para a persecução da corrupção transnacional, reproduzindo, nesse âmbito, as dificuldades já evidenciadas para o enfrentamento de outros crimes globalizados como o tráfico de drogas e armas.

Peru e Brasil têm responsabilidades especiais na 8º Cúpula das Américas. O anfitrião Peru receberá os demais países do continente para discutir democracia e corrupção em um momento particularmente difícil, com a crise política que provocou a queda recente do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski. A isso se somam as investigações em curso que envolvem nada menos que 4 ex-presidentes, supostamente envolvidos no esquema Odebrecht.

Já a delegação brasileira chegará a Lima sob o comando de um presidente acusado e carregando ainda a pecha de país exportador de corrupção. Por outro lado, embora longe da perfeição, é precisamente nestes dois países onde os sistemas judiciais têm demonstrado maiores avanços na resposta a este esquema, destacando-se os resultados mais contundentes no Brasil. Assim, os dois países têm a oportunidade de orientar os debates para que se elaborem propostas tangíveis que resultem em compromissos anticorrupção ambiciosos e efetivos, possibilitando que os sistemas nacionais e interamericano possam enfrentar esta que é uma das maiores ameaças contemporâneas aos regimes democráticos.

Os desafios serão imensos, mas a Transparência Internacional acredita que a oportunidade desta Cúpula não pode ser desperdiçada e, por isto, elaborou e apresentou propostas concretas de reformas às delegações nacionais. Junto com a sociedade civil de nossos países, pressionaremos para que nossos representantes governamentais cumpram seu papel e usem este espaço único para fazer avançar a luta contra a corrupção e fortalecer os sistemas democráticos nas Américas.

Bruno Brandão é diretor-executivo da Transparência Internacional Brasil.

Walter Albán é diretor-executivo da Proética (capítulo peruano da Transparência Internacional).

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