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José Trajano: “Sonho com os velhos tempos fervilhantes do Rio de Janeiro”

Em seu terceiro romance, jornalista relembra juventude na Tijuca e exalta paixão pelos times de bairro

José Trajano lança seu terceiro romance, “Os Beneditinos”.
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Pouca gente sabe, mas, antes se tornar um dos jornalistas esportivos mais conhecidos do país, José Trajano foi preso na Itália depois de embarcar, de navio, em uma aventura amorosa. Ele tinha 20 anos. Mônica, a jovem que balançou seu coração, acabou se envolvendo com outro durante a viagem, enquanto Trajano, desiludido, terminou a jornada com uma sentença de seis meses de prisão – da qual escapou graças ao recurso de liberdade condicional e ao pagamento de multa de 30 dólares por embriaguez. “Deu tudo errado”, conta. O relato do flerte malsucedido com toques literários e autobiográficos está no primeiro livro de uma trilogia, Procurando Mônica, que ainda teve Tijucamérica, uma mistura das histórias de seu bairro, a Tijuca, e seu time, o América-RJ, e agora ganha um desfecho com Os Beneditinos (Companhia das Letras/Alfaguara).

O novo livro retrata a rotina de um jornalista desempregado, radicado no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo, que reencontra ânimo ao descobrir um esporte incomum: o walking football, em que os jogadores são proibidos de correr. Apesar da trama de ficção, são as experiências reais vividas por José Trajano que dão vida ao nostálgico personagem Zezinho. “Como escrevo em primeira pessoa e falo que estou sem dinheiro, deprimido, alguns amigos que leram o primeiro capítulo até me ligaram oferecendo ajuda”, conta o jornalista, que, no livro, reconstrói seu time dos tempos em que estudava no Colégio São Bento.

Embora inicie o enredo do personagem na capital paulista, com referências à Mooca e ao tradicional clube do Juventus, o Rio de Janeiro é o grande cenário da obra, assim como nos títulos anteriores da trilogia. Um Rio, segundo ele, “dos anos maravilhosos”, entre as décadas de 50 e 60. “A televisão estava começando. Tínhamos a bossa nova, uma imprensa forte, vimos o Brasil ganhar duas Copas do Mundo e até o América se sagrar campeão estadual [em 1960]”, lembra Trajano. Foi nessa época que surgiu a rivalidade do time dos beneditinos com o do Colégio Santo Inácio, contra o qual Zezinho propõe uma revanche no walking football. O futebol, com exaltação às origens de bairro tanto do América quanto do Juventus, serve como pano de fundo para descrever um Rio de Janeiro charmoso, vibrante e boêmio.

Para Trajano, a situação atual da capital fluminense, que completou 453 anos nesta quinta-feira, em nada tem a ver com a cidade pré-regime militar que ele descreve na trilogia. “Desde a ditadura, os militares nunca tiveram tanto protagonismo na história brasileira”, afirma, se referindo à intervenção federal sob o comando do Exército no Rio de Janeiro. “Queria ver um mandado coletivo de busca e apreensão na zona sul, na Vieira Souto... Queria ver o Exército revistando bolsas daquele pessoal rico que sai dos prédios de Copacabana, Ipanema e, principalmente, da Barra da Tijuca. Quem continua sofrendo é o pobre.”

Trajano revive em sua obra os tempos áureos do Rio, entre as décadas de 50 e 60.
Trajano revive em sua obra os tempos áureos do Rio, entre as décadas de 50 e 60.

Após a saída da ESPN Brasil, emissora que ajudou a fundar, José Trajano tem se dedicado aos livros, a um veículo independente de jornalismo (Ultrajano) e a programas especiais como o Bonde do Zé, que estreia no próximo dia 18 pelo Canal Brasil. Para quem viveu desde os 16 anos dentro de redações, trata-se de um período de reinvenção. Mais solto e, cada vez mais, disposto a fazer suas análises do esporte sem perder de vista o contexto político que o cerca. “Eu resolvi me soltar. Aquele José Trajano, comentarista de futebol, já era. Agora é o Zé, alguém que se posiciona mais politicamente. Eu acho que, nesse momento conturbado da nação, um cara com a minha experiência de vida, com a idade que tenho [71 anos], não pode se ausentar do debate político. Não é que eu seja importante. Eu não posso me ausentar por mim mesmo. Não quero ficar quieto em casa vendo um monte de barbaridade acontecendo no Brasil. Se eu tiver uma porta aberta, seja qual for, eu vou me manifestar. É o Zé falando.”

Rebatendo a tese de Tiago Leifert, apresentador do Big Brother Brasil, que nesta semana se disse contrário a manifestações políticas por meio do esporte, Trajano demonstra uma visão crítica sobre a tendência de associar humor ao jornalismo, sobretudo no esporte. “Há muito tempo eu digo que o jornalismo esportivo está muito igual, pasteurizado. É a ‘geração sapatênis’, que não vai para rua sujar o pé de barro. Seu mais legítimo representante é esse rapazinho [Tiago Leifert, que já apresentou o Globo Esporte]. Ele entrou pra televisão sonhando ir para o entretenimento. Depois do que escreveu, acabou ouvindo algumas coisas que ele não esperava ouvir.”

Na abertura de Os Beneditinos, Trajano cita o escritor Rubem Braga para dizer que também se sente como “uma vaca velha atolada num brejo” no Brasil de hoje. O jornalista não se considera um saudosista. Consegue admirar craques do presente, como Messi e Neymar – pelo que faz em campo, apenas –, enxergar alguma beleza no chamado “futebol moderno” e segue se emocionando com seu América, que no próximo domingo luta para não ser rebaixado no Campeonato Carioca diante do Bonsucesso. Entre o otimismo e a utopia, Trajano, ou Zé, como prefere ser chamado em sua nova fase, se daria por satisfeito se a cidade onde nasceu retomasse um pouquinho do brilho que habita o imaginário de suas obras. “Sonho com os velhos tempos fervilhantes do Rio de Janeiro.”

OS BENEDITINOS: SINOPSE E LANÇAMENTO

"O narrador desta deliciosa trama não está em seus melhores dias. Perdeu o emprego de jornalista, vive só, no bairro da Mooca, e tem de cuidar da saúde, que não anda boa. Suas perspectivas mudam, no entanto, ao folhear uma revista na sala de espera de seu dentista e encontrar a manchete: 'Será em Londres o 1º Mundial de walking futebol'."

O novo livro de José Trajano será lançado em 15 de março na Livraria da Travessa, no Rio de Janeiro. No dia 17, também haverá uma confraternização de lançamento na Livraria Folha Seca. Já em São Paulo, o jornalista lança a obra no dia 23, na Livraria da Vila.

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