Paparicado ou perseguido? O sucesso de Neymar entre dois extremos
Apesar da trajetória vencedora, o craque sofre com julgamentos injustos e preconceituosos. Mas, ao mesmo tempo, parece incapaz de diferenciá-los das críticas construtivas
Neymar merece muitos elogios. Mas também merece muitas críticas. Por abusar do individualismo em determinados momentos do jogo, pela postura arredia com árbitros, por querer ser o centro das atenções a todo custo, principalmente após a transferência para o PSG. No entanto, o fato de ser um craque midiático também o expõe a julgamentos injustos, sobretudo aos que se propõem a medir seu caráter somente pelas fotos que publica no Instagram ou os rompantes de infantilidade que ainda protagoniza em campo e pintá-lo como um desregrado.
Não há como negar que algumas críticas a Neymar carregam traços de inveja, rancor, racismo e xenofobia. Para muita gente, é difícil aceitar que um jovem negro, que venceu a pobreza driblando adversidades, circule por Paris como uma das personalidades mais ricas e influentes do mundo. Jogadores de futebol sofrem com esse estigma. Que o diga Mario Balotelli, visto como garoto-problema na Itália, que, por sua vez, sempre se importou mais com suas noitadas do que com as incontáveis ofensas raciais direcionadas a ele. Também parece inconcebível que Neymar desfrute de sua riqueza do mesmo modo que a alta sociedade dos magnatas, ostentando mordomias em um iate na costa de Saint-Tropez. Ao trocar o Barcelona pelo PSG, por dinheiro e para sair da sombra de Messi, Neymar também deixou uma legião de fãs enfurecidos na Espanha. A rejeição inflamada a seu estilo de vida é, em certa medida, um contragolpe daqueles que encararam a mudança para um time de menor expressão no cenário europeu como um insulto.
O problema é que, às vésperas da Copa, com 26 anos e alguma experiência nas costas, Neymar continua sem saber separar reprimendas preconceituosas e ataques raivosos das críticas construtivas. Porta-se como um eterno injustiçado pela mídia, não importa a crítica. No início do mês, por exemplo, respondeu com desdém ao questionamento de repórteres depois do jogo contra o Nantes, pela da Copa da França, em que levou cartão amarelo por um lance infantil e tirou sarro do defensor adversário. “O futebol está chato”, rebateu. A provocação ao zagueiro não foge muito à cartilha marota das quatro linhas, mas soou inoportuna, já que uma semana antes ele havia sido vaiado pela torcida do PSG por não ceder a cobrança de um pênalti a Cavani.
Timing não é o forte de Neymar. Geralmente acerta na maioria das tomadas de decisão em campo, mas, fora dele, peca pelas escolhas mal calculadas. Uma delas ocorreu logo na chegada ao PSG. Após sua apresentação no gramado do Parque dos Príncipes, ele chamou a patota de amigos para posar diante dos fotógrafos. Acabara de chegar a uma nova cidade, a um novo ambiente, mas já dava uma demonstração de quem se sente dono do clube. É admirável que Neymar mantenha laços com amigos de infância e faça todo empenho possível para mantê-los por perto. Porém, até para não reforçar sua imagem de menino mimado, poderia evitar a superexposição com os “parças” no ambiente de trabalho.
A adolescência tardia de Neymar, ávido por festas e diversão, é uma sequela do cruel processo de formação de jogadores no Brasil. Para chegar ao topo, meninos precisam abrir mão da juventude, de baladas, da convivência com garotas da mesma idade, para se dedicar a um rígido regime de treinos, jogos e concentrações. O futebol oferece a chance de uma vida melhor, mas cobra um preço. São vários os casos como o do camisa 10 da seleção. De garotos talentosos que demoram a amadurecer. Isso não justifica seus excessos nem serve de desculpa para persistir nos erros, mas deve ser levado em consideração antes de depositar todas as falhas de um sistema que gira cifras milionárias nos ombros de um só jogador.
Como a maioria das estrelas precoces fabricadas pela indústria do futebol brasileiro, Neymar cresceu cercado de mimos no Santos. Por vezes, se impôs com o aspecto de um “bebê real”, intocável em sua redoma. A realeza britânica, aliás, guarda um exemplo da autocrítica que tem faltado ao craque. Nos anos 50, como bem retrata a série The Crown, a Coroa passava por uma crise de imagem. Lorde Altrincham, crítico ferrenho dos monarcas, disparava contra a rainha Elizabeth por achá-la apática e ultrapassada. A princípio, suas ácidas ponderações geraram revolta, mas, ciente de que os tempos haviam mudado, a rainha dá um passo atrás e decide acatar sugestões de Altrincham para conferir um verniz de modernidade ao seu reinado.
Neymar, entretanto, não costuma dar passo atrás. Não admite recuar e esperar o momento certo para brilhar. São cada vez mais raras as aparições públicas em que o vemos com o espírito leve, despido da artificialidade que virou seu mecanismo de defesa, como em uma descontraída entrevista ao amigo Piqué. Consegue ofuscar atuações magistrais com frivolidades típicas de um adolescente. Prato cheio para o oportunismo de detratores, que, de forma mesquinha e hipócrita, o apedrejam por atitudes que provavelmente reproduziriam caso tivessem o mesmo saldo na conta bancária. Críticas nesse tom, em geral, ignoram que Neymar apenas copia os hábitos de uma elite egoísta, presente tanto no Brasil quanto na Europa, que jamais se censura na hora de torrar sua fortuna. Infelizmente, o deslumbramento com poder e privilégios não é exclusividade de Neymar. Seria fácil encurtar o abismo da desigualdade social se os astros do futebol fossem os únicos a derrapar nas armadilhas do dinheiro.
De um lado, Neymar se vê bajulado por um círculo íntimo que o descola da realidade. Do outro, encurralado pela exigência de um padrão de comportamento que seja próximo daquilo que aparentam Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi. Do ponto de vista moral, eles estão quites ao menos nas denúncias de sonegação de impostos – novamente, um expediente bastante comum no circuito de abastados, dos mais discretos às celebridades. Do ponto de vista técnico, a distância entre Neymar e os dois últimos supercraques da atualidade é cada vez menor.
Faz todo sentido confrontar o estilo Neymar de curtir a vida adoidado com sua ambição de se tornar o melhor jogador do mundo. É preciso renunciar a algumas benesses do entorno de popstar para atingir o auge e se manter por longo tempo como um atleta de alto nível. Porém, ele tem o direito de caminhar na direção contrária, se assim desejar. Muitos enxergam Ronaldinho Gaúcho e Adriano como talentos desperdiçados. Em diferentes circunstâncias, abriram mão da carreira para viver entre os seus, rodeados de festa, samba e tentações que o futebol insistia em negar-lhes. Escolhas.
As de Neymar, é verdade, carecem de reflexões mais profundas. Se as pessoas que o cercam o ajudassem a separar conselhos de provocações, em vez de contribuir para alimentar uma improdutiva síndrome de perseguição que o instiga a encampar o discurso do “vão ter que me engolir”, seu lento processo de amadurecimento renderia menos cicatrizes. Pois, no fim das contas, entre críticas merecidas e desmedidas, a genialidade inquestionável do craque com a bola acaba em segundo plano. Isso, sim, é um pecado.
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