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Ricos, protegidos e cobiçados: a Geração Z desponta no futebol brasileiro

Nomes como Vinicius Junior carregam, cada vez mais cedo, a pressão de gerar fortunas milionárias

Paulinho, Vinicius Jr, Arana e Arthur: revelações do futebol nacional.
Paulinho, Vinicius Jr, Arana e Arthur: revelações do futebol nacional.

Na última rodada do Campeonato Brasileiro, Vinicius Junior, 17 anos, entrou no segundo tempo e conduziu o Flamengo na virada sobre o Vitória. Paulinho, 17, e Mateus Vital, 19, marcaram os dois gols que devolveram o Vasco à Copa Libertadores depois de cinco anos. Arthur, 21, foi o melhor jogador em campo na final em que o Grêmio faturou o tricampeonato da América. Formada por atletas nascidos a partir de 1994, a geração Z tem feito a diferença no futebol brasileiro, dentro e fora de campo. Ao mesmo tempo em que se tornam dependentes de seu talento para decidir jogos, os clubes visam recuperar o investimento aplicado na formação de jovens jogadores em transações milionárias para equipes do exterior. Uma safra altamente blindada contra dificuldades comuns às gerações anteriores, mas exposta a uma rotina de privilégios que muitas vezes acaba se convertendo em superproteção e deslumbre.

Desde o começo dos anos 2000, pouco depois de a Lei Pelé ser aprovada, os clubes grandes iniciaram uma verdadeira revolução em suas categorias de base. A nova legislação extinguiu o “passe”, que amarrava os jogadores às equipes, e instituiu o conceito de clube formador, garantindo aos times percentuais em futuras negociações do atleta que revelou. Para tanto, a legislação determina que o clube, para ser considerado formador, precisa cumprir uma série de requisitos, como manter estrutura adequada para crianças e adolescentes em suas categorias de base, garantir assistência educacional, médica e psicológica ao atleta, que, somente a partir dos 16 anos, pode assinar o primeiro contrato profissional com duração de no máximo cinco anos.

Em 2001, por exemplo, o Cruzeiro tornou-se o primeiro clube brasileiro a inaugurar uma escola dentro de seu centro de treinamento para os integrantes da base. Além dos estudos, outras equipes começaram a se equipar com consultórios odontológicos, refeitórios, piscinas e alojamentos modernos. Contrataram, além de treinadores e profissionais formados em educação física, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e fisioterapeutas dedicados exclusivamente à base. Era a maneira de se enquadrarem nos requisitos de clube formador para lucrar com eventuais vendas de atletas e, consequentemente, de convencer empresários, que ganharam espaço depois da Lei Pelé, a não levarem seus prodígios para outros clubes ou até mesmo para o exterior antes de completarem 16 anos.

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Como parte da primeira geração que usufrui dessa modernização tardia nos clubes, Gabriel Barbosa chegou ao Santos antes de completar 10 anos. Assim como Neymar, sempre teve tratamento de estrela na base santista. Ficou conhecido como “Gabigol”, apelido que leva até hoje. Em seu primeiro contrato com o Santos, aos 16, já era patrocinado pela Nike e, avaliado em mais de 130 milhões de reais, recebia cerca de 30.000 reais por mês. Depois de subir ao time principal e ganhar dois Campeonatos Paulistas, acabou negociado com a Inter de Milão por quase 100 milhões de reais em 2016. Porém, aos 21 anos, não conseguiu emplacar no futebol europeu e, recentemente, foi dispensado do Benfica, onde atuou por empréstimo. Técnicos com quem trabalhou na Europa criticam seu comportamento, considerado individualista e presunçoso. “As gerações anteriores de atletas tiveram de sofrer e lutar muito para vencer no futebol”, avalia a psicóloga do esporte, Katia Rubio. “Todo conforto oferecido pelas equipes não é garantia para o desenvolvimento adequado das futuras gerações. Como tem o mundo a seus pés desde muito cedo, o menino costuma achar que o clube não faz mais que a obrigação e enxerga esses privilégios com certo desdém. Mesmo com a evolução nas categorias de base, poucos garotos chegam ao profissional com uma boa estrutura emocional.”

Além de benesses dos clubes, a geração Z também passou a contar com estafe particular, desde empresários a assessores de imprensa. “Quando era jogador, eu não tinha p… nenhuma de assessor. Sempre falei com quem eu quis”, diz o ex-atacante e senador, Romário. “Hoje em dia é uma dificuldade pra marcar entrevista com jogador. Até chegar nele são uns sete, oito caras, até a mãe aparece. Tem que passar por assessor, secretário, empresário e tudo mais. Essa geração é muito mais protegida que a minha.” Romário surgiu no Vasco, que atualmente colhe os frutos de uma geração farta em talentos, encabeçada por Paulinho, Mateus Vital, Paulo Vítor e Evander, todos nascidos entre 1998 e 2000. Não à toa, o clube carioca foi o que mais utilizou jogadores pratas da casa (16) no último Campeonato Brasileiro.

No entanto, a estrutura oferecida aos jovens atletas pelo Vasco nem sempre fez jus à fama de “fábrica de craques”. Em 2012, um garoto de 14 anos morreu durante um teste na equipe infantil. Na época, o centro de treinamento da base abrigava jogadores em alojamentos precárias e condições insalubres. O clube que revelou Philippe Coutinho, atacante do Liverpool e da seleção brasileira, teve de assinar um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público e, dois anos depois, levou os garotos do antigo CT para uma estrutura mais moderna em São Januário. Outro clube grande que demorou a se enquadrar nas novas diretrizes da Lei Pelé foi o Corinthians, que, até 2008, mantinha o famoso “terrão”, o campo de terra batida onde realizava a seleção de garotos para suas equipes. A partir da reestruturação do CT no Parque São Jorge, o alvinegro paulista passou a acumular conquistas em torneios de base e a forjar talentos para o time principal, como o lateral-esquerdo Guilherme Arana, de 20 anos, titular na campanha do título brasileiro de 2017 e vendido ao Sevilla, em dezembro, por aproximadamente 38 milhões de euros.

Também no radar de clubes espanhóis, Arthur é cobiçado pelos gigantes Barcelona e Real Madrid. Mesmo com apenas 21 anos, o volante não sentiu a pressão e saiu da final da Libertadores com o prêmio de melhor jogador da partida. O Grêmio, a princípio, não admite negociá-lo por menos de 190 milhões de reais. “Arthur é um jogador pronto para o futebol europeu”, afirma seu empresário, Jorge Machado. “Ao contrário de antigamente, que era complicado fazer até uma ligação telefônica, a globalização e a internet agora facilitam muito a adaptação de jogadores no exterior. E, desde jovens, eles são preparados para jogar lá fora.” Um exemplo dessa migração precoce vem do próprio Grêmio, que entrou em rota de colisão com o Barcelona após ver Manu Ferreira, de 10 anos, ir parar nas categorias de base do clube catalão. Dirigentes gremistas acusaram o Barça de aliciamento, já que transferências envolvendo jogadores menores de 18 anos são vedadas pela FIFA. Porém, negociando com empresários e a família dos garotos, clubes usam de artifícios para driblar o regulamento, como empregar os pais no mesmo destino internacional do atleta.

“Atletas se transformaram em commodities, que os clubes espremem, lucram com o suco e jogam fora o que sobrou.”

Em casos como o de Vinicius Junior a negociação também ocorre de forma antecipada, mas não a chegada ao novo clube. O atacante do Flamengo foi vendido para o Real Madrid em maio, por 165 milhões de reais, mas só deve se apresentar ao time espanhol a partir de julho de 2018, depois de completar 18 anos. “Quero ganhar um título de expressão pelo Flamengo antes de ir embora para retribuir tudo que o clube fez por mim”, diz Vinicius, que, aos 16, cravou a segunda maior transação da história do futebol brasileiro, atrás somente de Neymar, negociado com o Barcelona, aos 21 anos, por mais de 200 milhões de reais.

Embora haja muitos gargalos no processo de lapidação de jogadores no Brasil, sobretudo em clubes pequenos, desestruturados, e até na seleção brasileira, com constantes trocas de comando e treinadores, as categorias de base representam – mais que uma incubadora de talentos – um lucrativo mercado para clubes exportadores. Em média, as grandes equipes brasileiras investem 6 milhões de reais por ano em projetos de formação. No bolo de suas receitas, a venda de atletas corresponde a uma fatia entre 15% e 20% do faturamento. Somente em 2016, a negociação de promessas para o exterior injetou quase 300 milhões de reais nos cofres de times nacionais. Para a psicóloga Katia Rubio, o cenário ainda é preocupante para a nova geração de boleiros convertidos em cifras inversamente proporcionais a sua idade. “Atletas de futebol se transformaram em commodities, que os clubes espremem, lucram com o suco e jogam fora o que sobrou. A maioria dos garotos inseridos nessa engrenagem é vista como mercadoria, e não como crianças e adolescentes.”

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