Geração canguru, os jovens que escolheram não sair da casa dos pais
Um a cada quatro jovens de 25 a 34 anos vive com a família. Em 2005, era um a cada 5. Mais anos de estudo e casamentos tardios explicam por que filhos adiam independência
Os brasileiros de classe média estão adiando, cada vez mais, a saída da casa dos pais. Embora já tenham algum tipo de renda, hoje um a cada quatro jovens - de 25 a 34 anos - ainda vive com a família. A proporção há 12 anos era menor, um a cada cinco deles morava com os pais. Os motivos que mantêm esses jovens ainda presos ao ninho são vários: mais anos dedicados aos estudos, casamentos mais tardios, o custo alto de vida nas grandes cidades, fatores emocionais e econômicos. O fenômeno em crescimento no país ganhou até apelido, é a chamada "geração canguru".
Aos 26 anos, o engenheiro carioca Pedro Ronchini faz parte do grupo de jovens financeiramente independentes, mas que não enxergam, ainda, a necessidade de sair de casa. "Tenho uma relação boa com os meus pais e moramos perto de onde trabalho. Quando eu tomar a decisão de sair, vou ter que arcar com todos os custos de moradia. Agora prefiro juntar dinheiro para tomar uma decisão de forma mais tranquila", explica Pedro que, além de trabalhar como consultor de engenharia naval, está terminando um mestrado.
A longo prazo, o engenheiro acredita que o empurrão para sair de casa talvez aconteça quando ele e a namorada decidirem se casar. Eles estão juntos há anos, mas ela, que trabalha como publicitária, também está cômoda na casa dos pais, aproveitando para poupar dinheiro enquanto conquista sua estabilidade profissional. Morar na casa dos pais implica, no entanto, viver sob as regras deles dentro da residência. "Não dá para levar uma galera para lá na hora que eu quiser. Mas obviamente tenho total liberdade do que faço da minha vida, sou um adulto", explica Pedro.
Em função da menor despesa com a moradia, além de poupar, o engenheiro não abre mão de viajar nas férias, muitas vezes para outros países. "Na minha idade meus pais já tinha muito mais responsabilidades, filhos, mais aperto financeiro. As minhas obrigações são menores, por isso, posso ter esse tipo de gasto extra, coisa que meus pais não podiam", conta.
No Brasil, a “geração canguru” é composta majoritariamente por homens (60,2%), segundo o estudo Síntese de Indicadores Sociais (2016) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Grande parte deles vive no Sudeste do país, onde o custo de vida é o mais alto do país. O estudo aponta ainda que os jovens que moram com os pais tendem a ser mais escolarizados do que aqueles com a mesma faixa etária que moram sozinhos. Em 2015, 35,1% dos jovens que moravam com os pais tinham, ao menos, ensino superior incompleto ou nível mais elevado; a média de anos de estudo do grupo foi de 10,7 anos e 13,2% estudavam. Já os que viviam sem a família, em média, tinha 9,8 anos de estudos, 20,7% cursaram ensino superior incompleto ou nível mais elevado e apenas 7,2% ainda estudavam.
Esses dados sugerem que a opção de dar uma "esticada" na casa dos pais pode realmente estar atrelada ao prolongamento dos estudos. No entanto, Cinthia Agostinho, pesquisadora do IBGE, ressalta que não há na pesquisa uma pergunta diretamente relacionada aos motivos da permanência dos jovens na casa dos pais. Dessa forma, os pesquisadores buscam indiretamente analisar as razões. "Realmente é difícil conciliar trabalho, estudo e, ainda, ter uma casa pra cuidar. Morar com os pais traz facilidades. As prioridades dos jovens também estão mudando. Muitos preferem gastar com viagens do que pagar aluguel, outros investem em bens de consumo. É uma mudança geracional mesmo", explica.
Agostinho destaca ainda que até a década de 90, os brasileiros se casavam cedo, o que mudou nos últimos anos. Antes o casamento era um dos ritos que marcavam a passagem para a vida adulta. "Agora, os jovens buscam realizações em outras áreas e não na formação das famílias logo cedo", diz.
Para a maioria desses jovens, permanecer com a família não significa estar desempregado. Assim como Pedro, cerca de sete em cada dez jovens que viviam com os pais estavam empregadas em 2015. O nível de ocupação foi semelhante ao das demais pessoas- entre 25 a 34 anos- que não viviam com os pais (75,1%), o que sugere que a permanência na casa dos pais não esteja diretamente associada com a falta de trabalho.
Na visão das pesquisadoras Barbara Cobo e Ana Lucia Saboia, essa reconfiguração no arranjo familiar recente pode estar baseada em justificativas que envolvem desde questões financeiras às questões psicológicas (como o comodismo e a chamada Síndrome de Peter Pan) ou mesmo a queda de natalidade. No entanto, segundo artigo de autoria das pesquisadores, a questão central sobre a geração canguru é que a opção por continuar morando com os pais é feita voluntariamente, acaba sendo uma escolha.
Aos 32 anos, a bióloga Bárbara Porto conta que, para investir em sua carreira teve que postergar os planos de sair da casa dos pais. Desde que se formou na universidade, ela fez um mestrado e, logo em seguida, começou um doutorado na área, ambos com a ajuda de uma bolsa de estudo. "Mas os valores eram pequenos, não ganhava uma renda muito alta para manter um aluguel. Ou para isso teria que baixar o padrão de vida que tinha com meus pais. Além de não poder juntar dinheiro para investir num futuro melhor. Escolhi ficar com meus pais", conta.
Hoje a bióloga trabalha como professora de Ensino Médio, ministra mini-cursos em algumas universidades e continua estudando para concursos públicos, já que quer investir na carreira acadêmica. Apesar de agora ter melhores condições financeiras para deixar a casa dos pais, resolveu começar a pagar o financiamento de um apartamento. "O prédio ainda está em construção então vou ficando aqui até quando precisar. Tenho uma ótima relação com meus pais e eles mesmo me sugeriram continuar aqui até o apartamento ficar pronto. Me dão muito apoio, porque acreditam que esse investimento é o melhor. Não há nenhuma pressão para sair de casa", conta.
Além de Bárbara, outra irmã, de 31 anos, também mora na casa com a família. "Na época dos meus pais, eles se formavam e iam trabalhar. Hoje a gente se prepara mais, no tempo deles ter um curso superior já era algo fora do padrão. Na minha idade minha mãe já tinha 3 filhos e vivia de aluguel", conta.
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