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CESAR BENJAMIN | SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO RIO

César Benjamin: “Não quero esconder a realidade, o Rio está morrendo aos poucos”

Defensor da escola laica, secretário de Educação do prefeito Marcelo Crivella defende corte nas escolas de samba e cobra da polícia respeito pelos colégios municipais

María Martín
Secretário de Educação do Rio de Janeiro, Cesar Benjamin.
Secretário de Educação do Rio de Janeiro, Cesar Benjamin.Divulgação

César Benjamin (Rio de Janeiro, 1954), secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, de voz mansa e tom sempre afável, tornou-se um dos rostos mais visíveis da administração do prefeito, Marcelo Crivella. A violência sofrida nas escolas submetidas a tiroteios quase todos os dias o converteu em açoite das polícias do Rio e suas “operações espalhafatosas e inúteis” e a recente decisão de tirar parte da verba pública das escolas de samba para investi-la em creches conveniadas o colocou na órbita de uma enorme polêmica. “Se a educação está diminuindo recursos, se a saúde está diminuindo recursos, por que o LGBT não pode diminuir recursos? Por que o Carnaval não pode?”, questiona.

Benjamin, ex-guerrilheiro, preso e torturado durante a ditadura, co-fundador do PT e defensor das raízes da esquerda e de uma escola laica, se desfaz em elogios ao ex-bispo evangélico Crivella, de quem já era conselheiro e defensor há alguns anos, apesar das divergências ideológicas que os separam. “Ele é um cristão sincero e me dá condições de trabalho que a esquerda não daria”, diz. Crítico ferrenho do PT e do ex-presidente Lula, de quem foi coordenador da primeira campanha presidencial, em 1989, Benjamin se diz distante da esquerda “afastada do povo” e que foca o debate na legalização das drogas ou o aborto. “Se você me perguntar quem é que vai contribuir mais para a respeitabilidade da esquerda brasileira, se sou eu ou são os grupos ultrarradicais que ficam gritando palavras de ordem, sou eu”.

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Com o maior orçamento – 6,5 bilhões de reais– de uma Prefeitura em crise, Benjamin tem como principal desafio acabar com o analfabetismo funcional (a incapacidade de compreender textos simples) que ele situa num alarmante 20% e 30%. “Há uma grande divergência entre os dados oficiais –em torno do 4%– e o que a gente constatou nas escolas”, alerta. Na Prefeitura está também um dos responsáveis pela sua prisão em 1971, o coronel Paulo Cesar Amêndola, da secretaria de Ordem Pública. Mas não há rancores. "No dia da posse ele me deu um grande abraço e me disse uma frase que eu achei bonita: 'Cesar, você estava cumprindo sua missão, e eu a minha".

Pergunta. O que o senhor encontrou ao chegar na Secretaria?

Resposta. Nós encontramos a Prefeitura como um todo, não só a Secretaria, numa situação financeira muito mais crítica do que se imaginava. O déficit da Prefeitura deste ano está em torno de quatro bilhões. É muito significativo, pois o orçamento total é de 28 bilhões. Minha percepção é que a administração de Eduardo Paes construiu um superávit fictício com adiamento de pagamentos de despesas.

P. Crivella acaba de levantar uma polêmica sobre o financiamento público das escolas de samba. A ideia do prefeito é cortar pela metade a verba pública dos desfiles e remanejar esses recursos para creches conveniadas da Prefeitura. Você foi parte dessa decisão? Como se chegou a ela?

R. As escolas de samba até 2011 não recebiam nenhum dinheiro público direto. Passaram a receber um milhão de reais e, no ano passado, Eduardo Paes dobrou essa quantia. Nós enfrentamos falta de recursos e isso afeta, entre outras, as nossas creches conveniadas que há vários anos não têm reajuste da mensalidade repassada por cada criança. Essas creches, que têm 16.000 crianças, são instituições filantrópicas que recebem dinheiro nosso para funcionar e são muito importantes porque na origem são creches comunitárias, foram criadas no coração de comunidades muito pobres. A Prefeitura paga 300 reais por mês por criança, ou 10 reais por dia, é muito insuficiente. Comecei a perceber que temos uma porcentagem muito pequena de creches conveniadas em relação ao resto do Brasil. Fizemos um estudo verificando que era possível aumentar seu número, mas percebi que em vez de aumentar estavam diminuindo por falta de recursos. Eu não consegui resolver com o orçamento da Educação e levei a questão ao prefeito. Estudamos o orçamento da Prefeitura e verificamos que o item mais fácil de ser cortado era esse aumento da verba das escolas de samba. A decisão do prefeito não foi retirar a verba das escolas, e sim retirar o aumento.

As escolas de samba têm outras muitas fontes de financiamento, esse milhão é troco para elas, e elas não prestam contas a ninguém.

P. Não havia outra rubrica em todo o orçamento de onde tirar esses recursos, inclusive para evitar a crítica de o prefeito estar sendo populista ao anunciar um corte no Carnaval para investir em creches?

R. Não há. A situação é muito grave e os cortes que estão sendo feitos são para que a Prefeitura do Rio de Janeiro não siga o caminho que o Estado seguiu. As escolas de samba têm outras muitas fontes de financiamento, esse milhão é troco para elas, e elas não prestam contas a ninguém.

P. Mas não será com essa decisão que o prefeito vai abrir a grande caixa preta das escolas de samba, ou sim?

R. Eu acho muito difícil. Vou te dar uma informação que ninguém sabe. Um dos homens mais fortes da liga das escolas de samba é o Capitão Guimarães [conhecido bicheiro que responde em liberdade por uma condenação de 48 anos de prisão]. Ele foi capitão da polícia do Exército, foi meu carcereiro durante a ditadura militar. Um carcereiro muito ruim, até. Ele não me torturou pessoalmente, mas eu ouvi ele torturando pessoas. Esse é o submundo que cerca o Carnaval. Eu não acredito que a gente vai conseguir abrir essa caixa preta. Mas eu estou seguro de que haverá Carnaval, sim.

P. Mas você já disse que o tem em comum com Crivella é a busca da coerência entre a palavra e o gesto. O prefeito prometeu manter apoios às escolas, também à Parada LGBT, mas depois não cumpriu.

R. Não estou acompanhando a questão da Parada, mas por que acho que esses cortes não configuram uma perseguição? Porque toda a Prefeitura está comprimindo seus recursos. Se a educação está diminuindo recursos, se a saúde está diminuindo recursos, por que o LGBT não pode diminuir? Por que o Carnaval não pode? Podem sim. O prefeito Crivella, por ser evangélico, sempre está sob suspeita de estar tramando alguma coisa. Eu não tenho nada contra homossexuais, eu brinco Carnaval, e no entanto, eu concordo com a decisão do prefeito.

P. Por que suspender a transformação de duas arenas olímpicas em quatro escolas, uma das grandes promessas de legado olímpico?

R. A gestão anterior deu grande ênfase à construção de grandes escolas e desequilibrou nosso orçamento. Herdamos 30 escolas inacabadas e uma rede muito mal conservada e nossa posição neste momento é não iniciar novas obras antes de terminar aquilo que já foi começado. Seria muito irresponsável hoje, no meio de uma crise fiscal, pegar os poucos recursos que temos para iniciar projetos novos.

Escolas no fogo cruzado

P. No Complexo da Maré, houve vários tiroteio, um incêndio numa escola, uma professora baleada e quatro blindados da polícia entrando na comunidade. Os bombeiros pediram até escolta policial para apagar o fogo. Esta é uma situação de violência inédita? Como se chegou até aqui?

R. Há uma piora da situação. Nós ainda não entendemos muito bem os motivos. Um motivo é óbvio que é a crise econômica e o aumento do desemprego que tem um impacto na violência, mas existem outras causas. Está havendo um confronto maior entre facções criminosas na disputa por territórios, os líderes dessas facções não são mais oriundos das comunidades, e as escolas, onde muitos estudaram antes, não são mais vistas como algo a ser preservado. Além disso, nitidamente, há uma presença maior de criminosos mais jovens, o que também aumenta o nível de violência. Eu já trabalhei nas favelas nos anos 90 e é claro que nós negociávamos para entrar, mas era muito mais fácil. Porque eram criminosos enraizados nas favelas e chefiados por pessoas mais velhas, com certa capacidade política de entender o que é bom e o que não é.

P. Por que resolveu abraçar a divulgação dos números de violência nas escolas? Qual o objetivo de fazer público que apenas houve sete dias de paz neste ano letivo sem nenhuma escola fechando suas portas? Seus críticos acreditam que é uma forma de espalhar o medo sem enfrentar o problema.

R. Nossa rede é muito grande, cerca de 20% da cidade gravita no entorno dela, é poderosa e tem legitimidade. No momento em que as instituições brasileiras perderam sua legitimidade, a sociedade quer reagir ao quadro de violência que esta vivendo, mas ela não encontra caminhos e a rede pública de educação vai começar a abrir caminhos para a sociedade reagir. E para reagir a gente tem que enfrentar o tamanho da crise. Não quero esconder a realidade, porque eu estou vendo que o Rio de Janeiro está morrendo aos poucos. O nível de violência atual não permite mais a vida social, dificulta muito o turismo, o comércio, a vida cultural... Vejo áreas da cidade que estão morrendo, às 19h30 não tem ninguém na rua, as pessoas estão trancadas em casa. Eu estou fazendo um chamamento à reação da cidade.

Te pergunto o seguinte: o cabo da PM que entra na favela, dando e levando tiro, e olha para cima e sabe que o governador está ficando milionário, por que que esse soldado não vai buscar também algum tipo de vantagem?

P. O senhor já se reuniu com muitos professores e diretores de escolas nesses meses. Quais foram os relatos que mais o impactaram?

R. A primeira vez que eu fui na Maré como secretário – digo isso porque na época em que fui clandestino eu fiquei escondido dentro da comunidade quando ainda era uma favela de palafitas – eu contei 162 furos de tiros de fuzil na fachada de uma escola. Uma espécie de cartão de visita. Ainda lá, na Maré, eu conversei com alguns grupos de homens armados de fuzil, tinha um rapaz muito jovem, e a frase que ele me disse eu não esqueci: “Antes, a PM me esculachava, agora ela me respeita”. Mas também tenho muitas histórias de heroísmo de diretores e professores, como quando mataram a menina Maria Eduarda [em 31 de março] e o pessoal da escola manteve o corpo três o quatro horas dentro do local sem conseguir sair.

P. Nesse caso, ainda, o senhor foi um dos primeiros a acusar a polícia de ter matado a menina.

R. Foi a polícia quem matou. Eu fui no dia seguinte, nós reconstruímos tudo, e quando a polícia atirou não havia confronto. Os policiais se posicionaram, mais ou menos a 150 metros da escola, e havia dois homens armados transitando na frente, mas isso é uma situação normal aí. Esses policiais tiveram tempo de fazer a mira, escolher os alvos e atirar. Só que atrás desses homens estavam as crianças jogando vôlei. E nós temos uma polícia que é incapaz de usar uma arma de guerra como um fuzil automático, porque ela não tem discernimento de quando pode ou não pode atirar. A polícia via nossos alunos. Não vou dizer 100%, mas 90% dos conflitos que atingem as escolas começam nas operações policiais.

P. O senhor já avaliou as incursões policiais nas comunidades de “desastradas, espalhafatosas e inúteis”. Qual seria sua proposta?

R. Nós temos, no mínimo, duas reivindicações à polícia. Primeiro é que ao planejar alguma incursão ela respeite as escolas, que leve em conta sua localização e não deixe elas na linha de tiro. Ela não tem feito isso, ao contrário. A segunda reivindicação é que a polícia não faça operação nos horários de entrada e saída dos alunos. Temos centros de 1.200 crianças, e nesses horários se concentram cerca de 2.000 pessoas no entorno das escolas.

P. O que a cúpula de segurança responde a essas reivindicações?

R. Ela sempre promete uma revisão de procedimentos que nunca acontece, mas eu tenho dúvidas hoje até que ponto o comando da Polícia Militar comanda a tropa. Já fizemos reuniões com todos os batalhões da PM do Rio de Janeiro, somos até bem recebidos, mas isso não se traduz em efetividade. No dia seguinte repetem-se essas operações.

P. Em que sentido você acha que o comando não comanda a tropa?

R. É um assunto delicado. Num país e num Estado onde o nível de corrupção dos governos chegou ao ponto que chegou, há uma dissolução das estruturas. Te pergunto o seguinte: o cabo da PM que entra na favela, dando e levando tiro, e olha para cima e sabe que o governador está ficando milionário, por que que esse soldado não vai buscar também algum tipo de vantagem?

P. Poderia se dizer que senhor se tornou o secretário mais destacado da administração Crivella. Isso diz coisa boa do senhor, mas também pode sugerir a irrelevância de ações do governo municipal...

R. Não sei se isso é verdade. O prefeito tomou uma decisão corajosa de colocar o pé no freio para evitar o descontrole. Este primeiro ano é o ano de arrumar a casa para que a gente possa respirar. Isso talvez explica essa menor visibilidade: ele não está tocando grandes projetos nem quer. A administração da Prefeitura não é uma corrida de 100 metros rasos, é uma maratona e será avaliada daqui a quatro anos. Ele está mantendo o lema de “cuidar das pessoas” e está me dando condições de trabalhar que a esquerda não me daria.

P. Que tipo de condições?

R. Temos 65.000 funcionários na secretaria de Educação, nenhum é indicado politicamente. A esquerda ia lotear a secretaria, gerência por gerência. Não por causa de corrupção, mas pela luta interna entre os grupos da própria esquerda.

A crise brasileira

P. Em que plano ideológico você está no Brasil de hoje?

R. Eu sou e sempre fui de esquerda. Mas eu acho que a esquerda brasileira vem vivendo um processo grave de deformação. Eu sai do PT em 1995 já dizendo que estava em curso um processo de corrupção grave, comandado pela cúpula do partido. Fiquei isolado dizendo isso, me crucificaram. A realidade está aí. A esquerda precisa fazer uma autocrítica muito mais profunda do que ela está disposta a fazer.

P. Em que sentido?

R. Ela se afastou do povo. A esquerda foi para os gabinetes, para os governos, para o Parlamento, você tem milhares de quadros da esquerda ao longo dos últimos anos que ascenderam socialmente... Muitas vezes de maneira legal, mas outras de maneira ilegal. A esquerda não sairá dessa crise fazendo pequenos remendos. Se você me perguntar quem é que vai contribuir mais no médio prazo na respeitabilidade da esquerda brasileira, se sou eu ou são os grupos ultrarradicais que ficam gritando palavras de ordem como “Fora Temer” e “Nenhum direito a menos”, sou eu. A esquerda fala muito de revolução, mas quer eleger vereador e deputado. Eu falo menos de revolução mas dedico minha vida a ela.

P. Qual é seu diagnóstico da crise do Brasil?

A polémica brasileira não é a polêmica entre Jean Wyllis e Silas Malafaia. Enquanto a gente balizar a situação do Brasil na discussão de um homossexual com um pastor, estamos deixando de ver a verdadeira natureza da crise brasileira

R. Em geral as pessoas estão olhando para cima quando pensam na crise, olham para os políticos, no Congresso, no presidente Temer, no Lula... mas a crise brasileira não está aí. Está embaixo. Há um processo de dissolução da sociedade, que nos coloca muito próximos de uma situação de anomalia, de ausência de regras, de ausência de referências, uma perda de valores essenciais do processo civilizatório. É essa crise que me preocupa mais. Eu não estou preocupado com a luta do PT contra o PSDB. A esquerda também é culpada por essa crise moral. Baseou-se em conchavos eleitorais e deixou de ser uma força que exerce uma vanguarda intelectual moral, como é o papel histórico dela. Criou-se uma esquerda pós-moderna, e acho que a do Rio representa muito isso. Dá grande ênfase à política de costumes e discute essencialmente homossexualismo, drogas, aborto. Questões de costumes às quais os evangélicos e o povo brasileiro são muito conservadores.

P. O senhor não se identifica com essas questões?

R. Isso cria um conflito que aparentemente é antagônico entre a esquerda e os evangélicos, por exemplo, mas é um erro. Nunca me interessou especialmente a política dos costumes, eu penso na política do ponto de vista nacional e social. E essas duas questões me permitem dialogar muito fluentemente com os evangélicos, que são a força popular mais influente do Brasil contemporâneo. A polêmica brasileira não é entre Jean Wyllis e Silas Malafaia. Enquanto a gente balizar a situação do Brasil na discussão de um homossexual com um pastor, estamos deixando de ver a verdadeira natureza da crise brasileira e estamos nos distanciando cada vez mais do povo. Isso me separa muito dessa esquerda, embora eu a respeite.

P. Tem se repetido muito nos últimos meses que o PT institucionalizou a corrupção. O senhor que há tempos denuncia práticas corruptas no partido, concorda com essa afirmação?

R. Infelizmente, a afirmação é verdadeira. A corrupção atingiu um patamar inédito nos governos do PT, muito mais organizada, muito mais sistematizada. Saímos de uma fase mais artesanal da corrupção, que poderia ser muito grande, não digo que fosse pequena, mas mais improvisada, e entramos numa fase de corrupção sistêmica, planejada e associada ao projeto político.

P. O que o senhor pensa de Lula?

R. Eu acho que o tempo de Lula passou. Ele não tem a menor ideia do que ele vai fazer se ele se eleger presidente no ano que vem. Mas ele está movido por uma grande causa que é a de não ser preso. Ele não é mais um quadro político, uma liderança nacional.

P. Quem te representaria em 2018?

R. Neste momento, ninguém. Acho que é maior crise da história da República, inclusive pela falta de alternativa.

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