Crivella toma posse no Rio e marca o lema dos novos prefeitos: “É proibido gastar”
O ex-bispo assume cargo com enormes desafios como zerar as filas de creches e hospitais com a ajuda da iniciativa privada


Milhares de brasileiros assistem à troca de comando em suas respectivas cidades neste domingo, dia 1 de 2017. Entre os novos prefeitos, está o ex-bispo Marcelo Crivella, que assume a prefeitura do Rio de Janeiro, numa das piores crises econômicas da sua história. Durante a cerimônia de posse na Câmara dos Vereadores, no centro da capital fluminense, o novo mandatário da Cidade Maravilhosa deu o tom da sua gestão: “É proibido gastar”, afirmou em seu discurso de posse, apontando o que parece ser o mantra dos novos prefeitos no Brasil da recessão. “O país está em crise, o Rio de Janeiro está em crise. É tempo de cautela”, avisa o prefeito carioca.
Em outras palavras, Crivella fará uma gestão de “vacas magras”, como ele mesmo já repetiu, e sinalizou o que vem pela frente cortando secretarias, de 23 para 12. “O problema deste mandato é que a gente não tem dinheiro. Vai ser um ano de ajuste, corte de despesas, de melhorar a arrecadação, cortar benefícios fiscais e acabar com alguns desvios”, explica um dos colaboradores do prefeito. Crivella cortou a pasta de Pessoas com Deficiência e até a de Turismo, que será substituída por um conselho de sábios do setor. O turismo, além de ser a "principal vocação da cidade", segundo Crivella, é chave numa cidade em crise e com 50.000 vagas hoteleiras a serem amortizadas após a Olimpíada.
A escassez de recursos – a equipe prevê contar com, pelo menos, 3,5 bilhões ou 12% do orçamento a menos e 1,5 bilhão de gastos adicionais com folha de pagamento, previdência e amortização de dívida – virá compensada com a abertura ao capital privado. Fórmula que já foi adotada por Paes em grandes projetos como a construção do Porto Maravilha, o Parque Olímpico e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Defensor durante sua campanha das parcerias público-privada (PPP), Crivella elegeu uma secretária da Fazenda, a economista Maria Eduarda Gouvêa, defensora férrea do modelo, especialmente no saneamento urbano, um dos calcanhares de Aquiles do Rio.
Ele estuda também se associar a instituições privadas para cumprir duas das suas promessas mais ambiciosas: zerar as filas de espera nas creches municipais (há cerca de 42.000 crianças até quatro anos sem acesso) e nas cirurgias em hospitais públicos. Em uma proposta parecida à sugerida pelo prefeito de São Paulo, João Doria, Crivella poderia apostar por um mutirão em hospitais e instituições de ensino privadas para descongestionar o sistema enquanto constroi uma fórmula definitiva.
O programa de Crivella, cujo lema de campanha foi “chegou a hora de cuidar das pessoas”, deve começar pela saúde. Além de prometer zerar filas de cirurgia onde o paciente corre risco de vida e aumentar em 20%, até 2018, os leitos dos hospitais municipais, Crivella pretende também assumir a gestão das 16 UPAs estaduais, que soçobram no meio de uma crise financeira onde médicos recebem com atraso e fornecedores acumulam meses de calote. Está em estudo também – assim como Eduardo Paes fez com dois centros médicos estaduais – municipalizar os nove hospitais federais da cidade. A medida é criticada pelo próprio Paes que alerta do risco para as finanças municipais. "O legado do ex-prefeito Cesar Maia naquele último Governo foi ter tido peito de suspender a municipalização de unidades federais. Ele se livrou daquela desgraça dos hospitais federais. Senão aquilo teria quebrado a Prefeitura", disse Paes a O Globo nessa semana.
A segurança é outra das preocupações do novo prefeito. Além de declarações questionáveis como a que "[O Rio] Deveria ser murado como Jerusalém" para evitar a entrada de drogas e armas, e propostas utópicas como indenizar os turistas que sejam roubados na cidade, Crivella sinalizou uma mudança na ordem pública do município. Com um aumento de 41,3 % dos homicídios e 34,5% dos roubos a transeuntes se comparados novembro de 2015 e 2016, o novo secretario da pasta, o coronel e fundador do Bope, Paulo Cesar Amêndola, terá a função de transformar o papel da Guarda Municipal e aproximá-lo ao da polícia. Crivella, partidário de manter os agentes desarmados, quer que os guardas se concentrem em proteger mais à população, em cenários como os tradicionais arrastões nas praias da cidade, e menos na defesa do patrimônio, retratado na perseguição de vendedores ambulantes. Mas o militar defende a "tolerância zero" em ambos os casos.
Crivella, que será alvo de críticas de uma imprensa a quem desdenhou durante a campanha, já se salvou, no entanto, de um desgaste antes mesmo de assumir. O prefeito Eduardo Paes, que resolveu aumentar as tarifas de ônibus (de 3,80 a 3,95 reais), embora mais de 30% dos veículos circulem sem ar condicionado no asfixiante calor carioca, acabou por recuar e, assim como em São Paulo, ficarão congeladas.
O novo prefeito já criticou em campanha o aumento das passagens acima da inflação e a estratégia das concessionárias para “manipular tarifas”, mas o poder das concessionárias, que ameaçaram, em dezembro, demitir 5.000 rodoviários e fechar mais de 12 empresas se as tarifas não fossem reajustadas, não é pequeno. O vice de Crivella, o engenheiro Fernando Mac Dowell cuidará da pasta e demonstrou que, além de ser contrário aos aumentos, sonha com voos mais altos. Ele quer municipalizar o metrô, hoje a cargo da concessionária Metrô Rio, sob gestão estatal. A ideia é aumentar o número de passageiros em um sistema, segundo ele, subutilizado sob a gestão do Estado.
Também sem dinheiro, Crivella assumiu o compromisso de ajudar a concessionária para concluir a estação de Gávea, prometida para os Jogos Olímpicos, e que é parte do trajeto da nova, cara e problemática linha 4 do metrô carioca.
Agora, Crivella assume a prefeitura do Rio pedindo cautela depois de uma transição em que ele imprimiu um ritmo tranquilo. Depois de ser eleito, demorou quase três semanas em começar a transição de Governo com a equipe de Eduardo Paes e só anunciou seu secretariado a duas semanas de se sentar na cadeira de prefeito. "Para que a pressa? Confie no prefeito eleito", disse ele quando questionado. Não será com pressa, é verdade, que Crivella conseguirá cumprir as difíceis promessas lançadas na sua campanha eleitoral com muito menos dinheiro nos cofres públicos do que seu antecessor.