Países emergentes ascendem de novo
O capital de risco e os investimentos reativam as economias que sofreram uma queda depois da Grande Recessão
Depois da forte fuga de capitais de muitos mercados em 2013, a ameaça de crise na Bolsa de Valores da China em agosto de 2015 e a grave crise brasileira, as economias pujantes voltaram à cena e têm forças renovadas. Três razões explicam esse retorno em grande estilo: o maior crescimento econômico do mundo desenvolvido, a expansão da demanda interna em seus próprios países à medida que as classes médias crescem e a recuperação do preço das matérias-primas, que em última instância permitiu que Rússia e Brasil saíssem da recessão.
Também influenciaram positivamente –acrescenta o economista español Juan Ignacio Crespo, autor do libro Las dos próximas recesiones– a acumulação de moeda estrangeira no período de vacas gordas e a recente fragilidade do dólar. “Exceto no Brasil, os últimos anos foram bons em todos esses países, em grande parte devido à quantidade de moeda estrangeira que acumularam entre 2000 e 2008 [quando explodiu a Grande Recessão], um bom momento para as matérias- primas”.
O PIB mundial crescerá quase 4% neste ano, de acordo com números do Fundo Monetário Internacional (FMI), e entre 2018 e 2020 a expansão global deve ser mais próxima de 4% do que de 3%. Existem riscos, claro: a volta das retóricas protecionistas, a beligerância de Donald Trump na política externa e o retorno da inflação nos EUA e, portanto, o fim do dinheiro barato como referência a seguir para os bancos centrais. “Mas o cenário central continua sendo o de uma recuperação sincronizada das economias desenvolvidas e emergentes, com uma convergência para seus níveis de crescimento potencial”, enfatiza Ángel Melguizo, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No caso das economias avançadas, a recuperação neste ano será de 2,3%. “Os EUA, a Europa e o Japão tiveram um 2017 excelente e essa tendência deverá continuar. Esse é o principal determinante da boa situação do mundo emergente”, ressalta Alicia García Herrero, economista-chefe para a Ásia do banco de investimentos francês Natixis. O crescimento do bloco dos países emergentes e em desenvolvimento, como são classificados pelo FMI, chegará perto de 5% em 2018, com os países asiáticos à frente. Se o seu principal cliente, o Ocidente, for bem, eles também estarão bem.
O bloco dos países em desenvolvimento não está livre de incertezas, mas seus Governos parecem ter tomado o caminho certo em suas políticas. Contrariamente ao que aconteceu no anterior ciclo de crescimento da economia mundial, que terminou abruptamente em 15 de setembro de 2008 com a falência do Lehman Brothers, nos últimos anos muitos países emergentes tentaram reduzir sua dependência do Ocidente. Nessa mudança, e também no bom momento atual, a crescente demanda interna desempenha um papel essencial.
Isso leva ao fator seguinte: a conversão de classes trabalhadoras em classes médias com renda suficiente para pensar mais além da subsistência criou uma base de consumidores indispensável para reduzir a dependência das exportações como único propulsor da economia. As vendas ao exterior não são mais a única maneira de crescer. Hoje os emergentes não são mais apenas uma plataforma produtiva com mão de obra barata, como nos anos noventa: centenas de milhões de seus cidadãos se tornaram novos consumidores ligados às cadeias de abastecimento globais, a ponto de 85% do aumento do consumo mundial ser atribuível apenas a esses países.
Aos olhos dos investidores, os emergentes não são mais os mesmos países cheios de incertezas de algumas décadas atrás. “Muitos dos desequilíbrios foram reduzidos e houve uma diminuição nas discrepâncias em suas contas correntes”, ressalta Stéphanie de Torquat, estrategista de investimentos do banco Lombard Odier. Com poucas exceções, esses países seguiram as receitas dos grandes organismos internacionais.
Principal risco
O panorama é alentador, mas nem tudo são boas notícias para o bloco emergente. Qual é o principal risco no curto prazo? Todos os analistas consultados são taxativos: a dívida, no momento em que é hora de aumentar as taxas de juros e retirar estímulos nos EUA e, em breve, também na zona do euro. Isso encarecerá o pagamento da dívida e colocará em dificuldades nações e empresas que tiverem vencimentos significativos nos próximos anos. “Houve um aumento em muitos desses países. Em alguns casos, como Brasil e Rússia, foi a dívida pública. Em outros, como China, Índia e, em menor grau, Brasil e Rússia, o aumento veio do lado dos passivos privados”, ressalta García Herrero, do Natixis e Bruegel.
O maior foco de incerteza para os emergentes reside, segundo José Luis Machinea, em um fator que escapa ao seu controle: as políticas monetárias restritivas em curso nos países desenvolvidos para conter a incipiente inflação. Principalmente se esse aumento for acelerado, o que causaria um impacto nos mercados de ações e aumentaria a incerteza em escala global e, particularmente, nos países em desenvolvimento, onde o custo da dívida dispararia.
“Estamos preocupados que o processo de normalização da economia monetária leve à volatilidade nos fluxos de capital para os emergentes e encareça o financiamento público e privado de alguns desses países”, reconhece Alejandro Werner, diretor do departamento do Hemisfério Ocidental do FMI. “É um dos cenários de risco, junto com os recentes episódios de volatilidade”, aponta em referência à recente queda das Bolsas mundiais, apesar de muitos índices continuarem próximos de seus recordes históricos.
“A normalização da política monetária do Federal Reserve, não só pelo aumento das taxas de juros, mas pela redução do seu balanço, não favorece as economias emergentes”, acrescenta García Herrero. “Mas desta vez são muito mais fortes do que em 2013: os balanços atuais são positivos em muitos desses países e a normalização da política monetária nos EUA já foi descontada pelos mercados. O maior risco hoje é o político: uma possível ação militar na Coréia do Norte e/ou um forte aumento dos atritos entre Washington e Pequim”, acrescenta a chefe de análise do Natixis para a Ásia-Pacífico.
O outro grande risco, diz Machinea, é que um segundo episódio de volatilidade nos mercados de ações, juntamente com certo viés protecionista no mundo, e especialmente nos EUA, gere uma tempestade perfeita. “Ou seja, que uma turbulência financeira ou macroeconômica se torne, devido à atitude protecionista [de Trump], uma grande crise. O mundo já aprendeu o custo dessas políticas na década de 1930, mas não seria a primeira vez que esquecemos as lições do passado”.
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