Assédio sexual nos plenários franceses
Jornalistas e mulheres que ocupam cargos públicos lutam contra o machismo nas altas esferas políticas

Em julho de 2012, a recém-chegada ministra da Habitação da França, Cécile Duflot, foi recebida pela Assembleia Nacional em meio a assobios por parte dos deputados. À época, Duflot tinha 37 anos, e, para a ocasião, havia escolhido usar um vestido florido azul e branco. O espetáculo vexatório é um dos ritos machistas do poder legislativo do país, marcado por uma profunda feminização da política. Depois de quatro anos, as mulheres que ocupam cargos jornalísticos e políticos estão em pé de guerra. Elas pedem a demissão de um deputado do partido Os Verdes (Les Verts, em francês), acusado de assediar companheiras de trabalho, e também a saída do ministro de Finanças, Michel Sapin, acusado de ter tratado uma jornalista de forma degradante.

O caso mais grave diz respeito ao que envolveu, recentemente, o ex-dirigente do Os Verdes Denis Baupin, acusado de assédio sexual por oito mulheres, a maioria integrantes de seu partido. Assim que o escândalo foi divulgado pelos meios de comunicação franceses, no início de maio, o presidente da Assembleia Nacional, Claude Bartolone, pediu que o político renunciasse à vice-presidência. Baupin decidiu deixar o cargo, mas denunciou as mulheres que o acusaram por calúnia e difamação e continua a ser deputado. Dias depois, dezenas de mulheres participaram de uma manifestação para exigir o fim da impunidade e que Baupin abandone sua cadeira no plenário. Já a ministra Cécile Duflot pediu a intervenção do deontologista da Câmara dos Deputados. “Existem muitos Denis Baupin na Assembleia”, afirmou ela, referindo-se também à grande quantidade de assistentes parlamentares mulheres que são vítimas de assédio.
As afrontas contra as mulheres na política são numerosas nesse ambiente legislativo que consagrou a igualdade de sexos por lei. O deputado conservador Marc-Philippe Daubrasse chamou, publicamente, Barbara Pompili de Barbara Pom-pom-pili. Seus companheiros, membros da Assembleia, imitaram o som feito pelas galinhas quando a deputada Véronique Massonneau assumiu a palavra. Quando a secretária de Estado de Igualdade, Laurence Rosignol, começou a falar, um deputado perguntou em voz alta: “Mas quem é essa mulher?”.
Sobre a ministra de Educação, Najat Vallaud-Belkacem, uma publicação afirmou que ela é a "menininha mimada" de François Hollande, e o político Hugues Foucault ressaltou seu estilo erótico.
O caso Baupin convulsionou a política francesa e, em meio a esse contexto, o ministro de Finanças, Michel Sapin, teve que admitir que seu comportamento em relação a uma jornalista, no ano passado, foi inapropriado. O caso foi trazido de volta à tona pelo livro L’Élysée Off, lançado recentemente pelos jornalistas Stéphanie Marteau e Aziz Zemouri, e no qual contam que Sapin, ao ver, de costas, uma jornalista que se agachava para pegar uma caneta, comentou: “Mas o que é isso que você está me mostrando?”. Ao mesmo tempo, o político puxava o elástico da calcinha da repórter. A ex-ministra socialista Delphine Batho exigiu explicações a Sapin, e ele garantiu que, apenas, colocou a mão nas costas da mulher. “Não houve, em minha atitude, nenhuma característica machista, mas o fato de ter incomodado a pessoa em questão demonstra que minhas palavras e meus gestos foram inapropriados”, justificou Sapin.
Alguns meios se perguntam se o machismo é um distintivo da política francesa. O sociólogo Éric Fassin, que já escreveu vários livros sobre o tema e sua relação com a discriminação, trabalha com uma hipótese que ofereceria uma explicação: “A V República fomentou a personalização do poder. O chefe de Estado é o encontro de um homem com o povo. Há também uma relação de proximidade dos homens políticos com as jornalistas do setor (muito feminizado), o que conduziu a certos abusos. Mas isso está mudando”.
A denúncia contra Baupin comprova essa teoria. E a reação rápida de Bartolone também. As políticas e as jornalistas francesas já não se calam. As vítimas de machismo mencionadas antes também não. Todas repreenderam, duramente, a conduta de seus colegas. O jornalista de televisão que se atreveu a perguntar a Nathalie Kosciusko-Morizet, ex-número dois do partido de centro-direita Os Republicanos (Les Républicains, em francês), sobre seu penteado levou uma importante bronca ao vivo. “Hoje você ganhou o prêmio de misoginia”, disse Rosignol ao deputado que se referiu a ela, de maneira depreciativa, como “essa mulher”.
As políticas e as jornalistas francesas já não se calam. As vítimas de machismo mencionadas antes também não
O caso Baupin tem poucos precedentes na política francesa. Mas por que nenhuma das oito mulheres que acusam o deputado de assédio o denunciou de maneira oficial perante a justiça? “Essa não é a pergunta. A questão é por que a elite política não reagiu diante desse escândalo”, afirmou a feminista Caroline de Haas, que trabalhou com a ministra Belkacem durante dois anos e combateu, na linha de frente, a reforma trabalhista. “A primeira reação diante desse tipo de assuntos é questionar a palavra das vítimas. Todo mundo sabe que denunciar esse tipo de comportamentos ainda traz muitos problemas”.
O escândalo do deputado do partido Os Verdes Denis Baupin, acusado de perseguição e agressão sexual por oito mulheres, correligionárias de partido em sua maioria, também mobilizou 17 ex-ministras francesas de todas as ideologias. Em uma carta aberta publicada no Journal du Dimanche, as assinantes, membros do Partido Socialista, do Os Republicanos, do Os Verdes do EE-LV e do Partido Comunista, advertem: "Já chega. Não vão nos calar. Denunciaremos todos os detalhes machistas, os gestos desconjurados e as atitudes impróprias". As ex-ministras pedem, ainda, que todos os partidos políticos que verifiquem cada protesto e incentivam as vítimas de assédio sexual a apresentarem denúncias.
Entre as mulheres que assinaram o texto estão Christine Lagarde, ex-ministra de Economia de Nicolás Sarkozy e atual diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Nathalie Kosciusko-Morizet, Ramo Yade, Élisabeth Guigou e Aurélie Filippetti. Todas afirmam que, como políticas, tiveram acesso a esferas que antes eram exclusivamente masculinas e que tiveram que sofrer e lutar contra o machismo. Elas consideram que o problema é enfrentado por todas as mulheres de todas as condições, mas ressaltam que "os que escrevem, votam e aplicam as leis devem ser irreprocháveis".
UM ANTES E UM DEPOIS DE DOMINIQUE STRAUSS-KAHN
A galanteria e a capacidade de sedução que era atribuída a muitos políticos na França são características vistas, agora, de maneira crítica. O ex-diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn não foi acusado de agressão sexual em 2011 apenas nos Estados Unidos. Na França, enfrentou um julgamento por proxenetismo. Foi absolvido, mas os depoimentos de testemunhas revelaram a conduta agressiva do político em relação às mulheres que não se jogavam em seus braços, entusiasmadas pela paixão. Eram prostitutas que cobravam por seus serviços. Uma jovem escritora o acusou também de agressão sexual. As reações solidárias em apoio ao político depois dos escândalos desencadearam as primeiras tormentas. O ex-ministro de Cultura Jack Lang teve que se desculpar por dar a entender que Strauss-Kahn tinha sido vítima de uma armadilha ou, pelo menos, da provocação feminina.
No ano passado, o ex-primeiro-ministro François Fillon também teve que pedir desculpas. O candidato às eleições primárias dos conservadores, realizadas no final de 2015, respondeu sobre sua ambição em relação a ser presidente da República da seguinte forma: “Eu não gosto dessa formulação porque dá a sensação de que a França é um país para ser tomado, assim como se faz com a mulher que desejamos”.
Cerca de 40 jornalistas assinaram, em 2015, uma carta, publicada no Libération, por meio da qual relatavam casos de machismo praticados por políticos e dos quais eram vítimas. Elas, assim como Caroline de Haas, acreditam que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Acreditávamos que o escândalo DSK mudaria as linhas e que os hábitos machistas estavam em vias de extinção”, afirma a carta. “Mas suportamos, todos os dias, manifestações de paternalismo lúbrico”, conclui o texto.