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OMS define como “perigosos” os níveis de poluição do ar que eram considerados seguros até agora

Entidade atualiza os padrões de qualidade do ar pela primeira vez em 15 anos, intensificando a pressão para que os países combatam o problema

Vista aérea de Barcelona durante um dia de poluição em janeiro de 2020.
Vista aérea de Barcelona durante um dia de poluição em janeiro de 2020.Joan Sánchez
Manuel Planelles

A Organização Mundial da Saúde (OMS) endureceu os indicadores de qualidade do ar para os principais poluentes atmosféricos, estabelecendo limites de segurança mais rígidos para quatro substâncias nocivas, vinculadas principalmente à queima de biomassa e combustíveis fósseis —petróleo, gás e carvão. As diretrizes anteriores datavam de 2005 e agora, mais de 15 anos depois, a OMS decidiu endurecê-las e reforçar a pressão para que os Governos do mundo combatam um problema que causa, a cada ano, cerca de sete milhões de mortes prematuras, além de problemas graves de saúde, como lembrou a organização. O passo dado por essa agência da ONU põe na mira os veículos com motor de combustão.

Com base no conhecimento científico alcançado nas últimas décadas, a OMS estabeleceu novos limites de exposição segura para os seres humanos para seis tipos de poluentes: as partículas em suspensão de menos de 2,5 micrômetros de diâmetro (PM₂,₅), as partículas de menos de 10 micrômetros (PM₁₀), o ozônio (O₃), o dióxido de nitrogênio (NO₂), o dióxido de enxofre (SO₂) e o monóxido de carbono (CO).

A maior redução foi em relação ao dióxido de nitrogênio: até agora se considerava que o limite de segurança era uma exposição anual de 40 microgramas por metro cúbico. As novas diretrizes reduziram esse limite para 10 microgramas por metro cúbico. Esse poluente gera problemas no aparelho respiratório e está muito ligado, na cidades, aos veículos a diesel e a gasolina, por isso a decisão da OMS coloca em uma situação ainda mais complicada os carros com motor de combustão. Contra eles, além do avanço dos veículos elétricos e da consciência ambiental, somam-se os problemas de saúde provocados por esse tipo de motor.

No caso das partículas —que podem entrar nos pulmões e até mesmo chegar à corrente sanguínea, causando doenças cardiovasculares e respiratórias—, a OMS também endureceu os limites de segurança. As partículas são atualmente o poluente atmosférico que mais causa efeitos negativos para a saúde no mundo. Embora elas também estejam ligadas ao trânsito, sua origem é mais variada. Para as PM₂,₅, a OMS decidiu reduzir pela metade a exposição máxima recomendada por ano: de 10 para 5 microgramas por metro cúbico. No caso das partículas maiores, as PM₁₀, o limite anual passa de 20 para 15 microgramas por metro cúbico.

A OMS assinalou que, para estabelecer as novas diretrizes, baseou-se “nas abundantes provas científicas disponíveis atualmente” sobre os efeitos nocivos dos poluentes para a saúde humana. “Temos cada vez mais evidências”, afirmou ao EL PAÍS a doutora María Neira, diretora do Departamento de Saúde Pública e Meio Ambiente da OMS.

Descumprimento generalizado

Os padrões de segurança estabelecidos pela OMS não são uma obrigatoriedade legal. Cada país decide se fixa limites para cada poluente e se adota os mesmos definidos pela organização. Segundo a própria agência da ONU, mais de 90% da população mundial vivia em 2019 “em áreas onde os níveis de concentração [de poluentes] ultrapassavam os indicados nas diretrizes de 2005 da OMS sobre qualidade do ar para exposições prolongadas a PM₂,₅”. Agora, com o endurecimento das diretrizes, essa porcentagem aumentará.

Painéis luminosos na rodovia M30 de Madri indicam a ativação da fase 1 do protocolo antipoluição.
Painéis luminosos na rodovia M30 de Madri indicam a ativação da fase 1 do protocolo antipoluição. VICTOR SAINZ

“Os novos limites significam que é preciso multiplicar o nível de ambição para reduzir a poluição”, destacou Neira. Miguel Ángel Ceballos, especialista em qualidade do ar e mobilidade da associação de grupos ambientalistas espanhóis Ecologistas en Acción, acredita que estas mudanças são “uma obrigação ética para os governantes”. A União Europeia, que vem estabelecendo padrões cada vez mais rígidos de qualidade do ar, planeja rever seus limites de exposição para os principais poluentes. E, como adiantou a Comissão Europeia, as novas diretrizes da OMS serão usadas como referência para definir as metas para o final desta década, assinalou Ceballos.

Mas a OMS admite que existe uma dupla velocidade evidente no planeta. Nos países desenvolvidos, “a qualidade do ar tem melhorado de forma gradual”, o que não significa que não continuem sendo ultrapassados os limites de segurança de certos poluentes, como as partículas finas. Em contraste, na maioria dos países de baixa e média renda, “a qualidade do ar tem se deteriorado devido à urbanização em larga escala e a um desenvolvimento econômico baseado, em grande medida, na combustão ineficiente de combustíveis fósseis, como o carvão, além da indústria e do uso ineficiente de combustíveis residenciais”. Neira explicou que, enquanto nos países desenvolvidos as principais fontes de poluição estão ligadas ao trânsito, à indústria e à geração de energia em geral, nas nações menos ricas a queima de biomassa, o uso de combustíveis sólidos e de querosene em aquecedores e as cozinhas sem ventilação também influem muito para o problema.

A OMS espera que seus novos padrões possam reduzir as mortes prematuras causadas pela poluição. Por exemplo, “cerca de 80% das mortes atribuídas à exposição às PM₂,₅ em todo o mundo” poderiam ser evitadas se fossem alcançados os níveis de exposição definidos pelas novas diretrizes.

Além das mortes, a OMS lembrou nesta quarta-feira que a ciência identificou bem os efeitos da poluição nas crianças, que podem sofrer, devido a esse problema, “uma redução do crescimento e das funções pulmonares, infecções respiratórias e agravamento da asma”. Nos adultos, “a cardiopatia isquêmica e os acidentes vasculares cerebrais são as causas mais comuns de morte prematura atribuível à poluição do ar, e também estão surgindo evidências de outros efeitos, como diabetes e doenças neurodegenerativas”. Por isso, a morbidade atribuível à poluição do ar está “no mesmo nível de outros riscos sérios para a saúde em nível mundial, como a dieta insalubre e o tabagismo”.

Descarregamento de carvão na cidade de Ahmedabad, na Índia.
Descarregamento de carvão na cidade de Ahmedabad, na Índia.Amit Dave (Reuters)

Outros poluentes

A OMS decidiu deixar a exposição máxima ao ozônio —neste caso, medida em microgramas por metro cúbico para um período de oito horas— no mesmo nível estabelecido pelas diretrizes de 2005. Para o monóxido de carbono, foi definido pela primeira vez um limite para exposição em 24 horas: quatro miligramas por metro cúbico. Apenas no caso do dióxido de enxofre a OMS decidiu, depois de analisar a literatura científica, aprovar diretrizes mais brandas. Pelos padrões de 2005, era considerada segura a exposição inferior a 20 microgramas por metro cúbico em um período de 24 horas; agora, o limite foi ampliado para 40 microgramas.

Mais de 40 sociedades médicas de todo o mundo divulgaram nesta quarta-feira uma declaração conjunta apoiando as diretrizes e pedindo que os governos combatam a poluição. Essas entidades lembraram que os novos limites refletem bem “o amplo consenso científico” sobre o impacto da poluição atmosférica na saúde. Mark Nieuwenhuijsen, presidente da Sociedade Internacional de Epidemiologia Ambiental e pesquisador do ISGlobal, afirmou, em um comunicado, que “as diretrizes são um alerta para os responsáveis políticos” e manifestou a esperança de que “influam nas políticas de qualidade do ar em todo o mundo”, mesmo não tendo força de lei.

Impacto na Espanha

A Espanha, assim como os demais países da União Europeia, tem limites de exposição a poluentes atmosféricos definidos, em parte, com base nas recomendações de 2005 da OMS. No caso do dióxido de nitrogênio, o limite estabelecido pelas normas europeias coincidia até agora com o da Organização Mundial da Saúde. E apenas dois núcleos populacionais espanhóis, Madri e Barcelona, superam esse limite, o que motivou uma denúncia contra a Espanha no Tribunal de Justiça da União Europeia. Mas se a UE decidir assumir os novos limites fixados pela OMS para esse poluente, todas as cidades grandes e médias do país estarão violando essas diretrizes, explica Miguel Ángel Ceballos, dos Ecologistas en Acción. Ou seja: “A população afetada pelo NO₂ passaria de 7 para 33 milhões”, cerca de 70% dos habitantes do país.

 

No caso das partículas, a legislação europeia é mais branda do que as diretrizes da OMS. Levando em conta as recomendações de 2005 da organização, 23 milhões de habitantes da Espanha residem em áreas que ultrapassam os limites de PM₁₀. Levando em conta as novas diretrizes, esse total chega a 39 milhões, 84% da população espanhola, segundo os cálculos de Ceballos. No caso das PM₂,₅, o total passaria 29 para 43 milhões de pessoas, 92% dos habitantes da Espanha.

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