O esforço mundial para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa
Investida global demandará mobilização social, incentivos convincentes, facilidade de financiamento, respaldo tributário e boa normatização. O Brasil é o quinto país no ranking global de emissões. Sua política ambiental continua capturada pelo negacionismo.
O desafio das mudanças climáticas precisa de um amplo engajamento mundial, sob o risco de chegarmos a um momento sem volta, com consequências dramáticas para todos. Atualmente, estamos na perigosa rota de aumento de 3,7 graus da temperatura até o fim do século. O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, seguido por outros líderes como Jair Bolsonaro, do Brasil, infelizmente promoveu atrasos nas políticas globais relacionadas ao meio ambiente e aquecimento global. Trump abandonou o Acordo de Paris em 2017, e o Brasil se recusou a sediar a cúpula climática em 2019, abandonando a liderança que sempre exerceu nessa área.
Apesar de Trump, Estados e cidades americanas resistiram e continuaram a perseguir as metas mais ambiciosas de redução dos gases de efeito estufa (GEE), com aumento de apenas 1,5 grau na temperatura até 2.100. O presidente Joe Biden, ao assumir no começo deste ano, exorcizou o negacionismo de Trump e retomou à linha de Barack Obama. Biden sinaliza agora com US$ 2,3 trilhões em investimentos para sustentabilidade, e boa parte desses recursos, segundo o Enviado Especial para o Clima, John Kerry, virão da iniciativa privada.
Uma nova estratégia de ambição climática já vinha sendo defendida pela Comunidade Europeia há algum tempo, principalmente pela chanceler alemã Angela Merkel. Trata-se de acelerar o processo estabelecendo metas mais ambiciosas na redução de GEE. Note-se que os seis maiores responsáveis, por 58% das emissões globais de GEE, são Estados Unidos (12,9%), China (23,7%) Índia (6,5%), Rússia (4,2%), União Europeia (7,4%) e Brasil (3,2%).
Promover esforços para a redução das emissões é uma tarefa humanitária diante das consequências nefastas do aquecimento global. Para atingir a meta de 1,5 º C até o ano 2.100 será preciso a firme ação dos governos, estabelecendo diretrizes para a sustentabilidade, rompendo com a era dos combustíveis fósseis e promovendo a transição para tecnologias limpas. Demandará mobilização social, incentivos convincentes, facilidade de financiamento, respaldo tributário e boa normatização.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aquiBiden está alinhado com o discurso de Nicholas Stern, conselheiro da coroa britânica: é preciso criar uma infraestrutura para a sustentabilidade e há uma janela de tempo para que isso ocorra, caso contrário a capacidade de investimento global não conseguirá enfrentar o problema, que se tornará impagável diante do agravamento da crise climática. Os EUA apostam em resultados a partir de seu primeiro chamamento à ação, que ocorrerá no Dia da Terra, em 22 de abril. Foram convocados os 40 maiores emissores de GEE para afinar a orquestra das nações frente à Cúpula do Clima, prevista para novembro, em Glasgow, na Escócia.
O primeiro-ministro da índia, Narendra Modi, declarou entusiasmo com a proposta de metas mais ambiciosas. Com forte apoio comercial americano, as negociações avançam na Índia para a produção de 450 gigawatts em energia limpa nos próximos 10 anos, eliminando as fontes poluentes do carvão.
Os EUA pretendem injetar bilhões de dólares em avanços tecnológicos, obviamente recheados de interesses de empresas norte-americanas. Se a iniciativa prosperar, os benefícios de pesquisas, visando tecnologias para energia limpa, poderão apresentar resultados notáveis. A construção de uma nova infraestrutura global “verde” abre um universo de possibilidades lucrativas, assim como a limitação comercial para os combustíveis fósseis, a ponto de poder convencer os países árabes produtores de petróleo, reunidos na Opep, a se dedicaram a pesquisas em hidrogênio.
Entre os três maiores emissores de GEE, EUA, China e Índia, a grande incógnita é qual será o grau de envolvimento da China. Apesar de apresentar alta vulnerabilidade diante dos efeitos das mudanças climáticas, a China assume metas, mas tenta empurrá-las de 2.050 para 2.060, assim como o Brasil. Diplomaticamente, Kerry tem afirmado que a China poderá exercer grande liderança neste processo e avançar mais em suas metas.
Com alguns compromissos já externados pela China, a Rússia ficou mais isolada frente à Comunidade Europeia. Sua reticência para redução de emissões está sob permanente pressão. Dependentes de exportações, suas indústrias pesadas vêm sendo enquadradas pela legislação ocidental e por investidores mais exigentes com a regularidade ambiental. Até junho deste ano, a UE deve anunciar novas medidas de taxação sobre bens de países que não anunciaram metas ambientais responsáveis.
Apesar da resistência dos países emergentes à taxa carbono da UE (carbono border adjust mecanism), com a alegação de que a medida descumpre a lógica de metas diferenciadas (INDCs – Contribuições Pretendidas Nacionalmente), a prevalência deve ser a de seguir a linha de Biden e fortalecer a lógica de metas mais ambiciosas para todos. A França vem pressionando a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) no desenvolvimento do Programa Internacional de Ação sobre o Clima (IPAC), com a finalidade de mensurar a descarbonização das economias. Ao que tudo indica, haverá forte pressão com novos mecanismos econômicos para o enquadramento de Rússia, China e Brasil.
A convocação dos países para a estratégia de metas ambiciosas possui um lado excludente, pois nesta fase da cúpula climática americana não foram convidados ― e não serão ouvidos ― países em situação de penúria financeira e vulneráveis às mudanças climáticas. Como, por exemplo, o Paquistão, sobre o qual se revela uma forte obsessão americana por segurança antiterrorismo. Sua fronteira com o Afeganistão traz frequentes suspeitas sobre a proximidade com grupos extremistas. Do ponto de vista humanitário, deveria prevalecer a urgência de sua altíssima vulnerabilidade hídrica, já que a região fronteiriça, cortada pelo rio Cabul, afluente do Indo, abriga nada menos do que 25 milhões de pessoas de ambos os países.
O Brasil é 5º país no ranking global de emissões GEE. Sua política ambiental continua capturada pelo negacionismo, enquanto persiste um alto índice de ineficácia no combate aos crimes contra o meio ambiente. Segundo a instituição Imazon, o mês de março de 2021 registrou, na Amazônia, o maior índice de desmatamento em seis anos. É amplamente conhecido o desmantelamento da administração ambiental brasileira, a perda de qualidade do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e dos elementos de transparência e participação social.
Será necessário verniz facial substancial ao ministro Ricardo Salles para ir à conferência americana em 22 de abril. De chapéu na mão, anunciou que pedirá US$ 1 bilhão em 12 meses para reduzir o desmatamento. Tarefa difícil, depois de degringolar o Fundo Amazônia e sem poder comprovar a eficácia do Exército para conter o desmatamento da Amazônia durante a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que consumiu R$ 530 milhões.
A diplomacia climática de John Kerry poderá sinalizar, de forma generosa, que estamos diante da oportunidade de uma esperançosa retomada de liderança do Brasil na área climática. Na prática, diante do caos, seria necessária uma mudança radical no comando presidencial e ministerial. Se o Brasil continuar com baixa eficiência em planejamento e administração ambiental, não conseguirá enfrentar o cenário de vulnerabilidades climáticas, nem promover firmes ações de adaptação para sua imensa área costeira, assentamentos humanos, florestas, ecossistemas de produção de água e agricultura.
O Brasil já conta com potencial hidrelétrico instalado e os planos de devastar florestas para construir novas barragens estão sendo afastados pela experiência histórica. Os investimentos necessários para a transição total para uma matriz energética limpa, como terão de fazer Estados Unidos, China, Índia e Rússia, estão longe de nossa realidade. O Brasil terá de ampliar a geração de energia limpa, controlar as fontes móveis (veiculares) e fixas (industriais) e evitar o avanço dos incineradores e das usinas termelétricas.
É preciso enfrentar os interesses de uso abusivo do solo e a devastação ambiental, responsáveis por quase metade de nossas emissões; e conter o desmatamento e ser inflexível na obrigatoriedade de recomposição das áreas desmatadas, o que já está explicitado em nossa legislação, independente de questões climáticas.
Abençoado por Deus, bonito por natureza e com legislação ambiental avançada, a ambição climática do Brasil deve ser principalmente a de se livrar do negacionismo, da má gestão e da criminalidade.
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.