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Enquanto Bolsonaro promete a Biden proteger a Amazônia, Salles é alvo de pedido de CPI

Superintendente da PF no Amazonas é trocado por novo diretor-geral após criticar ação a favor de madeireiros e solicitar inquérito contra ministro do Meio Ambiente ao STF. Deputado recolhe assinaturas para CPI na Câmara e oposição leva caso ao MPF para apurar troca no AM

Toras de madeira em área desmatada no Pará.
Toras de madeira em área desmatada no Pará.NELSON ALMEIDA (AFP)
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Nesta quarta-feira, mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro enviava uma carta de sete páginas a seu colega Joe Biden onde prometia acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, mandava uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal pedindo a investigação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por atrapalhar os trabalhos de fiscalização ambiental na região. “Reitero o compromisso do Brasil e do meu Governo com os esforços internacionais de proteção do meio ambiente, combate à mudança do clima e promoção do desenvolvimento sustentável”, escreve Bolsonaro na missiva ao novo presidente norte-americano. Já o delegado afirma no documento que o ministro age “no intento de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública.”

Entre os dois mundos distintos descritos na mensagem de Bolsonaro ao presidente dos Estados Unidos e na de Saraiva ao STF, a realidade mostra que quem está com a razão é o delegado. Enquanto tenta se adaptar aos ventos internacionais e modular seu discurso para agradar o democrata antes da cúpula climática com dezenas de líderes de estados na semana que vem, o Governo Bolsonaro segue solapando os esforços de seus próprios agentes no combate ao crime ambiental. De acordo com apuração do jornal Folha de S. Paulo, o novo diretor da PF, Paulo Maiurino, decidiu substituir Saraiva na Superintendência do Amazonas em meio aos atritos com Salles, que começaram após a maior apreensão da história de madeira extraída de maneira ilegal na região amazônica, a partir de dezembro do ano passado. A carga é avaliada em 130 milhões de reais.

Os mais de 200.000 metros cúbicos de madeira apreendidos no Pará foram retirados ilegalmente de terras públicas griladas, afirma o inquérito da PF sobre o caso. As madeireiras responsáveis pelas toras não apresentaram documentação válida e tudo foi confiscado. Após a ação, batizada de Operação Handroanthus, Salles visitou duas vezes o local na região de Santarém para prestar apoio aos apontados pela polícia como criminosos. Sugeriu que estava tudo certo com a documentação apresentada pelos madeireiros e pediu a liberação da madeira. “O Governo recebeu através dos ministérios da Justiça, Secretaria de Governo e Meio Ambiente um grupo de senadores e deputados acompanhados de proprietários”, explicou Salles durante a visita. “Eles cobraram uma resposta rápida. É obrigação do Governo encontrar resposta célere. Não entrei em detalhes da investigação, mas o que me parece é que as informações são bastante coerentes de não haver a propagada ilegalidade.”

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Em resposta, quem até esta quinta era superintendente da PF na região deu uma entrevista onde diz que “na Polícia Federal não vai passar boiada”, em referência à fala de Salles na infame reunião ministerial do dia 22 de abril do ano passado, onde o ministro defendeu afrouxar a legislação ambiental enquanto a imprensa estava ocupada com a pandemia de covid-19, então no começo. “É o mesmo que um ministro do Trabalho se manifestar contrariamente a uma operação contra o trabalho escravo”, já havia dito Saraiva no dia 4 deste mês à Folha de São Paulo. A apuração do caso estava sob seu comando. Com a notícia-crime, ele dobrou a aposta. “O ministro Ricardo de Aquinos Salles e o senador Telmário Mota, de forma consciente e voluntária, e em unidade de desígnios, dificultam a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais, assim como patrocinam interesses privados (de madeireiros) e ilegítimos perante a administração pública, valendo-se de suas qualidades de funcionários públicos”, diz o delegado, na queixa que ainda não foi apreciada no STF.

Em nota, o senador Telmário Mota acusou o delegado Alexandre Saraiva de “buscar holofotes” e nega qualquer irregularidade. Salles não comentou. Nessa queda de braço, por enquanto o delegado cai e perde o comando do caso, enquanto o ministro e sua “política ambiental” saem fortalecidos, mas não sem resistência.

A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados anunciou nesta quinta-feira que entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra o diretor-geral da PF por causa da troca do chefe no Amazonas. O deputado federal Daniel Coelho (Cidadania-PE) começou a recolher assinaturas para um requerimento de instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a gestão do ministro do Meio Ambiente. “O parlamento precisa investigar se de fato o ministro está coagindo a Polícia Federal para não fazer seu papel e pior, um Ministério do Meio Ambiente que trabalha pela devastação da Amazônia”, afirma o deputado ao EL PAÍS.

Todo esse barulho acontece em uma hora ruim para o Governo. A contradição entre a carta de intenções de Bolsonaro a Biden e a realidade de sua Administração não podia ficar mais gritante a pouco mais de uma semana da cúpula climática onde deve ser decidido se o norte-americano está disposto a dar um voto de confiança ao brasileiro ou não. Além do comprometimento teórico com uma agenda ambiental, na mensagem ao colega o presidente brasileiro reconhece que o país enfrenta aumento no desmatamento da Amazônia, mas diz que a tendência ocorre desde 2012, no Governo da então presidente Dilma Rousseff. Ao tentar dividir a responsabilidade com gestões passadas, tenta colocar o desmatamento como algo estrutural e não culpa sua. É uma estratégia para conseguir dinheiro. “Ao sublinhar a ambição das metas que assumimos, vejo-me na contingência de salientar, uma vez mais, a necessidade de obter o adequado apoio da comunidade internacional, na escala, volume e velocidade compatíveis com a magnitude e a urgência dos desafios a serem enfrentados “, escreveu. “Inspira-nos a crença de que o Brasil merece ser justamente remunerado pelos serviços ambientais que seus cidadãos têm prestado ao planeta.”

Longe da retórica de Bolsonaro, a Amazônia registrou novo recorde de desmatamento em março e perdeu a maior área de cobertura vegetal em seis anos para o período. O crescimento foi de 12% em relação ao mesmo mês em 2020. Os dados são do Deter, sistema de monitoramento de desmate do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Enquanto a floresta queima, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta quinta que as metas de redução de desmatamento devem ser alcançadas pouco a pouco. Ele comanda o Conselho da Amazônia, órgão do governo federal que coordena ações de combate a ilícitos ambientais no bioma e tem resultados muito criticados por entidades não-governamentais e ambientalistas.

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